O Deafheaven, uma das grandes revelações do metal nos últimos anos, enfim chegou à América Latina na semana passada. Embalados pela boa recepção de New Bermuda (2015), o terceiro disco do quinteto, o grupo fez um único show no Brasil, realizado no último domingo (10), em São Paulo, em evento promovido pelo pessoal do Monkeybuzz.
As minhas expectativas eram altíssimas: Sunbather (2013) é um dos grandes discos da última década, na minha opinião, e New Bermuda, apesar de não ser me apetecer como Sunbather, é inegavelmente um ótimo trabalho. Minha maior dúvida era como o amálgama de black metal, post-rock e shoegaze do grupo funcionaria ao vivo, pois as chances de se transformar em uma ininteligível maçaroca sonora eram grandes. Fui felizmente surpreendido.
Perdi o show do Nvblado, grupo catarinense convocado para inaugurar os trabalhos no Clash Club, casa na Barra Funda onde o evento ocorreu. Tremendo vacilão; gostei bastante do Água Rosa, segundo álbum deles, que saiu no começo do ano pela Bichano Records (vai lá ouvir, vale a pena), mas pelo menos consegui ver a maior parte do show do E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante, segunda banda da noite, cada vez mais intensa e impactante ao vivo.
O público, apesar de aguardar o Deafheaven com ansiedade, demonstrava interesse genuíno no relevo sonoro do E a Terra, que neste ano lançou o ótimo single duplo Medo de Morrer | Medo de Tentar. E nesse show, tive a melhor surpresa da noite: a qualidade do som, nítido para o público e para a banda. O show do Deafheaven, agora, prometia ainda mais.
Com um atraso irrisório – a pontualidade foi um dos destaques do evento, realizado num domingo – os sinos que abrem New Bermuda ecoaram na Clash, a deixa para que o grupo subisse ao palco liderado pelo guitarrista Kerry McCoy, principal compositor do grupo, e pelo vocalista George Clarke, um espetáculo à parte.
Apesar dos berros quase estridentes de George não serem a minha parte favorita da banda, o cantor ganhou pontos pelo personagem vivaz que encarnou logo deu os primeiros passos em direção à plateia: uma espécie de maestro maníaco, um louco que ficou responsável por entreter visualmente a plateia enquanto o quarteto instrumental que o acompanhava se concentrava em executar as canções com a maior precisão possível.
Na turnê do novo álbum, o Deafheaven tem tocado o New Bermuda na íntegra e na ordem, deixando as canções do Sunbather para o bis – e ignorando completamente o bom Roads to Judah (2011), disco de estreia da banda. Em São Paulo não foi diferente. O show começou com “Brought to the Water” e terminou de mentirinha com “Gifts for the Earth”. No bis, “Sunbather” e a catártica “Dream House”. Nada de novo. Mas o repertório, dividido assim, deixou ainda mais claras as diferenças entre os dois discos.
As canções de New Bermuda parecem mais racionais, mais lógicas, mais presas a estruturas definidas. O black metal ganhou destaque na paleta, enquanto em Sunbather as cruzas com o lado alternativo do espectro tomavam a linha de frente, não à toa o disco foi adorado pela mídia indie internacional. Quando toca o black metal, o Deafheaven é tecnicamente eficiente, voraz, denso. Mas quando abre espaço para o post-rock, por exemplo, os contrastes dão brilho extra para as canções.
A resposta do público foi clara: apesar de conectada durante as cinco faixas de New Bermuda, a plateia ficou ensandecida nas duas outras, com punhos em riste, berros ininteligíveis, stage dives descoordenados e rodas de pogo razoavelmente amigáveis. Tudo acompanhado de perto – mesmo – por Clarke, que foi carregado pelo público em várias ocasiões, e chegou a desaparecer em meio aos presentes após ser empurrado pelo baixista Stephen Clark no fim de “Dream House”.
Apesar das músicas longas, o show não bateu a marca de uma hora e meia. Nem precisava, pois a brutalidade sonora já começava a gerar alguma estafa auditiva à plateia e certa estafa física aos integrantes. Mas foi uma excelente performance de uma banda que vive um grande momento, e que promete ultrapassar os questionamentos do hype e manter-se em alta por um bom tempo. Que voltem logo.
Foto do topo por Rodolfo Yuzo.