Ao final de Setembro o TMDQA! esteve em Chicago para cobrir a nova edição do festival Riot Fest.
Uma das atrações que se apresentou por lá (e fez um dos grandes shows do evento) foi o Refused, e tivemos a oportunidade de conversar com os caras.
Em uma entrevista exclusiva, batemos um papo com o vocalista Dennis Lyxzén e o baterista David Sandstrom, que falaram bastante a respeito de arte, política, o novo álbum Freedom, o promissor futuro da banda e, é claro, o Brasil.
Divirta-se!
TMDQA!: Primeiro eu gostaria de parabenizá-los pelo seu mais recente disco, Freedom, que foi escolhido como um dos melhores do ano em nosso site. Eu gostaria de saber como e quando vocês decidiram que era hora de deixar todo o legado para trás, a influência de The Shape Of Punk To Come e começar a trabalhar em novas músicas após a turnê de reunião?
David Sandstrom: Muito obrigado!
Dennis Lyxzén: Quando a gente fez a turnê de reunião, a gente se divertiu muito, se deu muito bem. E eu acho que a gente nem imaginava que faríamos novas músicas, mas aí Kris, David e Magnus estavam escrevendo músicas juntos e um dia pensaram, “Bem, talvez Dennis poderia tentar cantar nessas músicas.”
David Sandstrom: A gente fez isso porque não conseguia terminar as músicas, elas ficavam maiores, maiores e maiores porque eram instrumentais. A gente chegava em 7 minutos e pensava, “Como iremos finalizar isso?”
Aí a gente tentou fazer uma com Dennis e ele disse “Bem, essa música deveria acabar aqui em 3 minutos e 40 segundos e o resto pode jogar fora” (risos)
Dennis: Eles precisavam de mim como uma espécie de moderador pra dizer onde a música deveria acabar, e eu acho que é, tipo, é sempre muito difícil se comparar ao seu passado, mas eu acho que assim que a gente ouviu os riffs que Kris estava compondo, percebemos que poderíamos gravar algo que tivesse significado.
The Shape Of Punk To Come é um disco com o qual as pessoas viveram por o que… 16 anos? É difícil competir com isso, mas também significa que deixamos nosso legado nas mãos de outras pessoas. Outras pessoas diziam o que a gente deveria tocar e como a gente deveria ser, e a gente sentiu que precisava retomar o controle da nossa banda.
Compor novas músicas, gravar um novo disco, ser uma banda é uma maneira muito boa de tomar o controle do seu legado. Não significa que esqueceremos o passado, significa que iremos construir algo a partir desse trabalho no passado.
David: A gente gosta muito desse disco e muita gente gosta desse disco, mas eu acho que de todas as pessoas que gostam desse disco, nós somos os menos impressionados com ele.
TMDQA!: Sério? Mas é por que já se passaram quase 20 anos ou…
Dennis: A gente estava lá, a gente sabe o que poderia ter sido feito melhor, então eu acho que a gente ouve o disco e pensa “ok, é um disco legal, mas a gente poderia ter feito melhor”.
David: Além disso, os relacionamentos são mutáveis. Eles mudam. Eu acho que a gente não poderia fazer um disco novo até que nossos relacionamentos estivessem saudáveis novamente.
Chegou um momento em que a gente pensou que estivesse chegando cada vez mais perto de um método de trabalho ainda melhor. Parte disso tem a ver comigo e Kris fazendo sempre o máximo que a gente podia, e exagerando nas composições, aí Dennis chegava e falava “Bem, talvez a gente poderia não fazer tudo isso, de repente seria legal parar por aqui”.
E aí a gente entendia e falava, “ok, vamos fazer isso então”.
TMDQA!: Quais foram as maiores dificuldades e o que vocês aprenderam com os erros do passado que culminaram na separação da banda para fazer com que esse retorno desse certo?
David: Aprender a dar espaço para os outros. Todo mundo estava tentando bloquear o espaço de todo mundo nos anos 90.
Dennis: Eu acho que nos anos 90 todo mundo na banda queria ser o líder da banda.
David: Talvez não o líder da banda, mas todo mundo queria ser o chefe, o que você pode fazer a partir de qualquer posição na banda, mas fica esquisito quando todos na banda estão tentando fazer.
Dennis: E uma coisa que a gente também aprendeu foi, tipo, o Refused como uma entidade é maior do que nós somos como indivíduos. Eu acho que para a arte ser o mais forte possível, você tem que passar por cima do ego e pensar “Ok, o que podemos fazer juntos para que seja o melhor possível?”
