Este post é o terceiro post de uma série que a banda Labirinto fará no TMDQA enquanto viajam em turnê pela Europa durante o mês de maio e junho. A banda paulista de post-rock/metal instrumental fará 13 shows passando pela Alemanha, Bélgica, França, Portugal, Espanha, Itália, Romênia, República Checa e Eslováquia.
Leia aqui a primeira parte dos bastidores da turnê
É a terceira vez do grupo na Europa e eles irão contar os bastidores da viagem nesta série de quatro posts. Este foi escrito por Marcos Felinto, que entrou na banda temporariamente para substituir o guitarrista Luis Naressi durante a turnê.
Confusão? Vá e divirta-se!
23 de Maio, Dia 12 – Chegamos em Lisboa. Idiomas irmãos mas muito diferentes. Em relação a comunicação, Portugal foi o que mais apresentou cuidados com a língua, visto que aqui cú significa apenas bunda. Muriel e eu entramos no hostel e vimos uma garota pedindo sugestão de bar. O recepcionista lhe respondeu “se queres confusão, olhe aqui neste mapa”, apontou o dedo sobre um ponto no papel e disse “cá é um bom lugar para ter confusão, vá e divirta-se”. Muriel e eu rimos muito, quase que incontrolavelmente.
Tudo aqui é muito parecido com o Brasil, as grandes cidades sobretudo. Estávamos em um local que me parecia o Brás, mas uma versão turística. O turismo e a boemia são fortes, muito fortes, tocamos em uma região cheia de casas noturnas.
Ao chegar no Sabotage fomos recepcionados por Zé, o técnico de som. O espaço era pequeno, e palcos demasiadamente pequenos nos deixam confusos, pois as coisas ficam mais desorganizadas e criamos receios de pisar em algum cabo, tropeçar em algum outro membro da banda, bater com o braço da guitarra em algum lugar, mas deu tudo certo. A banda que dividiu a noite conosco foi Then They Flew. Som muito legal, e se dizem post rock, todavia tinham o pé muito fincado em sonoridades do indie noventista, uma distorção mais seca e paisagens um pouco mais cruas.
Subimos, e o que aconteceu foi a nossa apresentação mais maluca, de longe. É importante ter um técnico atencioso, e o Zé foi. No entanto, há uma difícil tarefa que eles devem fazer: levar um som de boa qualidade ao público e também ao artista. Proporcionar uma sonoridade que lhe facilite sentir sua própria música, como geralmente soam nos ensaios. As pessoas geralmente não pensam nisso quando vão assistir uma apresentação, mas às vezes o som do palco fica totalmente diferente daquele que o público escuta. Um bom técnico faz justamente a fusão e o equilíbrio entre o som direcionado para dentro e para fora do palco… O técnico é de certa forma um medium, um mágico que facilita a troca de frequências entre a banda e seus espectadores. Diria que isso chega inclusive no nível do humor, uma banda que no palco sente a sua música entrega melhores sensações para quem os assiste e passa a corresponder com o corpo aos sinais dos músicxs.
Nos perdemos bastante durante a performance e foi difícil a comunicação entre nós, no entanto ao acabar a apresentação o público estava super empolgado, lotaram a banca do merch e pediram muitos autógrafos, aliás, nada mais bizarro do que autografar algo. Enfim, o técnico nos ofereceu uma sonoridade, para dentro do palco e ofereceu outra para fora. O técnico era ótimo, mas para todos nós há dias e dias. Saímos rindo e no fim curtimos a experiência.
A primeira multa é de graça?
24 de Maio, Dia 13 – Três horas de viagem entre Lisboa e Porto, depois de fazer dois dias de estrada, com a carga de 10h cada, ficar 3h sentado ficou fácil, estado meditativo, observar o entorno, sentir o ar.
No geral estacionar um carro, ou uma van é algo extremamente difícil na Europa. Em Portugal levamos nossa primeira multa, mas estamos com um carro da República Tcheca e nos disseram que multas ganhas em Portugal nunca chegam até a República Tcheca, as autoridades simplesmente deixam passar por conta do esforço que essa emissão deve demandar.
Chegamos em Porto, lugar ensolarado, cidade fresca, ar bom e uma atmosfera de universidade tranquila. Tive impressão de que as pessoas se escutam bem, e possuem mente aberta. A cultura pop brasileira tem forte apelo aqui em Portugal. Em Lisboa via-se cartazes de Inês Brasil e no Porto soube que Portugal aprendeu sobre metal lendo a revista Brasileira Rock Brigade, que chegava aqui com quatro meses de atraso em relação ao seu lançamento no Brasil. Para além disso, a infância de muitxs aqui foi moldado por Xuxa, Roque Santeiro, Sítio do Pica Pau Amarelo e outros programas brasileiros.
Desta vez tinham espaço no palco e isso confirma a sensação de tensão ou relaxamento que descrevi sobre a apresentação de Lisboa. Carlos foi o técnico, tão bom quanto o francês, bateu o ouvido em tudo subiu o volume no máximo possível. Ele conseguiu trazer a sonoridade 5.1 que a banda procura. Passamos o som e fomos jantar numa hamburgueria vegana (total pride) chamada Black Mamba: Burger & Recordings. Dentro só tocava indie bom, tinham ótimos vinis e o cardápio apresentava nomes como Doom Burguer, Crust Burger e por aí vai. Melhor hambúrguer ever!
