Por Nathália Pandeló Corrêa
A voz é familiar, mas há algo de diferente. Tom Chaplin retorna com seu disco The Wave, porém sem o restante do Keane. O álbum, lançado digitalmente em outubro pela Universal Music, chega às lojas brasileiras em janeiro mostrando uma voz já conhecida do público.
O que mudou é o narrador: Tom assume pela primeira vez as composições que canta. É uma nova dinâmica para a voz tão associada ao Keane, mas que até o momento só cantava as canções de Tim Rice-Oxley. Ele é o pianista e responsável pelas músicas que levariam a banda a lançar cinco discos nº 1 nas paradas.
Agora, Tom Chaplin exerce a total liberdade criativa das próprias músicas. Só ele poderia contar essa história de queda e ressurreição que se tornou sinônimo do álbum, composto em meio à recuperação química.
Se o disco nasceu desse turbilhão de emoções, é na calmaria que ele se revela. O vício é apenas parte dessa jornada, que começa em meio à tempestade, quase que literalmente. É o que conta o próprio Tom, que conversou por telefone com o Tenho Mais Discos Que Amigos sobre esse novo trabalho, a entrega pessoal e a possibilidade de shows no Brasil.
Confira abaixo:
TMDQA!: Oi Tom, como você está?
Tom: Oi, estou muito bem! Mas nessa época de festas fica muito frio aqui no Reino Unido e eu fico gripando toda hora! Tirando isso, estou ótimo!
TMDQA!: Acho que vou mandar um pouco do calor do Brasil pra você, então. Já estamos em clima de verão por aqui.
Tom: Olha, não seria mal tirar umas férias aí no Brasil.
TMDQA!: Vou te perguntar sobre isso, mas não tem a ver com férias, não. Queremos te ver aqui trabalhando!
Tom: (Risos) Está bom também!
TMDQA!: Mas antes queria falar sobre o disco. Tenho ouvido bastante e apesar de saber que há algo de muito belo nele, também existe um peso, não é? Você já tinha essa intenção de se debruçar sobre as canções, se entregar, mostrando seus defeitos e tudo?
Tom: Sim, com certeza. Quer dizer, todas as minhas músicas favoritas da vida são assim, cheias de alma, de entrega. Esses dias estava pensando em algumas coisas que me influenciaram pra esse trabalho e lembrei do primeiro disco solo do John Lennon, que é muito cru, muito pessoal, num momento que o John estava fazendo terapia. E eu estava em um momento similar. Claro que não me comparo ao John Lennon, mas tinha essa similaridade do momento de vida. Então comecei daí, de querer estar bem e refletir sobre a vida de um jeito honesto. E apesar de partir de um contexto bem pesado, que fala de vício e de relacionamentos se quebrando e se curando nesse processo, por outro lado eu vejo como uma história de sobrevivência. Agora, já tendo passado por essa experiência, eu saí como uma pessoa mais forte. Espero que tenha conseguido refletir um pouco disso no disco.
TMDQA!: Dá pra dizer muito sobre as letras, o significado delas e a relação com o momento que você estava passando na época. Mas apesar de citar coisas como areia movediça, você volta sempre ao elemento da água – por exemplo, no título do disco, The River, Bring the rain… Parece que você está se limpando, começando do zero. Faz sentido isso?
Tom: Com certeza. A água, como você falou, é a metáfora maior do álbum. Porque ela fala de rejuvenescimento, de começar de novo. Por exemplo, “Bring the rain” eu escrevi num estúdio na zona rural, no fim de um verão muito quente. Lá fora estava se formando uma tempestade e eu pensei em como isso refletia o momento que eu havia passado. É como se eu tivesse sido destruído por uma grande chuva e me regenerado. Então essa mesma metáfora aparece em outras músicas ao longo do disco. E em “The River”, a água reflete essa passagem do tempo e também faz uma conexão com um espelho, de se ver refletido e saber quem você é. Então eu vejo como uma forma de se deixar levar pela maré da vida e não resistir, deixar que me levem para onde quiserem.
TMDQA!: Agora você está lançando um disco depois de 20 anos com o Keane. Com tanta bagagem, tanta experiência, ainda dá pra sentir um friozinho na barriga por lançar um disco solo pela primeira vez?
Tom: (Risos) É bem assim mesmo, certamente! Eu me sinto como um adolescente fazendo música. Me lembra aquela época que eu tinha uns 15, 16 anos e estava começando a criar músicas, então sentava no quarto com um gravador de cassete – isso era bem alta tecnologia pra época, não tinha computador nem nada! E passava horas gravando músicas, fazendo demos, experimentando com sons e com produção. Mas com o Keane foi algo muito diferente. Foi enorme, me levou para todo o mundo e na maioria, tive experiências muito positivas. Mas essa minha parte criativa se perdeu um pouco ao longo do caminho, portanto os últimos dois anos foram sobre essa redescoberta de compor por conta própria. Então estou me sentindo como um jovem que tá começando uma nova carreira e acabou de conseguir o primeiro contrato numa gravadora! (Risos) Sem falar que agora eu me sinto muito melhor, estando limpo pela primeira vez em muitos anos. Então estou com muito mais energia e curtindo muito mais tudo que tenho feito.
