Faixa Título entrevista Carne Doce: "artista fala com arte"

Em entrevista ao Faixa Título, guitarrista do grupo fala sobre o segundo álbum do quinteto, o cenário independente e a relação entre música e política

Carne Doce (por Felipe Gabriel)

Em 2014, o Brasil foi apresentado ao quinteto goiano Carne Doce com um primeiro álbum de palpável intensidade emocional. Uma estreia cheia de arestas expostas intencionalmente em letras simples sobre arranjos de extremo bom gosto. Carne Doce, o álbum, flutuava entre o exagero e a sutileza com fluidez e propósito, e revelou um repertório que, ao vivo, ganhou em potência e substância. Inspirado nessa vivência, o grupo lança Princesa, segundo álbum da carreira, no próximo dia 24 de agosto.

Princesa foi gravado em junho deste ano no Red Bull Studios, em São Paulo (o mesmo onde o Inky gravou Animania, disco sobre o qual escrevi recentemente aqui), e produzido por João Victor Santana Campos, um dos guitarristas do grupo. Três músicas já saíram: “Artemísia”, “Amiga” e “Eu te Odeio” (todas disponíveis abaixo, ao longo do texto). Mas recentemente tive acesso ao disco todo, e logo nas primeiras impressões, todas as qualidades exibidas no anterior parecem ter ganhado força. O destaque óbvio fica com as letras da vocalista Salma Jô, que escreve como quem bate um papo dos mais coloquiais com o ouvinte – o sotaque goiano de “Cetapensâno” é delicioso de se ouvir – mesmo quando trata de relações espinhosas ou temas como o aborto, no corajoso single “Artemísia”. Um primor.

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Musicalmente, a banda soa ainda mais afiada que no antecessor, comandada pelo trabalho ímpar de guitarras de João Victor e Macloys Aquino, principal parceiro de composição de Salma na banda. Há inclusive uma viagem psicodélica deliciosa no álbum, “Carne Lab”, quase totalmente instrumental, interrompida apenas por Salma ao fim da faixa (“Num tô entendendo. Dez minutos de fritação gratuita”). É um dos pontos altos do disco e prova de que, mesmo quando ousado, o Carne Doce busca ir além sem apelar para a pretensão, coisa rara de se ver e de se ouvir.

Empolgado pelo que vem por aí, troquei uma ideia sobre o novo disco do Carne Doce com o Macloys via e-mail, conversa que reproduzo logo após a bela capa do álbum, de autoria de Beatriz Perini:

No que se ouviu até aqui, Princesa soa como se todas as qualidades apresentadas no primeiro álbum tivessem se amplificado: letras ainda mais fortes, harmonias lindíssimas, e um casamento perfeito entre o rock alternativo e a música brasileira. Como você descreveria a evolução do Carne Doce entre os dois álbuns?

Muito massa você falar em casamento entre indie e música brasileira, a gente gosta das duas coisas e tentamos fazer isso desde o primeiro disco, gravado quando tínhamos apenas dois meses de banda. Agora, dois anos depois, estamos mais entrosados, seguros, mais soltos. Princesa traz uma banda mais firmeza em todos aspectos, e até mais madura. É o tempo trabalhando juntos.

E como foi o processo de produção e gravação do disco? Qual era a intenção da banda com esse novo trabalho?

No início de 2016 já tínhamos duas das que estão no disco, foi quando a Red Bull nos convidou para gravar. Então ganhamos cinco meses para produzir. Durante o primeiro semestre do ano desenvolvemos as músicas. O João Victor, nosso guitarrista e produtor, estudou as faixas, gravou versões, experimentou formatos, nos deu boas opões de escolha. Ficou bem bonito.

A sintonia entre você e Salma, como casal e como parceiros de criação, sempre foi um elemento marcante do grupo, evidente desde os primeiros trabalhos até as trocas de olhares no vídeo recente de “Eu Te Odeio” (acima). Como funcionou essa dinâmica na produção de Princesa?

Como no primeiro disco, Salma e eu compomos a maior parte das canções e a banda produz a partir delas. Mas em Princesa já tem canção da Salma com João, tem música que surgiu de jams durante os ensaios.

Em “Artemísia”, uma das faixas mais impactantes do trabalho, a banda aborda a questão do aborto de uma forma muito sensível e contundente. Em tempos inflamados, de grandes discussões e levantes sociais, como vocês veem o papel da classe artística? É preciso se posicionar, provocar debates?

O artista dá opinião, se posiciona e provoca sempre com seus produtos artísticos. É grossa a comparação, mas penso em juízes que só falam em processos ou executivos que só falam corporativamente pra manter a legitimidade do seu discurso. Artista fala com arte, a interpretação política disso é feita em outro nível. Se não você corre o risco virar um Lobão, que se perdeu de tanto atuar politicamente.

A nova geração da música alternativa nacional parece ter cada vez mais reconhecimento, mas o grande mercado parece cada vez mais cego para isso. Qual a perspectiva profissional de um músico independente, no Brasil de hoje? Há espaço para otimismo?

É restrito, muito difícil, chances quase mínimas. Conheço poucas bandas que são empresas saudáveis. Chutaria umas dez. Pela quantidade de banda boa por aí, é um péssimo sinal, negócio de louco, não tem mercado. O otimismo vem mais da vontade do que do exemplo.

Princesa ainda tem participação especial de Guilherme Kastrup, que gravou percussão em “Amiga”, “Artemísia” e “Açaí”, e estará disponível nas principais plataformas de streaming no dia 24/08. A banda segue em turnê ainda em agosto para divulgar o novo disco, com datas já no fim deste mês, disponíveis na página do Carne Doce no Facebook.

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