A noite começou Gossamers, projeto ambient do Ângelo, co-organizador do Amplifest. Música de camadas e texturas nostálgicas, seu som é sutil e profundo. Em seguida subimos com Labirinto, e considerando o dia que vivemos, os contatos e o clima da cidade digo que foi nosso melhor show, estávamos já carregados com algum entusiasmo trazido pelo dia na cidade.
Pela primeira vez pudemos nos dar o luxo de parar um tempo e conhecer um pouco mais as pessoas locais, alguns se sentaram na rua para ver o movimento e curtir a brisa. Erick, Muriel e Hristos se encaminharam para uma entrevista para a página Acordes de Quinta. Foi unânime entre nós o desejo de viver uma temporada em Porto. Cidade surpreendente.
Formos dormir tarde e nos preparar para 12 horas de estrada até Barcelona.
Banheiros só a cada 80 quilômetros
25 de Maio, Dia 14 – Em termos de caminhada, se você ou sua banda não são Chimbinha + Joelma e possuem um grande buso com seu nome gravado na lateral, se você não é o Iron Maiden e tem um vocalista piloto de avião ou a Beyoncé, que deve ter um disco voador com um luminoso holográfico reproduzindo seu nome com todas as cores que a pantone poderia oferecer, não possui um grande produtor mexendo paus para que você chegue em um lugar consuma-o e parta, sua tour pode ser muito mais interessante.
Não sei mais calcular quantas horas de estrada pegamos, mas sei que em um dos dias fizemos 1080 quilômetros em mais de 10 horas, conversamos com a estrada e nos viramos com o que era possível. O café da manhã é feito com o que é possível, lavamos talheres e copos descartáveis, além de, sempre que possível pegamos mais copos, mais guardanapos e talheres em paradas nos postos, que às vezes só aparecem entre intervalos de 80 quilômetros…Isso também implica dizer que as necessidades fisiológicas são atendidas a cada 80 quilômetros.
Não há fãs malucos, e sim gente que como você ou eu adoram música, possuem suas bandas e querem trocar algo. Não há roadie, embora um apoio extra seja muito importante caso sua banda possa ter. Se viaja por mais de horas entre um país e outro, para uma apresentação que dura no máximo 45 minutos. Mas a estrada e os contatos pagam por tudo isso!
Ainda não quero ser o Iron e nem Joelma, olhar no olho de quem te escuta de perto não tem preço.
Tanta bagunça que deu preguiça até na policia
26 de Maio, Dia 16 – Voltando para a Espanha fomos parados pela polícia em Saragoça, bem na frente de nosso destino, um Hotel 3 estrelas. Um dos caras tinha uma revólver 12 na mão. Pediu para abrirmos a vã e quando viu a bagunça dentro, se desiludiu e provavelmente pensou “PUTA BAGUNÇA, QUE PREGUIÇA DE PROCURAR POR NARCÓTICOS”. Olhou para a nossa cara de banda e acenou. “Ok podem ir”, entendendo que éramos uma banda mesmo.
Após 3 horas de viagem chegamos em um lugar que parecida com a regiões de galpões da Barra Funda, em São Paulo. O local onde tocamos é onde se iniciou recentemente um tipo ocupação para ações culturais. Há bastante empresas no entorno, pouco comércio e circulação, um local bastante diferente da ideia efervescente que se vende de Barcelona. BeGood era o nome do local onde nos apresentamos. Casa boa, cubo preto, um galpão escuro, com bom palco.
Assim que entramos o pessoal da banda Astralia já estavam preparando a passagem de som. Esta foi a primeira vez que usamos o backline de outra banda, isso facilitou o descarregamento da van. Também seria a primeira noite que tocaríamos em primeiro, o que nos liberaria para curtir um tanto mais o rolê. Este era um evento especial pois o pessoal da banda de Barcelona estava lançando seu novo álbum em vinil.
O Labirinto passou o som em seguida da Astralia e já nos primeiros minutos com o técnico da casa dava para sentir que faríamos uma ótima apresentação. Mais uma vez ressalto que os técnicos daqui, da Europa que percorremos, são os mais solícitos e interessados que já pude conhecer.
As pessoas foram chegando por volta de 20h30 e a casa foi enchendo bastante. Este foi o dia em que mais pessoas compareceram para nos ver. Subimos no palco por volta de 21h45 e fizemos uma boa apresentação, muita gente na frente, gritos entre as músicas, pés batendo (pois como em São Paulo, poucos bangueiam), alguns bangueando ou dando aquela pogada mais para dentro do corpo do que para fora. Quando acabamos, segundo um amigo que lá estava (não sou eu quem estou dizendo) me contou, as pessoas estavam extasiadas, procurando algum eixo para voltarem ao normal…
A Astralia entrou em seguida, muitos os esperavam. Apresentação bastante envolvente, diria que eles têm algo de Lycia, mas dentro do post metal. Um baixo muito marcante, denso liderando a estética da banda… Dedilhados harmônicos e nostálgicos, tudo era combinado de modo a criar uma atmosfera soturna e bonita. Somado ao som, a banda trabalhava com uma iluminação programada ou tocada muito, muito legal. Eles me apresentaram uma novidade também: foi a primeira vez que vi um projeto de post metal com apenas três integrantes, e ali, neste pequeno formato cumprem tudo e diria que entregam bastante ao público na verdade.
Cama, dormir e estrada. Agora a caminho da Itália!