Faixa Título entrevista The xx: "As pessoas acham que somos depressivos. Não somos"

Em entrevista confessional e espirituosa, Oliver Sim, baixista e vocalista do The xx, reflete sobre o passado, o presente e o futuro do trio londrino.

The XX no Lollapalooza Brasil 2017
The XX no Lollapalooza Brasil 2017. Foto por Breno Galtier e MRoss.

Numa tarde morna do outono paulistano, três dias depois de fazer um emocionante show no Lollapalooza Brasil, o The xx recebeu diversos veículos da imprensa brasileira para entrevistas para divulgar I See You, terceiro álbum do trio londrino, lançado em janeiro.

Divididos em cantos distintos de um restaurante nos Jardins, ao lado do hotel onde a banda se hospedava, Romy Croft, Jamie xx e Oliver Sim vestiam roupas escuras como de costume, falando sempre de forma sutil e sussurrada, quase como se sentissem constrangidos em conversar com desconhecidos.

O eleito para conversar com o Faixa Título foi Oliver, dono da voz grave – incompatível com a própria figura – que complementa os vocais dramáticos de Romy, ambos impulsionados pelos beats frequentemente geniais de Jamie. Sorte? Talvez. Oliver é o mais falante do trio, e entre pausas para um cigarro ou outro, sempre vestindo um sobretudo preto, o baixista e vocalista se mostrou bem disposto a falar sobre o presente e o futuro do The xx, passando ainda pela relação dele com os trabalhos anteriores da banda (xx, de 2009, e Coexist, de 2012) e pela impressão recorrente de que os três são pessoas tão melancólicas quanto a música que fazem. Leia a conversa, reproduzida na íntegra, abaixo:

Faixa Título: Em primeiro lugar, parabéns pelo show no Lollapalooza. Foi um show ao mesmo tempo muito intenso, mas também muito delicado, realmente muito bonito. Vocês gostaram do show?

Oliver Sim: Foi o meu show favorito desde que voltamos a tocar juntos. Eu nunca vou esquecer aquele show, foi incrível para a gente. Tomara que as pessoas tenham percebido o quanto nós estávamos curtindo.

Sim, vocês pareciam bem felizes.

Sim, estávamos muito felizes. Mas também estávamos um pouco nervosos, porque esse foi um dos primeiros shows em festivais que fizemos desde que voltamos a tocar. Então subir ao palco e ver tanta gente… Além disso, somos de Londres, onde as plateias são um pouco mais quietas. Não estamos acostumados com tanta gente cantando junto, com tanta gente dançando, com tanta… energia. Eu nunca vou esquecer esse show.

As músicas do novo álbum soaram muito bem ao vivo…

Obrigado.

Vocês pensaram em como elas soariam ao vivo quando começaram a trabalhar no novo disco?

Sim. É difícil porque você tenta bloquear o resto do mundo [enquanto compõe novas músicas], mas é impossível não pensar nisso. Especialmente depois de vermos alguns DJ sets do Jamie, com tanta gente dançando. Eu e Romy nos sentíamos tipo… “Que inveja! Também queremos isso!”, então certamente queríamos levar para o show esses momentos que fizessem as pessoas dançar.

E nesse disco Jamie usou samples com muito mais frequência, certo? Como o uso desses samples afetou o processo de composição de vocês?

Sim, a participação dele foi maior do que nunca. As músicas dos dois primeiros álbuns eram muito centradas nas guitarras e nos baixos, mas agora é um processo muito mais colaborativo, abriu muitos caminhos para a gente. Tínhamos desistido de terminar “On Hold”, por exemplo, até que Jamie trouxe aquele sample [“I Can’t Go For That”, de Daryl Hall & John Oates]. Ela era uma balada, mas o sample ressuscitou a música e deu uma perspectiva completamente nova a ela. É uma música triste de amor, mas ao mesmo tempo é dançante, uma contradição que eu adoro.

I See You é um álbum muito intenso, repleto de composições que carregam questões muito pessoais para cada um de vocês. Um disco que fala da intimidade de vocês, mas que ainda assim se permite ser divertido, pra cima. E vocês parecem… não exatamente tímidos, mas…

Reservados.

Isso. Você se sente exposto, colocando tanto da sua vida pessoal nessas canções?

É… Eu gosto de compor. Às vezes, compor me ajuda. Às vezes é mais fácil botar meus sentimentos em uma canção do que falar abertamente sobre eles. E… Não vou mentir, momentos como este [da entrevista] são os mais difíceis para mim. Falar sobre as nossas músicas é a parte mais difícil pra mim. Quando escrevemos nossas músicas, tentamos com que as pessoas se conectem facilmente a elas. Não falamos “ele”, “ela”, não escrevemos sobre momentos ou lugares específicos, justamente por querer que as pessoas se conectem com nossas músicas de uma forma universal. Fazemos isso para que as nossas músicas as ajudem de alguma forma, nem que seja para esquecer os problemas delas. Eu tenho mais coragem de me abrir nas canções do que conversando com alguém.

