Entrevista por Nathália Pandeló Corrêa
Foto por Caroline Bittencourt / Facebook do artista
Criolo não tem medo de se reinventar. Menino prodígio do rap, começou a se apresentar ainda na adolescência e, nos últimos anos, foi alçado ao reconhecimento nacional e internacional, muito por conta de seu elogiado álbum Nó na orelha, onde explicitou suas referências de MPB e soul, entre outras. Nesse meio tempo, deixou de ser o Criolo Doido e se associou a projetos inusitados para um nome do rap, como foi o caso da turnê e disco “Viva Tim Maia!”, ao lado de Ivete Sangalo.
Após o bem recebido Convoque Seu Buda, o artista regravou seu álbum Ainda Há Tempo, lançado originalmente em 2006. Dez anos depois, algumas letras foram alteradas para a nova gravação – destaque para “Vasilhame”, que trocou o “traveco” de um dos versos em respeito à comunidade trans. Essa faixa, com produção de Tropkillaz, um dos nomes quentes na nova geração de beatmakers, é apenas um dos exemplos da sonoridade repaginada do álbum.
E Criolo encerrou 2016 como um dos nomes na coletânea Se assoprar posso acender de novo, CD e DVD que reúnem nomes como Ney Matogrosso e Liniker apresentando canções inéditas de Adoniran Barbosa.
Agora, ele se prepara para subir novamente ao palco do Lollalpalooza Brasil, que acontece em São Paulo em 25 e 26 de março. Criolo conversou com o Tenho Mais Discos Que Amigos sobre os trabalhos mais recentes, o show no Lolla e o cenário rap nacional. Confira abaixo!
TMDQA!: O seu último disco na verdade foi um relançamento, com algumas letras que você optou por alterar. Apesar de ser originalmente de 2006, algumas delas chamam atenção por terem uma relação clara com o que passamos hoje, como por exemplo “Chuva Ácida”. Como foi pra você revisitar esse trabalho depois de tanto tempo? Esse processo de recriação mudou o modo você pensa suas novas composições, daqui pra frente?
Criolo: Não sei se vai chegar a isso. Esse relançamento foi mais uma celebração de um caminho, de 10 anos. Sem falar que até chegar nesse ponto, em 2006, já eram 4 anos trabalhando esse disco. A ideia era só um show, eu e Dan Dan [MC que o acompanha nos palcos] sempre falamos de fazer alguma coisa quando esse disco chegasse a uma década, pra não passar em branco. Mas todos com que a gente comentava dessa ideia adoravam, e aí foi ganhando força, graças a todo mundo que se envolveu nesse projeto. E aí foi somando convidados, produtores, todo mundo celebrando.
TMDQA!: Um dos seus lançamentos mais recentes foi a versão de Até Amanhã, no disco que homenageia Adoniran Barbosa.
[Começa a cantar] Até amanhã, durma bem, até amanhã!
TMDQA!: Nossa, só de começar já toca a música toda na cabeça, ela gruda! (Risos) Mas é uma pegada diferente do que você geralmente faz no seu trabalho autoral. Você tem conseguido trilhar bem essas duas vertentes, como vimos no “Viva Tim Maia!”.
Criolo: Ah, mas isso tudo aí é música brasileira. Eu sempre ouvia minha mãe ouvindo essas coisas. O pessoal acha que só porque o cara é do rap que não ouve outros ritmos, que não curte o samba, o rock, e isso não é verdade.
TMDQA!: Pois é, mas de uns tempos pra cá a gente vê nomes que antes eram restritos a essa cena ganharem espaço e projeção até no meio mais tradicional do que é entendido como “Música Popular Brasileira”. Será que isso não marca uma mudança na percepção do que é o artista de rap?
Criolo: Olha, só pra quem não vive o rap. Porque do olhar de quem vive o rap, isso sempre foi uma realidade. Pra nós isso é muito natural. O produtor pesquisa músicas do Brasil todo e de fora também. Tem muita riqueza de pesquisa musical nesse meio. Vou te falar, eu morava num lugar que eram cinco, seis barracos, tudo junto. Ali a gente ouvia até o que não queria ouvir (risos). Essa pelo menos foi a minha realidade. Tinha vizinho com o radinho ligado ouvindo suas músicas lá da Bahia, do sul, de São Paulo, do interior não sei de onde. E é assim, você já cresce nessa pluralidade.
TMDQA!: Mas falando da parte menos otimista: a gente tem caminhado para uma polarização política e social muito forte, e não apenas no Brasil. Como o rap sempre foi uma linguagem muito questionadora, você acha que existe um papel importante pra ele na resistência a isso tudo?
Criolo: Mas o rap é assim desde que ele nasceu. Não precisou ninguém dar esse papel pra ele, foi natural. Ele já nasceu dividindo inquietações, propondo diálogos. E essa polarização sempre existiu, só que agora, com esse fenômeno da comunicação e da tecnologia, o que acontece é que se encurtam as distâncias das histórias. O rap se alimenta das coisas em que acredita, as boas e as ruins.