Nos anos 90 eu escrevia algumas letras e o David falava que não estava bom, então eu falava “Vá se foder!”. Agora quando David fala “Cara, eu tenho uma ideia melhor”, eu entendo que é uma ideia melhor e aceito, e às vezes eu respondo falando que é uma ideia terrível, mas tudo se resume a trabalhar juntos e fazer com que a arte seja o mais poderosa possível.
TMDQA!: Já que você está falando sobre arte ser o mais poderosa possível, estamos passando por um período bastante complexo no mundo todo. Há a crise de refugiados na Europa e Donald Trump tem ideias conservadoras que são péssimas para as minorias. No Brasil estamos no meio de uma enorme crise política. Como vocês acham que a arte pode funcionar em períodos assim?
David: É estranho, você nunca sabe. A arte pode significar muito, e pode significar muito para você. Mas o período em que vivemos dita a posição que ela terá, então você como artista pode não ter tanto poder para fazer alguma coisa. Nos últimos anos os canais pelos quais nos comunicamos mudaram muito, então é um período bastante estranho para todo mundo.
Para uma banda como a nossa, eu vejo a Europa, especialmente a Europa, piorando muito. Nunca tivemos um movimento pelos Direitos Civis por lá, e nós temos muitos imigrantes, e eventualmente a gente terá um, e quanto mais demorar para que isso aconteça, mais sangrento e brutal será o processo.
Para nós é assustador, mas também é algo sobre o qual você pensa bastante, lê bastante e quer escrever bastante a respeito. Nos salva de entrar em estúdio e ficar pensando “Hmmm, sobre o que deveríamos compor agora?”
Há muita coisa acontecendo, poderíamos falar sobre muita coisa. Só Putin (presidente da Rússia) renderia um disco inteiro.
TMDQA!: Pois é! Há muito a ser falado, e ao mesmo tempo não há tantas bandas políticas falando a respeito. Nem mesmo bandas que não são políticas, mas poderiam abordar o assunto. Por que vocês acham que isso acontece?
David: Porque ninguém presta atenção.
Dennis: Eu acho que uma coisa boa que a arte pode fazer é educar as pessoas. Nos educou. Se a gente olhar para o nosso passado e de onde viemos, sem arte e música, não estaríamos aqui de maneira alguma.
Eu acho que isso é poderoso. Como David disse, é difícil ditar o que as pessoas irão absorver da música, especialmente porque a música se tornou algo tão… eu iria dizer que virou algo comum do dia a dia, mas ela sempre foi isso, então acho que a melhor descrição é que a música virou algo brando. Porque a música com a qual a gente cresceu, fosse punk rock ou heavy metal, era visceral e poderosa, e política. Não é mais assim. Esse festival (Riot Fest) é legal, mas há tipo, 5 bandas que falam sobre política por aqui.
Não era assim. Toda banda punk tinha uma agenda e um propósito, hoje não é mais assim. É meio que a cultura agora, então é complicado.
David: Qual era o propósito do Butthole Surfers? (risos)
Dennis: Eles não tinham um propósito.
David: Lamber bosta do chão!
Dennis: Bem, eu acho que era tipo causar desconforto com o caos, fazer as pessoas pensarem…
David: Sim, eu acho que eles foram uma das melhores bandas… uma das funções da arte é permitir que as pessoas canalizem algo que está lá escondido, algo que as pessoas não irão ver na superfície de cada um. Parte dos nossos shows é meio que ser catártico, fazer com que as pessoas percam o controle.
A gente também precisa disso. Quando eu toco bateria, quero perder o controle, não quero saber o que vou tocar e ser bacana. Eu quero perder a cabeça, porque preciso isso já que o mundo me deixa louco. Eu tenho problemas de ansiedade, eu odeio a humanidade boa parte do tempo, então…
TMDQA!: Falando nisso, vocês acabaram de lançar um clipe ao vivo para “Servants of Death” e eu concordo que um dos pontos fortes do Refused são os shows ao vivo. Vocês estão mais confiantes ao vivo? Como os shows ao vivo fizeram com que vocês chegassem à conclusão de que estavam tão bem como banda que deveriam voltar, excursionar e gravar?
David: Todo mundo tem mais experiência agora. Eu e Dennis tocamos em bandas todo esse tempo, acho que o Kris não tocou, mas ele passou o tempo todo ouvindo e aprendendo em sua cabeça. Então, eu acho que o que aconteceu, especialmente para mim e Dennis é que viemos de outras bandas, e na reunião quando nos juntamos novamente com o Refused, percebemos que todos aqueles outros grupos tinham qualidades, coisas ótimas, você não faria diferente, mas há algo diferente no Refused e você percebe que pode trabalhar com isso.
