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Resenha: American Football - American Football (2016)

Disco de retorno dos padrinhos do emo é nostálgico, mas mantém os pés firmes no presente com músicas mais objetivas que seu antecessor

Resenha: American Football - American Football (2016)

A indústria musical é efêmera, uma besta em constante metamorfose. O sucesso de hoje é o gancho das piadas de amanhã, e o trabalho subestimado só começa a receber o devido respeito uma dúzia de anos depois.

O álbum de estreia do American Football, de 1999, é uma dessas joias semi-perdidas no tempo, conquistando a adoração da crítica e uma pequena base de fãs sem, no entanto, deixar marcas sob os grandes holofotes. A banda viria a encerrar suas atividades já no ano seguinte – mas a década que estava por vir não deixaria esse espírito descansar em paz.

Ao lado de contemporâneos como Clarity (Jimmy Eat World) e Pinkerton (Weezer), o American Football original viria a ser citado como “obra-prima” e “razão pela qual fazemos música” por toda a geração seguinte do emo/indie rock. O tempo passou, a popularidade do grupo só cresceu, e não deu outra: o lançamento de um videoclipe oficial para o clássico “Never Meant” em 2014 abriria as portas para a reunião entre Mike Kinsella, Steve Lamos e Steve Holmes – agora acompanhados de Nate Kinsella, primo de Mike.

Lançado no último dia 21 e também intitulado American Football (que aqui será chamado de LP2), o disco deixa transparecer desde as primeiras dedilhadas de Mike Kinsella e Steve Holmes em suas guitarras que não é um sucessor, uma evolução direta do LP1. É um clássico disco de reunião, fruto do reencontro de músicos que perceberam a existência de algo especial entre eles e resolveram trocar uma ideia depois de muito tempo.

Isso não quer dizer que o segundo trabalho é uma versão menos jovem do primeiro. Logo de cara nota-se a mudança na abordagem ao processo de composição: estruturas mais convencionais, com versos e refrães, sem tantos espaços instrumentais. Todas as faixas são cantadas e há poucos momentos de longa texturização musical, como nas clássicas “Honestly?”, “For Sure” ou “Stay Home”. Isso não é necessariamente ruim, visto que facilita a “digestão” e presenteia ouvintes menos pacientes.

“Where Are We Now?”, que abre o disco, é talvez o melhor exemplo: não demora a chegar nem a sair, entregando nesse meio um refrão grandioso e o tipo de narrativa que você esperaria da banda dezessete anos depois. Isso se repete, em grande parte, pelas outras faixas e deixa claro que a obra é muito menos baseada em instinto, emoção e improviso que sua antecessora. Havia um plano a ser seguido desta vez – e por vezes ficamos com a sensação de que faltou a Kinsella e cia um quê de irresponsabilidade, um espírito aventureiro. Bem, agora eles são adultos responsáveis, afinal.

Outra característica que simboliza uma relativa ausência de riscos é o fato de, por volta da segunda ou terceira música, descobrirmos que os títulos de todas as canções do disco são a primeira frase de cada faixa. No American Football clássico, eram a última frase. A semi-repetição daquela fórmula não carrega o mesmo charme desta vez, podendo até soar como um truque batido.

Mas paremos e revisemos o método de análise aplicado até aqui: é mesmo justo esperar uma revolução musical de um grupo tão disfuncional quanto o American Football? Mike Kinsella seguiu firme na música com seu projeto solo Owen, mas Holmes praticamente largou seu instrumento depois do fim da banda e o baixista Nate nem estava lá no primeiro disco. Com problemas suficientes para ocasionar um retorno morno que ferisse seu legado, é impressionante o quarteto ainda ser capaz de entregar um trabalho tão coeso como este, capaz de melancolia desesperadora (“Born to Lose”), metáforas interpessoais bem construídas (“Todo mundo está bem vestido, todos muito elegantes / Alguém deve ter encontrado o amor ou alguém deve ter morrido”, em “Everyone is Dressed Up”), e exploração de elementos melódicos inéditos (“Desire Gets In the Way”).

É verdade que algumas letras (“Me sinto tão doente / Doutor, dói quando eu existo”, em “I’ve Been So Lost for So Long”) transitam com perigo a linha tênue entre o profundo e o bobo, mas ainda carregam sentimento poucas vezes replicado pelas bandas nascidas por causa do American Football. As guitarras seguem conversando entre si com leveza, o baterista Steve Lamos mantém o tempero jazzístico pelo qual é conhecido, e a entrega vocal de Kinsella amadureceu tal como seus problemas pessoais, transformados pelo passar dos anos em demônios completamente diferentes.

Que o LP2 do American Football dificilmente replicará o sucesso adormecido do LP1, não é novidade. Seja qual for a mutação da internet em vigor daqui a quinze anos, é improvável que este álbum seja resgatado e ressignificado por ela como aconteceu com seu antecessor. Mas em hipótese alguma iremos, nós e a própria banda, nos arrepender de sua existência: a coleção de músicas aqui analisada existe em seu universo particular e dialoga de maneira única com o ouvinte, mesmo que naturalmente incapaz de fugir às comparações. E isso é uma conquista por si só.