TMDQA!: Ainda nesse aspecto mais político do discurso, o graffiti é uma cultura por si só, mas integra o universo do hip hop. O que você tem pensado sobre o debate que tem acontecido sobre essa forma de arte, principalmente com o que tem ocorrido em São Paulo?
Criolo: Isso aí é história antiga. Todo jovem que se expressa é visto de forma diferente. Imagine então aquele que deixa na parede as suas ideias. Isso é muito forte. Mas o que vale é questionar que ambiente vamos criar para uma nova geração que vive nesse momento em que ninguém pode se expressar dessa forma. O que vai reverberar daqui a cinco, até três anos pra esses jovens. Porque antigamente você sentia as mudanças num espaço de tempo maior, agora essa mudança de percepção é muito mais imediata. Mas eu acho de uma beleza e de uma importância tão gigante, é ter coragem de ser expressar, isso é maravilhoso. Mas o que a cidade te dá em troca, sabe? O que você ganha como cidadão? Qual é o seu retorno?
TMDQA!: Falando em retornos e mudando de assunto: você já é um veterano do Lollapalooza, mas acredito que hoje volte com uma outra perspectiva, até porque você e o festival chegam em 2017 com uma bagagem bem mais expressiva. Como você acha que vai ser essa volta? Está empolgado?
Criolo: Nossa, demais! Não vejo a hora de chegar esse dia, tanto aqui quanto em Buenos Aires.
TMDQA!: Exatamente, depois do Lollapalooza Brasil, você vai tocar na edição argentina. Alguma coisa especial planejada pros hermanos?
Criolo: A gente vai chegar lá com a melhor energia possível, dentro de um ambiente mágico que se cria, que é o que acontece quando se sobe no palco. Ele é a soma da energia de quem tá ali construindo aquela coisa, aquelas pessoas que ali vão. A gente vai devolver esse calor.
TMDQA!: Falando em turnê, você está sempre se apresentando em eventos que reúnem nomes já tradicionais da cultura rap e hip hop nacional. Nessas suas andanças Brasil afora, tem algum novo nome dessa cena que tem te chamado atenção? O que tem de mais promissor por aí e que vale ouvir?
Criolo: Nossa, é muita gente, não sei nem por onde começar. Todos são especiais. Lá no sul, você tem o Nitro Di, o Rafuagi, em Porto Alegre. No Rio um monte de MC bom, na Bahia há uma cena gigante. Fortaleza, então, Ave Maria! Brasília tem um celeiro, há batalhas em todo o Brasil. Há muitos novos nomes bons.
TMDQA!: Bem, fazendo jus ao nome do site, a gente vê a música como essa companhia sempre presente, nos bons e maus momentos. Você tem algum disco em casa que representa isso pra você, que tem te acompanhado desde sempre?
Criolo: Ah, não quero lembrar de quando eu tô pra baixo, não (risos). Vamos falar do que me deixa feliz. Eu descobri umas coleções de música jamaicana, foi até uma dica que peguei com o Ganja [Daniel Ganjaman, produtor] porque comecei a pesquisar um pouquinho. Falei com ele, “Ganja, o que você me recomenda pra começar a conhecer?” e ele me falou “Escuta essas coletâneas, são uma ótima forma de começar a descobrir o que você gosta e o que não gosta”, e é isso que eu tenho feito. Também ouço muita música nossa, música brasileira. Acho o “Bahia Fantástica”, do Rodrigo Campos, uma coisa incrível. O Arthur Verocai, tanto com o disco que ele acabou de lançar quando com o anterior, ouço sempre. O meu disco do “Clube da Esquina” vai furar, com certeza vai furar! Eu sou louco com o vinil, é uma coisa diferente, sabe? Eu tenho poucos, mas os que tenho são muito preciosos. Tenho uma caixa de registros ao vivo da Elis Regina. E não posso deixar de falar do catálogo da Sterns, que desde 1983, tá aí divulgando a música africana, que é muito rica [desde 2012, o selo lança os álbuns de Criolo na Inglaterra, inclusive em LP]. Não deixa de procurar, é maravilhoso. Quando eu lancei meu primeiro vinil, peguei ele na mão, foi uma emoção indescritível. Ah, vinil é vida, vinil é vida!
https://www.youtube.com/watch?v=uCzDTmdtelE
Lollapalooza Brasil
Criolo será uma das atrações do primeiro dia de Lollapalooza Brasil 2017, em 25 de Março no Autódromo de Interlagos.
Ele se apresenta ao lado de nomes como Metallica, The XX, Rancid, Glass Animals, Suricato, Jaloo, BaianaSystem e mais.
Você ainda pode encontrar ingressos para o Lollapalooza Brasil 2017.