Por Nathália Pandeló Corrêa
Vem, o novo álbum de Mallu Magalhães, despontou ainda no ano passado, com o single “Casa Pronta”. Outras três músicas lançadas digitalmente entregaram um pouco do caminho que a artista adotou em seu quarto trabalho, divulgado no início de Junho após um debate sobre racismo trazido à tona pelo clipe de “Você Não Presta”.
Mallu, que mora em Lisboa, está no Brasil para a divulgação do novo trabalho e falou ao Tenho Mais Discos Que Amigos sobre a responsabilidade do artista sobre sua obra, o que mudou desde “Tchubaruba” e o processo de criação de Vem. Em agosto, ela se apresenta no país com quatro shows já divulgados: no Rio de Janeiro (04 e 05/08), Porto Alegre (19/08) e São Paulo (26/08).
TMDQA!: Oi Mallu! Obrigada por falar com o nosso site. Quero já começar falando do Vem. Você vinha lançando alguns singles, mas agora que o disco está aí, de fato, é que surgem as resenhas, as análises, os shows. Ou seja, você acaba sendo confrontada com uma visão externa a algo que é muito seu. Como tem sido essa experiência até agora?
Mallu Magalhães: Tem sido positiva. As pessoas têm recebido o disco muito bem. Sinto que ele tem sido bem entendido, e isso me deixa muito feliz. É isso, você entrega o trabalho pro mundo. Não adianta querer que ele fique guardado pra sempre, tem que compartilhar com as pessoas. E me agrada muito saber o que elas pensam e como reagem, estar cara a cara com elas nos shows.
TMDQA!: Entre o Pitanga e o Vem, lá se foram seis anos. Como você vê esse momento entre um disco e outro? É importante dar um tempo pra “trocar de pele”, por assim dizer? Dá pra se reinventar, se redescobrir nesse meio tempo?
Mallu: Sim. São seis anos, o que é um bom tempo, mas foram seis anos muito produtivos. Todas essas experiências trouxeram muito pano pra manga, digamos assim (risos). Esse período foi de bastante trabalho, entre finalizar Pitanga, turnê da Banda do Mar… Também tive um bebê, fiz uma turnê de voz e violão, depois preparei esse novo disco… Então foram seis anos bem aproveitados! (risos)
TMDQA!: E essas músicas foram feitas pós-Banda do Mar, pós-Pitanga…? O Vem é um recorte de algum momento específico seu ou é um pouco de tudo que aconteceu nesse intervalo?
Mallu: É um pouco de tudo e um retrato do que eu virei com tudo isso, sabe? Não é só um apanhado, teve música que eu escrevi bem antes e outras que foram feitas ali, durante a gravação do disco, que foi um processo longo, de 5 meses. Então tem um pouco de cada momento.
TMDQA!: Quais são as mais antigas?
Mallu: A mais antiga, acho que era… talvez, “Culpa do Amor”. Depois vieram… “Navegador”, “Guanabara”, “Gigi”… e por aí vai. O disco foi ganhando forma.
TMDQA!: Enquanto isso, como você mesma lembrou, teve Banda do Mar, sua filha, país novo. Muita gente diz que é uma Mallu amadurecida, o que faz sentido depois de tudo isso e pelo fato de você estar chegando na marca de 10 anos de carreira. O que você sente que mais mudou da Mallu do Tchubaruba pra Mallu de hoje?
Mallu: Tem um amadurecimento sim, que eu considero muito natural. Não é como se eu tivesse agora descoberto meu gene do amadurecimento (risos). É que quem chega na idade que estou agora [24 anos] somando 10 anos de profissão, acaba ficando mais experiente, é inevitável. No meu caso, tendo me exposto tanto a situações mais tensas, extremas, com a pouca idade que eu tinha… Isso acaba te fazendo crescer mais rápido. A maternidade também é algo que amadurece muito a gente, e a mudança de país acaba deixando suas marcas… Teve tudo isso. Mas hoje me sinto mais calma pra lidar com os desafios, com os problemas, com as dificuldades que surgem, sabe? E acho que isso vem com a repetição mesmo. Depois de ter passado muitas vezes por coisas que me pareciam fatais num momento e ter sobrevivido, agora eu vejo que tenho uma firmeza de pensamento e de caráter mesmo. Tenho mais calma e plenitude, e de fato um orgulho de quem eu sou, eu me gosto. E só de ter chegado nesse amor próprio foi uma uma conquista minha, uma construção que eu tive de fazer ao lado da minha família, do meu relacionamento. Tudo isso me dá forças pra lidar com esses desafios.