Antes de gravar o novo álbum e começar a turnê atual, vocês três se distanciaram uns dos outros por um período. Em que momento vocês decidiram que era hora de retomar o trabalho juntos?

Na verdade, começamos [a pensar no novo álbum] logo após o fim da turnê do Coexist. Foi uma turnê muito longa, e que nos trouxe pela primeira vez à América do Sul. Acho que o nosso último show foi aqui, inclusive [Oliver se refere ao show do trio no Popload Festival, em São Paulo, em outubro de 2013]. Daí em diante, nos encontrávamos de vez em quando, quando era possível. Jamie estava ocupado sendo um superstar (risos), tocando como DJ em festas pelo mundo todo. Então esse processo começou, parou, recomeçou, parou… E acho que isso durou tempo demais. Eu não mudaria nada se pudesse, porque isso mudaria o resultado final, e tenho muito orgulho desse disco. Mas espero que as coisas aconteçam mais rapidamente no futuro, porque em alguns momentos [a demora] foi frustrante. Eu queria que as pessoas ouvissem o álbum novo, as músicas novas. E eu também sentia falta de tocar ao vivo. Eu amo estar no estúdio, compor novas ideias, mas eu amo tocar ao vivo e sentia falta disso. Então espero que no futuro a gente não demore tanto novamente.

Outra coisa que me chamou atenção no show de vocês foi como as canções mais antigas, especialmente as do primeiro disco, parecem ter “envelhecido” bem. Como se vocês as tivessem feito na semana passada.

Legal!

Você escuta aquele primeiro álbum de vez em quando? O que sente a respeito dele?

Eu não o ouço com frequência, mas quando ouço tenho a sensação de que éramos crianças (risos). E éramos, éramos adolescentes. Mas na época eu achava que eu era um adulto. E é sempre assim. Você faz 18 anos e pensa: “agora sou um adulto”. Aí você faz 22 e o discurso vira “eu era uma criança [com 18], agora sim sou um adulto”. Mas hoje [aos 26] olho pra quando tinha 22 e acho que eu ainda era uma criança. Então ouvir os álbuns anteriores é como reler diários antigos, ou algo do tipo. Eu gosto do primeiro álbum, ele me leva de volta àquela época, ao que eu sentia, mas… Gostei que você achou que ele “envelheceu bem”. Significa muito pra mim.

É raro ouvir um álbum de estreia com uma personalidade tão marcante, uma identidade tão forte. Algumas bandas demoram anos pra fazer algo assim.

Foi acidental, foi tudo um acidente. Não vou fingir que a gente sabia o que estava fazendo. Muita gente disse que o álbum era minimalista, que havia muito espaço dentro das canções, e a gente não fazia ideia de nada disso. Foi tudo por acaso. Eu e Romy não conseguíamos cantar muito alto, então não conseguíamos fazer nada grandioso. Ainda estávamos aprendendo a tocar nossos instrumentos, por isso era tudo tão simples.

A música de vocês sempre traz uma mensagem de amor, uma mensagem carinhosa. E o mundo hoje parece muito propenso ao ódio, à raiva. Como você se sente por fazer músicas tão cheias de sentimento quando o mundo parece destinado à autodestruição?

É engraçado. Nesse período de divulgação do álbum muita gente tem nos perguntado se cogitamos adotar algum tipo de discurso político no nosso trabalho, e eu admiro artistas que fazem isso. Mas para mim fazer música é uma espécie de fuga. Não necessariamente no sentido de fugir, é mais algo para me reconfortar. Há muita positividade nesse disco. Você não precisa fazer as pessoas se sentirem tristes com uma música triste, elas podem se sentir abraçadas, menos sozinhas. É isso que queremos oferecer às pessoas.

Mais cedo você falou na “contradição” do som de vocês, que é dançante enquanto é triste, vigoroso e delicado… Você vê esse tipo de contradição em vocês três, pessoalmente, também? 

Acho que sim. As pessoas acham que somos depressivos… Não somos. Nós três estamos aproveitando muito a vida, especialmente agora. Somos pessoas muito felizes e sorridentes hoje (risos). E isso vem de uma impressão que nós mesmos causamos no início, por parecermos tristes e melancólicos diante das câmeras. Na verdade só ficávamos extremamente tímidos nessas situações. Então é um grande engano achar que somos sempre tristes.

Te incomoda que as pessoas vejam vocês dessa maneira?

Um pouco. Talvez. É engraçado, porque é muito mais difícil escrever uma música feliz que uma música triste. Odeio separar esses sentimentos de uma forma tão “preto no branco”, mas acho muito mais difícil escrever uma música feliz. É difícil fazer com que uma música feliz não soe doce demais, cafona demais. É muito mais difícil compor se você estiver muito feliz, curtindo a vida, super apaixonado. Um coração partido te inspira a escrever melhor.