Resenha: Fleet Foxes cria uma belíssima gama de sons em “Crack-Up”

Em novo álbum, Fleet Foxes aposta na subversividade e cria um álbum sonoramente impecável que reflete sobre as diversas situações de colapso do ser humano.

Fleet Foxes - Crack-Up

Seis anos se passaram entre os últimos dois álbuns lançados pelo Fleet Foxes. Para muitas bandas, esse é o período ideal para mergulhar em projetos paralelos — já para Robin Pecknold, o frontman do grupo, essa foi a hora perfeita para retornar aos estudos, dando início a uma graduação em Inglês na Columbia University, em Nova York.

E durante esse longo período longe dos palcos, o músico surgiu com uma série de novas músicas, que viriam a integrar o sucessor do grande Helplessness Blues, lançado pela banda em 2011. A primeira vez em que os fãs puderam entrar em contato com o novo material foi quando Pecknold decidiu embarcar numa turnê solo, abrindo os shows da sensacional Joanna Newsom no começo de 2016.

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Mas, sendo um pouco honesto, Pecknold não consegue se destacar por conta própria da mesma forma que o faz quando se junta com Skyler Skjelset, seu amigo de infância e co-produtor no Fleet Foxes. Juntos, os músicos conseguem dar uma nova vida às composições de Robin, com constante atenção aos mínimos detalhes.

Crack-Up, o novo álbum da banda, recebeu esse nome em homenagem a uma série de dissertações feitas pelo icônico autor americano F. Scott Fitzgerald na década de 30. Nos textos, Fitzgerald lida de forma pessoal com o conceito do colapso do ser humano — seja ele físico, moral ou mental. A sua visão é melancólica; o autor apresenta uma série de problemas relacionados à solidão e perda, mas nunca oferece muitas soluções.

E esse é o ponto de partida para as letras do cantor ao longo do disco. Logo na faixa de abertura, a épica “I Am All That I Need / Arroyo Seco / Thumbprint Scar”, Pecknold expõe o conceito dessa solidão e como ela afeta seu relacionamento com as pessoas ao redor. E isso é justaposto com os arranjos da faixa: há vários momentos onde se alterna o uso de voz e violão para uma transição brusca de instrumentação rica.

Esse tipo de atenção aos mínimos detalhes é totalmente proposital. De acordo com Pecknold em um post recente em seu Instagram, desafiar o ouvinte através da manipulação de expectativas e da utilização de instrumentos e arranjos fora do comum seria um tema recorrente nesse novo material. É por isso que se ouve o barulho de alguém escrevendo num papel no fundo de “Cassius -“, ou então por que o fim de “Fool’s Errand” soa como uma faixa completamente nova.

E embora o álbum apresente tantas ideias que a princípio pareçam desconexas entre si, as canções são tão cuidadosamente estruturadas que tudo flui surpreendentemente bem. Até mesmo nas lentas baladas onde a voz e o violão sejam os elementos principais, como em “If You Need to, Keep Time on Me”, as harmonias vocais e os pequenos preenchimentos de piano acabam encontrando o seu próprio espaço de destaque.

Mas o que mais chama a atenção é como o disco soa bem. Os instrumentos, as vozes — todos os sons são extremamente distintos e claros, a produção é impecável. É difícil encontrar um álbum lançado esse ano que seja tão bem produzido como Crack-Up, e a habilidade de utilizar camadas sutis de instrumentos acaba dando um ar ainda mais refrescante para o trabalho. Muitos detalhes e minúcias não são tão perceptíveis quando ouvidas pela primeira vez — o que acaba recompensando aqueles que decidem ouvir o álbum várias e várias vezes.

Nesse quesito, Crack-Up não chega a ser muito diferente de Helplessness Blues. Após o Fleet Foxes alcançar um sucesso inesperado com seu primeiro disco, em parte por conta de uma sensibilidade consideravelmente mainstream nas suas músicas, Robin decidiu explorar novas sonoridades e remoldar as melodias e estruturas das canções do grupo.

Mas enquanto Helplessness Blues ainda possui algumas faixas mais atraentes para o ouvinte que está à procura de hits, Crack-Up se compromete ainda mais com o lado “estranho” da banda, aprofundando-se no experimental.

E esse é justamente o propósito do disco. Os temas mais sombrios das primeiras músicas são uma reflexão tanto do estado psicológico de Pecknold, como de suas opiniões acerca das questões sócio-políticas do mundo. Enquanto os trabalhos anteriores da banda exploravam temas mais abrangentes e uma visão de mundo mais otimista, canções como “Cassius-” e “Kept Woman” descrevem situações de colapso e uma procura incessante por respostas.

E a peça-chave para esses temas é “Third of May / Ōdaigahara”, a faixa que, propositalmente, divide o álbum em duas partes. A canção, com seus nove minutos, é uma pequena obra-prima por si só. Mas a sua parte final, um longo outro de sons atmosféricos criados por violões, sintetizadores e percussão, dão início a um lado B muito mais introspectivo e reflexivo, repleto de arranjos belíssimos.

A faixa de encerramento “Crack-Up”, em especial, é um grande destaque. Aqui, cada detalhe da banda é trazido à tona de uma forma impressionante: as harmonias vocais estão impecáveis, os instrumentos de sopro e cordas proporcionam momentos de tirar o fôlego, e os elementos “terrestres” — como os sons de construção logo após o verso “I can tell that you’ve cracked” — imergem o ouvinte em um mundo criado especialmente para aquele momento, o sentimento de “conclusão” que era tão procurado ao longo do disco.

Em uma recente entrevista, Pecknold revelou que o período de ajuste para uma nova vida universitária foi confuso, principalmente ao tentar conciliá-la com sua carreira musical:

Eu estava tentando descobrir se a música deveria apenas fazer você se sentir bem, ou se deveria ser um problema intelectual que então é resolvido através do som.

Mas se Crack-Up é algum indicativo, o músico provou que esses elementos não são mutuamente exclusivos — muito pelo contrário. A catarse é alcançada, o problema é resolvido e o álbum te faz se sentir bem.

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