TMDQA!: Apesar de ser um disco bem pessoal, não acho que seja apenas sobre sua batalha com o vício, sobre o que você vem falando bastante abertamente. Só que num nível mais profundo, as letras são mesmo sobre se libertar, sobre estar presente pra quem se ama. Nesse sentido, você acha que as músicas são fáceis de se relacionar para pessoas que passam por qualquer momento de dificuldade?
Tom: Bom, espero que sim. Pelo menos essa é a experiência que eu tenho tido até agora. As pessoas me mandam mensagens nas minhas redes sociais e eu sinto que é isso, elas estão se reconhecendo ali. De certa forma, o plano de fundo é sim o vício, mas é principalmente sobre sobreviver. E como você mesma disse, de estar presente para quem ama você e para quem você ama. Depois das primeiras músicas, que são mais pesadas, o disco entra num clima muito mais dessa jornada, de sobreviver a esse lugar obscuro onde muitas pessoas vivem, seja com vício, depressão, problemas de saúde mental.
TMDQA!: Você já falou sobre a doçura da sua voz, das músicas do Keane e que às vezes as pessoas têm uma impressão errada sobre você, de que você seria tão angelical quanto. Mas que, na verdade, tem um lado mais sombrio também. Você acha que esse disco te ajudou a deixar isso mais claro, de colocar à mostra essa parte de você?
Tom: É que eu tinha medo de mostrar esse meu lado, para qualquer pessoa. Eu estava lidando com um vício que me desabilitava, então entrei em terapia e vi que falar sobre isso ajudava. Assim que comecei a compartilhar os meus problemas, vi que eles não pareciam mais tão fortes e grandes. Eles não pareciam assustadores ou mesmo esquisitos. Então é uma forma de me abrir e compartilhar com as pessoas. Aliás, se há algo que eu gostaria que ficasse com as pessoas após ouvirem esse disco, é isso: falem sobre seus problemas, não tenham medo porque isso realmente ajuda.
TMDQA!: Você já está fazendo shows com o repertório do disco, já tem apresentações com ingressos esgotados. Como é encarar uma plateia cheia e cantar canções tão pessoais?
Tom: Eu fiz apenas uma pequena turnê pelo Reino Unido. Estava muito ansioso para saber como seria, porque é isso que você disse, são canções muito íntimas e que acabam sendo colocadas num contexto muito cru, você ali no palco com tantas pessoas. Mas agora tem algo bem diferente, que é poder cantar com total autonomia, porque pela primeira vez as canções são minhas. O outro lado é falar com o público e pegar o feedback das pessoas. Há algo muito mágico nisso. Porque eu não subo no palco com uma postura de astro do rock, esperando que eu cante e eles ouçam. É muito mais uma troca, conversamos muito durante o show e sinto que as pessoas respondem a isso. Por enquanto, temos datas para Reino Unido, Europa e Estados Unidos ao longo do ano que vem.
TMDQA!: Eu vi o Keane quando vocês abriram para Maroon 5 no Rio. Foi muito intenso, assim como acredito que os seus shows solo sejam, porém de uma forma um pouco diferente. O que eu quero perguntar mesmo é o seguinte: o público brasileiro vai poder te ver ao vivo?
Tom: (Risos) Sim, essa é a pergunta que me fazem todos os dias nas minhas redes sociais! Posso dizer que quero, desesperadamente, voltar ao Brasil. Nós sabemos que temos uma base de fãs incrível na América Latina, recebo pedidos direto daí. A verdade é que precisamos fazer com que essa longa viagem faça sentido financeiramente, pois um artista solo tem uma outra dinâmica pra montar essas turnês. Mas de qualquer forma, eu preciso mobilizar uma equipe expressiva, pois é uma grande jornada. Recebo os recados, o pessoal coloca uma pequena pressão (risos).
TMDQA!: Mas é uma pressão com carinho, você sabe disso, né?
Tom: (Risos) Sem dúvida, sabemos disso!
TMDQA!: Bom, não sei se te contaram isso, mas o nome do nosso site é Tenho Mais Discos Que Amigos. Tem muito a ver com o fato de a música que temos pela casa ser uma espécie de amigo querido, que nos consola de várias formas. Então pra você existe algum disco que possua e que seja querido, nesse sentido de estar com você nos melhores e piores momentos?
Tom: Olha, vamos dizer assim: se minha casa pegasse fogo, eu salvaria três discos: os do Nick Drake. Ele era um grande cantor inglês que teve uma vida curta e trágica, só lançou esses álbuns e não foi muito reconhecido em vida. Então acabam sendo raros, minha esposa garimpou todos pra mim, inclusive no eBay. Agora as pessoas já conhecem o trabalho dele, são canções lindas, mas continuam existindo poucos discos. Então me sinto muito orgulhoso por ter a guarda desses LPs, porque eles são muito valiosos. Outro dia estava ouvindo novamente o OK Computer, do Radiohead, que é maravilhoso. Se eu tivesse que ficar em uma ilha deserta, com certeza levaria ele. Mas deixe-me ver, o que mais… Ah, qualquer um dos Beatles, que são uma parte essencial das minhas influências musicais, desde sempre. Quer dizer, qual disco não incluir nessa lista? (Risos) É muito difícil escolher apenas alguns, são vários muito importantes pra mim.
TMDQA!: Verdade, difícil definir onde fica essa linha de corte!
Tom: Com certeza, não quero deixar nenhum de fora!