TMDQA!: E aproveitando o assunto, vocês estão trabalhando em um novo disco? Quais são os planos para o futuro?
Dennis: A gente fez 110 shows com Freedom, então é hora de dar um tempo, mas daremos um tempo justamente para compor novas músicas.
David tem suas músicas próprias, eu tenho uma banda chamado INVSN lançando um disco, Kris está fazendo óperas, ele virou diretor de óperas, Mattias está trabalhando em trilhas de filmes para filmes de Hollywood. Todo mundo está super ocupado e iremos dar um tempo no Refused, mas é apenas um tempo para compor antes de nos reagruparmos para gravar um novo disco.
TMDQA!: Vocês dois vinham tocando juntos no AC4 né?
Dennis: Sim, sim, sim.
TMDQA!: E há planos para a banda?
David: Não (risos), nenhum plano para o AC4 no futuro. A gente acabou com a banda! Eu acho que parte da energia dessa banda irá aparecer no próximo disco do Refused. Eu tenho escrito músicas bem rápidas, sinto falta desse estilo.
TMDQA!: E o The (International) Noise Conspiracy? Planos para o futuro?
Dennis: Sim, talvez. Eu amo essa banda, mas é tipo, eu estou no Refused e no INVSN, e o Inge (baixista) está no Against Me! agora. O Ludwig, baterista, está na maior banda de rock francesa que existe, o Indochine. Eles são tipo gigantescos, só tocam em arenas. A Sara, que tocava teclado, toca comigo em minha outra banda.
Então estamos todos ocupados mas, quem sabe, um dia desses. Eu não descarto essa possibilidade.
[td_block_video_youtube playlist_title=”” playlist_yt=”mUU1Qb0nZbU,SkYlCiSwYWA,XHLyDuAX7g8″ playlist_auto_play=”0″]
TMDQA!: Vamos falar sobre o Brasil! Quando diabos vocês vão tocar por lá?
Dennis: Eu iria amanhã! Não sou eu quem decido (risos). Eu adoraria.
David: É complicado nos dias de hoje, porque a gente nunca faz mais que duas semanas seguidas de turnê, aí a gente tira um mês de folga… mas… assim. Eu concordo que a gente tem que ir pra tocar por duas semanas na América do Sul.
Dennis: Produtores de shows que estejam lendo essa entrevista: a gente adoraria ir para a América do Sul. Para ser honesto, nós tivemos uma oferta para ir em Dezembro do ano passado, mas tínhamos algum outro compromisso então a gente disse que faria em outro momento. Mas eu acho que todo mundo na banda que ir até lá.
TMDQA!: Sabe o que é engraçado? No último Primeiro de Abril, esse ano, alguém espalhou um boato de que vocês excursionariam pelo Brasil com o Deftones, porque vocês excursionaram com eles aqui nos EUA.
Dennis: Que maldade para se fazer uma piada de primeiro de Abril (risos)!
TMDQA!: Pois é! A gente acha que não se brinca com artistas mortos e nem turnês e show no primeiro de Abril!
David: Exatamente.
Dennis: Bem, eu adoraria ir e parabenizá-los pelo Ouro nas Olimpíadas [do futebol].
TMDQA!: Ah, obrigado! Tivemos Olimpíadas excelentes. Todo mundo estava com medo de que coisas ruins aconteceriam, mas foi bastante positivo.
David: Sim! Eu li verdadeiras histórias de terror antes das Olimpíadas.
TMDQA!: Mas foi tudo muito bem! Nossa última pergunta: vocês têm mais discos que amigos?
David: Sim, mas não por muito. Não onde eu moro agora.
Dennis: Ele acabou de se mudar e não levou muitos discos.
TMDQA!: Onde você mora agora?
David: Em Los Angeles.
Dennis: Eu tenho mais discos que amigos. Mas eu também tenho mais discos que a maioria das pessoas, então.
TMDQA!: Discos físicos? LPs?
Dennis: Sim, eu acho que tenho 10 mil discos. Então…
TMDQA!: Wow, eu tinha 500 quando comecei o site e já achava muito!
Dennis: (Risos) Pois é, mas eu tenho 5 mil amigos no Facebook, o que obviamente não retrata a verdade, tem muita gente aleatória, mas ainda assim eu tenho mais discos que amigos.
TMDQA!: Maravilha! Muito obrigado pela entrevista, nós adoramos.
Dennis: Obrigado! Foi ótimo.
David: Muito obrigado!