Atualização 09/09: a partir de hoje, Blonde também está disponível no Spotify.
Depois de quatro longos anos de suspense, Frank Ocean está de volta. Aclamado pela estreia ousada na mixtape nostalgia, ULTRA (2011) e elevado ao olimpo midiático com channel ORANGE (2012), seu primeiro álbum, Ocean lançou no último fim de semana o segundo álbum da carreira. Ou melhor: um combo audiovisual que ainda não sabemos bem como chamar, mas que já é apontado como transformador para os nossos tempos.
Na sexta passada (19), Ocean lançou Endless, um “álbum visual”. Disponibilizado exclusivamente para os assinantes do Apple Music, Endless é na verdade um filme de 44 minutos com dezoito faixas inéditas de Frank na trilha sonora. No vídeo, em preto e branco, vemos o cantor construindo uma escada de madeira – algo como uma versão muito mais abstrata e esquisita de Lemonade, o álbum-filme que Beyoncé lançou no início do ano só no Tidal.
O tão aguardado álbum de inéditas de Frank Ocean estava ali, mas parecia incompleto.
E estava.
No dia seguinte, pela mesma Apple Music, Frank lançou Blonde, outro álbum, agora mais próximo ao formato tradicional de um disco nos tempos de hoje. Blonde (com grafia propositalmente alterada na capa, Blond) tem dezessete faixas repletas de angústia e melancolia – um álbum cheio de silêncios, frustrado ainda que seguro. Além da versão digital, Blonde ganhou uma versão física, encartada em Boys Don’t Cry, uma revista de edição limitada vendida exclusivamente em estandes temporários em Los Angeles, Nova Iorque, Londres e Chicago.
Musicalmente, Endless e Blonde fazem pop de vanguarda em trinta e cinco canções inspiradas, amarradas por uma produção impecável. Ainda é cedo para saber qual o impacto dos discos para a carreira de Frank e para o universo musical que o cerca – channel ORANGE se revelou um dos discos mais influentes para o pop desta década – mas já é possível declarar o lançamento de ambos como um marco em outra história: a da indústria fonográfica.
O novo In Rainbows?
Frank foi contratado pelo selo Def Jam, da Universal Music, em 2010. Mas frustrado pela burocracia que envolvia seu contrato, lançou nostalgia, ULTRA de graça na internet. Eventualmente ele fez as pazes com o selo, o que permitiu o lançamento de channel ORANGE. Mas algo azedou outra vez de lá para cá, e Ocean orquestrou o lançamento de Endless e Blonde para se livrar da gravadora.
Obrigado por contrato a lançar mais um álbum pelo Def Jam, Ocean prometeu exclusividade à Apple Music e entregou Endless. Paralelamente, negociou com a Apple o lançamento exclusivo de Blonde, registrado pelo selo independente do cantor, batizado (tcharam!) Boys Don’t Cry.
Se o Def Jam ou a Universal sabiam da existência de Blonde, ninguém sabe ao certo. Mas a realidade é que Endless, um produto difícilimo de se vender, é da Universal. Blonde, mais acessível, é de Frank Ocean, com distribuição da Apple.
É o que a nossa internet apelidou de “dibre”.
A manobra irritou Lucian Grainge, chefão da Universal, que na segunda-feira (22) decretou que nenhum artista da gravadora está autorizado a negociar lançamentos exclusivos com serviços de streaming daqui para frente.
O fortalecimento da Apple Music (que supostamente negocia comprar o Tidal) ameaça especialmente o Spotify, cujas ações são, em parte generosa, de propriedade das gravadoras. E há dinheiro suficiente na Apple para investir maciçamente na Apple Music. Isso pode explicar, parcialmente, a irritação de Grainge.
Por outro lado, a urgência da decisão evidencia o medo da indústria em se tornar obsoleta outra vez, como quase vimos ocorrer em 2000, com a popularização do Napster e da pirataria digital.
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O impacto da decisão, caso siga em frente, é imensurável. Afinal, a exclusividade tem sido a maior arma na guerra dos serviços de streaming em 2016. Só este ano, Beyoncé, Kanye West, Drake e Rihanna, alguns dos maiores nomes do pop internacional, lançaram álbuns exclusivos (alguns temporariamente) por um serviço de streaming ou outro.
Ocean fez o mesmo, mas cortou os intermediários. Acertou diretamente com a Apple a distribuição do álbum. A publicidade, um dos maiores trunfos das gravadoras hoje, foi substituída pelo hype da imprensa, pela ansiedade das redes sociais e por posts misteriosos na página de Frank no tumblr.
Por que ele dependeria do Def Jam se poderia registrar o álbum em um selo próprio e acertar a distribuição diretamente com quem irá vendê-lo? E mais: se Frank Ocean pôde fazer isso, quem garantirá que outros artistas não farão o mesmo em breve?
Quando o Radiohead lançou In Rainbows gratuitamente em 2007, o grupo não inaugurou uma tendência de grandes artistas lançando álbuns grátis. Mas no auge da pirataria, os britânicos forçaram a indústria a reconhecer que havia formas práticas, legais e inteligentes de fazer a música chegar aos consumidores.
A aceitação do streaming como modelo de negócios surgiu daí, desse tipo de iniciativa.
O quiproquó ao redor de Endless e Blonde talvez não seja equivalente à discussão iniciada por In Rainbows. Mas evidencia as rachaduras na forma como o modelo de streaming, até aqui apontado pela indústria como a solução de seus próprios problemas, tem sido conduzido.
Depois de Endless, Blonde e a reação da Universal, a indústria se verá obrigada a repensar táticas, planejamentos. Artistas também.
Enquanto isso, nós assistimos tudo daqui de baixo, com nossos clientes de torrent abertos para conseguirmos ouvir nossos maiores ídolos. E ainda nos apontam como vilões.
O jogo mudou, mas parece o mesmo.
Com o tempo descobriremos os desdobramentos disso tudo. Até lá… que disco lindo, hein Frank?
Com informações do Music Business Worldwide.