Como os selos independentes brasileiros sobrevivem na era da música digital?

Conversamos com três gravadoras brasileiras sobre o mercado da música independente na era digital, com Hearts Bleed Blue, Laja Records e Bigorna Discos.

Discos de vinil na Hearts Bleed Blue

Em 2015 os lucros com música digital superaram pela primeira vez os de produtos físicos, de acordo com os dados da IFPI. Não é nenhuma surpresa que o digital tomou conta do mercado mundial. Novas músicas são disponibilizadas em questão de cliques em todo o mundo.

Para os fãs isso é, sem dúvida, incrível.

Mas o que acontece no mundo dos selos independentes brasileiros? Gente que se dedica a lançar bandas pequenas e médias em popularidade, em um universo onde uma prensa de mil CDs já era um volume alto há alguns anos, quando este era o formato preferido?

Conversamos com alguns dos expoentes do mercado da música independente para descobrir qual o papel dos selos e como eles estão ativos neste novo universo. Os selos Hearts Bleed Blue (HBB), Laja Records e Bigorna Discos abriram o jogo sobre as dificuldades e mudanças no que fazem e como fazem para seguir apoiando bandas brasileiras e gringas por aqui.

CDs ainda vendem

“Nossa principal fonte de renda segue com a venda de álbuns em formatos físicos, seguido da venda de merchandise”, conta Antônio Augusto, fundador da Hearts Bleed Blue.

Criado em 2011 e atualmente com 7 pessoas no equipe, o selo tem como uma de suas propostas oferecer “música para colecionar”, e mesmo que tenham deixado de ser o principal formato de lucros para o mercado, os CDs seguem em primeiro plano para o selo, “principalmente por ter um valor final mais adequado para o orçamento brasileiro.”

Ainda que de alguns anos para cá os discos de vinil tenham voltado à moda, a porcentagem de vendas ainda é por volta de 10% comparado aos CDs, especialmente por conta do alto custo. O selo lançou 24 álbuns em 2016, a maioria deles em três formatos: CD, vinil e K7.

Ainda para 2016, a Bigorna Discos tem a coletânea Café para colocar no mercado. Criado no Vale do Paraíba, o selo juntou 12 bandas da região para um lançamento coletivo que envolveu as quatro pessoas que cuidam do selo: todas as músicas são inéditas e foram gravadas no Estúdio Wasabi, de Diego Xavier.

O projeto gráfico foi feito por Gustavo Magalhães (Estúdio Miopia) e Diego Esteves (Descalço) e a parte comercial por Eder Penha. Os custos foram divididos coletivamente, entre as bandas e os integrantes do selo e levou cerca de 6 meses para ser finalizado. Ao todo, o selo colocou 6 CDs e 1 K7 no mercado neste ano, além de diversos lançamentos digitais.

 

Shows e distribuição

Eventos ainda são uma parte importante do trabalho dos selos, seja para CDs ou merchandise

Para Mozine, fundador da Laja Records em 1997, o público sabe que pode encontrar material quando vai aos seus shows – ele é integrante de uma longa lista de bandas, incluindo Mukeka di Rato e Merda.

“Costuma vender bem, a galera já vai preparada. O site também mantém uma regularidade boa de vendas mensal,” analisa. Ainda existem outros distribuidores que pegam material da Laja, porém é uma fonte menos estável.

Mozine diz preferir seguir com um negócio pequeno e trabalhar de casa. O selo é comandado por ele e sua esposa, Laura Paste.

“Me recuso a crescer. Recebo todo tipo de convite: licenciamento de bandas gigantes, para ser tour manager de bandas gringas, abrir casa de show, para fazer festivais gigantes, mas prefiro continuar do mesmo tamanho,” garante.

Para a Bigorna Discos, a distribuição em shows funciona mais como uma forma de divulgação. “Nós trocamos CDs nossos por CDs de outros selos ou bandas para fazer a música chegar mais longe,” conta Gustavo Magalhães.

