Entrevistas

"Acho que o Brasil está grávido de outro": conversamos com a Amazônia Hollywood

Leia nossa entrevista exclusiva com Jonas Póvoa, mente brilhante por trás do projeto Amazônia Hollywood, com Tomás Magno.

Jonas Povoa (Amazônia Hollywood)

Amazônia Hollywood. Há algo de genial nesse nome que Jonas Póvoa escolheu para batizar seu novo projeto e apostar em rock and roll cheio de swing para falar desse nosso Brasilzão que parece cada vez mais ser guiado por um roteiro de cinema bizarro.

Há alguns dias a Amazônia Hollywood lançou seu primeiro single, “Boa Noite Brasil”, através de um lyric video com uma estética que remete às manchetes de jornal impresso, e chamou a atenção de todo mundo por aqui.

Conversamos com o cara sobre as influências que vão do Sex Pistols até Rita Lee, o rock nacional atual, e é claro, a política brasileira.

Leia logo abaixo e divirta-se!

 

TMDQA!: O projeto Amazônia Hollywood é novo, mas você tem um passado recente bacana na música. Poderia se apresentar para quem ainda não conhece Jonas Póvoa?

Jonas: Eu comecei a cantar e escrever letra de música com o Wah Wah Joe, em 2011. Era uma banda formada por dois primos meus, um amigo de infância deles e o meu irmão emprestado. Os shows eram uma loucura, eu berrava, me jogava no chão, rasgava minha roupa – tinha essa coisa meio Iggy Pop que o pessoal adorava. Muita história boa, a gente já foi até expulso de cima de um trio elétrico. Gravamos umas dez músicas que eu adoro e que estão na internet. Eu já vivia desde 2006 sonhando em cantar numa banda, já escrevia e fazia aula de canto. Tem três fatores importantes pro meu começo na música: o filme do Cazuza, em 2004; ouvir o Sgt Pepper’s pela primeira vez, em 2006; e as três horas que eu passava dentro do ônibus no trajeto Niterói – Praia Vermelha, quando fazia Publicidade na UFRJ (e quando ia à aula). Nessa época, descobri muita música, li muita biografia de artista e comprava a Rolling Stone todo mês.

TMDQA!: O primeiro single do projeto, “Boa Noite Brasil”, fala sobre o momento difícil pelo qual estamos passando, e ganhou um lyric video sensacional para acompanhar. Como você pensou em compor uma canção a respeito disso tendo em mente o objetivo de se desviar dos clichês das canções de protesto? Como a crise política e social mundial também acabou te influenciando nesse trabalho?

Jonas: Eu nunca vou esquecer a imagem do momento exato em que o povo venceu os policiais e tomou as escadarias e as rampas da ALERJ, em 2013, num dos primeiros protestos que eu vejo como o início desse novo período da história do Brasil. Eu tava lá e aquilo pareceu um quadro do Delacroix em movimento. A vontade de escrever “Boa Noite Brasil” nasceu do meu assombro diante da beleza plástica e simbólica dessa cena. Talvez o Brasil já tenha acabado ou, quem sabe, o Brasil de fato ainda nem tenha começado. “Boa Noite Brasil” foi uma forma de matar em mim essa vontade que todo brasileiro às vezes tem de acabar com o Brasil. É uma vontade de começar de novo. Pra não soar panfletário, eu optei por escrever uma letra leve que parte dessa fantasia do sol parado, como um mito do dilúvio às avessas. A minha parte preferida é “Todo mundo ri no país mais feliz do planeta, mas a conta não fecha.”

TMDQA!: Teori Zavascki, ministro do STF relator da Lava Jato, acabou de falecer. Ainda é cedo demais para pensar no que irá acontecer, mas estão falando até que Temer indicará seu sucessor. Outra possibilidade é que a presidente do STF redistribua as ações, como as da Lava Jato, para outro ministros em caráter de exceção. O que você acha disso tudo? Que tipo de temor você tem a partir de tentativas de acabar com a Lava Jato como aconteceu no bizarríssimo “pacote anti corrupção”? Acha que chegamos em um ponto que, mesmo que eles lá em cima tentem, o povo vai ficar em cima?

Jonas: Eu não reconheço esse governo e quero eleições diretas antecipadas. É grotesca a hipótese do Temer indicar o relator de uma operação que cita o seu nome 43 vezes. Mas, como Hollywood está ficando precária diante da nossa realidade, tudo pode acontecer. De qualquer forma, eu acho mais útil essa convulsão à calmaria forjada. Os conflitos têm que ser vividos para serem ultrapassados. Países de Primeiro Mundo já se reconstruíram diversas vezes, agora é a nossa. Eu sou otimista, acho que o Brasil está grávido de outro. Agora, eu tenho medo de quem está com os dedos nos botões detonadores. Eu falo da grande mídia. Foi um desumano massacre psicológico o que fizeram com a gente pra conquistar o apoio ao impeachment. Foi uma neurotização coletiva, uma inflação do ódio. Nossas emoções são suscetíveis à guerra da informação, praticada por quem não se responsabiliza pela nossa saúde mental.

TMDQA!: O lyric video tem uma estética bem legal baseada em manchetes de jornais. Quem é o responsável pelo trabalho e como foi que você surgiu com essa ideia?