Quem tem o sistema mais avançado de distribuição é a Hearts Bleeds Blue.

“Nosso principal meio é a venda direta através da nossa loja online, mas distribuímos nossos títulos em diversas lojas de discos pelo país, incluindo grandes redes,” explica Antônio.

Suporte para bandas acontece em várias frentes

“Hoje nós damos uma espécie de assessoria no cadastro online, como que se ensinássemos o caminho das pedras. A informação está muito democrática,” analisa Gustavo Magalhães da Bigorna Discos.

O selo ainda realiza pequenos eventos e neste ano lançou uma série chamada Bigorna Sessions no YouTube, onde as bandas do selo gravaram versões acústicas de suas músicas.

Como entre os integrantes do selo há o dono de um estúdio de gravação e dois designers, é comum o envolvimento em gravações e visuais como encartes de CDs e pôsteres de divulgação de shows.

Para a Hearts Bleeds Blue, este envolvimento é ainda maior.

“Começamos a cuidar basicamente a partir do processo de produção do álbum, em suas variações de formato, a partir da master e da arte. Porém não influenciamos em nenhuma parte do processo de composição e gravação,” explica Antônio Augusto.

Ele também é designer, então a parte visual de muitos lançamentos conta com seu trabalho ou de Tuti AC, também parte do time do selo, como por exemplo os recentes trabalhos do Medulla e do Rejects S/A.

Na Laja Records é onde existe a maior variação entre o envolvimento do selo. Mozine cita como exemplo o álbum Índio Cocaleiro, lançado pelo Merda em 2012. “Estive envolvido em cada mínimo detalhe. Composições, letras, convidados, gravação, masterização, mixagem, produção e encarte. Em outros casos não faço quase nada, apenas recebo pronto e mando para a fábrica,” explica.

Além da música: Crackinho é hoje o maior sucesso da Laja

Entre as bandas que mais populares no catálogo da Laja são Merda, Mukeka di Rato, Bode Preto, RDP, DFC, Figueroas e Water Rats. Entretanto os produtos mais populares estão entre os do Crackinho.

O personagem criado em 2009 retrata de forma caricata uma pedra de crack que pede para não ser fumada e começou como uma brincadeira. Hoje, o Crackinho está retratado em produtos como camisetas, bonés e recentemente ganhou um talk show no YouTube e seu livro de colorir.

Mozine sabe que o Crackinho é aberto a muitas interpretações.

“Tenho muito medo de como as pessoas entendem, porque tem gente burra, tem gente do mal. É óbvio que é um pouco polêmico, quando sai da bolha dos amigos, do hardcore. Tudo é muito subjetivo e na verdade é uma bosta ter que explicar piada, arte e ironia,” resume Mozine.

2017: pé no freio, mas a música não para

Apesar da recessão econômica que afetou também os selos, todos estão otimistas para o ano que vem.

A Bigorna Discos espera aumentar seu suporte às bandas. “Nossa ideia é continuar a aumentar nossos recursos para as bandas, elaborar turnês e colaborar mais efetivamente no lançamento físico. Nossa proposta é disseminar o famoso ‘share to multiply’, então acredito que o crescimento vá ser orgânico”, prevê Gustavo.

Ainda que Mozine tenha planos de fazer menos shows e lançamentos, a Laja Records já tem 5 novidades encaminhadas: o segundo álbum do Figueroas e o Sonho Médio do Dead Fish, em vinil, além do Atletas de Fristo (Mukeka Di Rato) também em LP.

“Até o final do primeiro semestre pretendo lançar o novo de autorais do Facada o novo 10” do Merda, com 22 músicas. Fora uma porrada de outros projetos que posso estar envolvido,” garante o escrachado Mozine.

A Hearts Bleed Blue planeja desenvolver suas rede de distribuição e a presença do selo nos principais festivais do país. Serão menos lançamentos do que neste ano (com 26), porém o primeiro deles já está confirmado: o primeiro álbum solo de Alf Sá, ex-vocalista do Rumbora.