Jonas: Eu tive a ideia da estética do jornal a partir da capa do God Save The Queen, do Sex Pistols. Quem concebeu o lyric video foi o Thales Magno, um designer e videomaker incrível, que deu ritmo e contundência ao vídeo, um trabalho sofisticado que está sendo crucial pro sucesso da música.

TMDQA!: Por falar em estética, a do Amazônia Hollywood é bastante impactante. Claramente sua preocupação com ela é tão grande quanto a preocupação com a música. Que influências você absorveu e que ideias quis colocar em prática ao pensar na imagem do projeto?

Jonas: Eu sou mais imagem do que música. Não é à toa que me formei em Publicidade pra virar cantor (risos). Pra essa imagem eu pensei no Bowie, no Charada e no País das Maravilhas. Eu sempre penso no Bowie. Eu comprei a jaqueta que aparece na foto na Feira de Antiguidades da Praça XV, seis dias depois que o Bowie morreu. A jaqueta é dos anos 70 e pertenceu a alguém que terminou seus dias no Retiro dos Artistas. É a cara do Cauby Peixoto! Que aliás é meu conterrâneo de Niterói. Eu e a moça que me vendeu a jaqueta nos emocionamos falando sobre o Blackstar, o golpe de misericórdia do Bowie, e nos abraçamos como estranhos momentaneamente íntimos. Depois, eu levei a jaqueta pra minha Tia Lúcia imitar o corte da que Mick Jagger usou no show de Copacabana, em 2006 (eu fui!). A qualidade do trabalho é fruto da direção artística da elegantíssima Constança Scofield, uma super parceira minha, que é uma inspiração em muitos aspectos e que me preparou durante três anos pra essa estreia. A Constança é uma figura fundamental na minha carreira. Foi ela que montou esse figurino, que dirigiu o ensaio fotográfico com o estelar Daryan Dornelles e que orientou a direção de arte das peças gráficas. Pra resumir, porque ela me levou até pra yoga.

TMDQA!: Seu primeiro single tem um time de instrumentistas de primeira: Diogo Strausz (Alice Caymmi, Sound Bullet), Alan Lopes (Medulla, Planar) e Patrick Laplan (Los Hermanos, Blitz) gravaram baixo, guitarra e bateria, respectivamente. ELes serão a sua banda oficial? Como surgiu a aproximação e qual é a participação deles na composição e gravação do EP?

Jonas: Tudo começa com o Tomás Magno (Detonautas, Pessoal da Nasa, Sabonetes), que produziu e mixou o EP. Tomás é mestre em fazer rock pra pista, une uma elegância reta meio Manchester e um swing solar totalmente Brasil. Eu conheci o trabalho dele com a Banda Tereza. Eu vi os meninos da Tereza tocando na escola, eles eram um pouco mais novos do que eu. Quando ouvi o Onça, o EP de 2011, pensei “opa, alguma coisa aconteceu.” Descobri quem era o Tomás, consegui o telefone dele e liguei (pra um cara que eu nunca tinha visto na vida) propondo que ele formasse uma banda pra compor e gravar músicas que eu colocaria letra e melodia. Brinquei que seria uma mistura de Saramandaia com Gotham City. Ele topou e foi o responsável por unir e dirigir esse time tão especial. Vale destacar que a Amazônia Hollywood não é uma banda fixa, é um projeto e um universo meu e do Tomás.

TMDQA!: A sua sonoridade parece ser bastante inspirada no rock nacional dos anos 80 e os sons foram gravados no lendário estúdio Toca do Bandido, importantíssimo para a música brasileira. Qual é a sua relação com o nosso rock nacional e como você enxerga essa nova cena? Estamos passando por um dos melhores períodos da história no underground e ainda parece que falta pular para o mainstream.

Jonas: Minha relação com o rock nacional é umbilical. Eu comecei com Rita Lee muito novinho e os anos 80 são o meu folclore. Barão, Blitz, Gang 90 & Absurdettes, Lobão, Marina, Angela Ro Ro, Lulu, Legião… Outro dia, eu cantei acompanhado pelo Arnaldo Brandão no violão e fiquei emocionado. O Arnaldo é coautor de “O Tempo Não Para”, com o Cazuza, e de “Rádio Blá”, com Lobão e Tavinho Paes. Eu tive uma noite especial com Tavinho e Arnaldo. O Arnaldo chorou me contando do telefonema do Cazuza pra cantar o que ele tinha escrito pra “O Tempo Não Para” e Tavinho cantou no pé do meu ouvido a música da She-Ra (foi ele que escreveu!), como se fosse o Leonard Cohen.
A Toca do Bandido, o selo Toca Discos e todo o movimento que o Felipe Rodarte e a Constança Scofield promovem é importantíssimo. Eles têm uma atenção, um entusiasmo e uma generosidade muito bonita com os novos nomes. É impressionante como eles transformam os artistas que saem dali. Pessoal da NASA, Folks, Drenna, Ventre, Stereophant… Eles são foda! Sobre o pulo do underground para o mainstream, eu estudava no Parque Lage e falava pros meus amigos artistas que queria ser cantor pop e fazer sucesso e eles ficavam malucos! Eles gostavam mesmo é do tal do “fragmento”, daquela coisa bem “contemporânea” que ninguém entende nada! Eu pegava uma folha de caderno toda rabiscada e fazia o maior sucesso! (risos)