TMDQA!: Dentro desse tópico do relacionamento, se fala muito da influência do Camelo na sua música, o que é bem natural desde que além de ser seu marido, ele assina a produção dos últimos discos. Mas você diria que existe o caminho inverso – de um Marcelo Camelo influenciado pela Mallu?
Mallu: Ah… Eu acho que sim, que ele se influencia um pouco por mim. Mas sabe, o Marcelo, assim como eu, tem a personalidade muito forte. A gente se mistura, ele pode até se influenciar por mim, mas mantém sua personalidade, sua estética, que é algo muito importante também.
TMDQA!: Faz sentido. Então nesse tópico da identidade… O Vem tem um lado meio carioca, meio paulista, meio lisboeta. No início da sua carreira, dava pra sentir uma inspiração no folk, o que de cara chamou atenção e te colocou nessa categoria. Hoje, você está assumindo cada vez mais claramente uma verve mais brasileira mesmo, de samba, de bossa. Seria uma volta pras raízes em meio a essa vida lusitana?
Mallu: (risos) Sim… Eu acho que sim… E que tem um pouco a ver com o meu distanciamento. Querer procurar quem eu sou é que me leva a essas descobertas. É justamente na busca da identidade que essa presença do Brasil vem à tona, sabe? Hoje eu tenho confiança de fazer um trabalho de música brasileira, assim como antes eu tinha de fazer de folk. É sempre válido e eu vejo a música como uma entidade generosa e aberta. Eu também compreendo que tem sempre um olhar do outro e que pode ser um pouco predatório e de julgamento sobre o que eu faço. Mas é preciso entender e ter paz com isso e fazer o trabalho a partir daí.
TMDQA!: Nestas entrevistas pra divulgar o álbum, você deve estar comentando bastante sobre os questionamentos que o clipe de “Você Não Presta” levantou. Os argumentos foram colocados, você também já se manifestou sobre o assunto e o que fica é a esperança de que a gente tenha aprendido junto sobre questões raciais que muitas vezes não são discutidas.
Mallu: Isso, exato. Eu vejo meu trabalho como minha responsabilidade. Nunca vou deixar de comentar questões assim, não posso fugir do debate. Eu que fiz, eu que respondo por ele. Claro que teve uma seleção dos dançarinos, uma direção no clipe, mas em todo momento eu acompanhei o processo, inclusive essa seleção. E nem passou pela minha cabeça de que essas escolhas pudessem ser recebidas daquela forma. Mas é como você falou, o debate aconteceu e tinha de acontecer. No fim, acho que ficou claro pra todos, até pra quem criticou, que nunca houve uma intenção ofensiva, ou agressiva contra ninguém. A ideia sempre foi o extremo oposto. Era uma concepção única e exclusivamente com o objetivo de convite, chamando as pessoas pra dançarem. Como não levo em conta nenhuma característica física das pessoas ao me relacionar com elas e escolher pra um trabalho, eu não me atentei ao fato de que isso pudesse ser ofensivo para algumas pessoas. E foi isso, a discussão aconteceu e iniciou o debate. Fiquei grata de poder acompanhar e aprender a ser uma pessoa melhor.
TMDQA!: Mas como a internet é esse fórum democrático onde boa parte desses debates acontecem e você é uma pessoa bem ativa nas suas redes, queria saber como foi pra você ter de lidar com essa contestação que muito provavelmente foi um turbilhão que te pegou de surpresa. Mudou como você se sente em relação ao clipe?
Mallu: É, como você falou, foi mesmo algo que me pegou de surpresa. Não foi nada agradável, foi triste e desgastante. Foi surpreendente porque realmente o que foi colocado não tem nada a ver com as minhas intenções iniciais para o clipe. Mas sim, toda essa experiência mudou um pouco a minha visão do vídeo, porque eu acredito que a ideia é que a gente saia modificado dessas discussões, sabe? É como você colocou, acho que aprendemos um pouco mais nesse debate. Mas ainda acho que é um clipe lindo e que tem um valor artístico muito grande e me deixa feliz que muita gente tenha entendido bem essa intenção. O que fica é mesmo o desejo do aprendizado.
TMDQA!: Mas falando ainda sobre a sua presença na internet, andei fuxicando nas playlists que você fez no Spotify e elas trazem um lado um pouco diferente seu, como ouvinte de música mesmo. Tem Dr. John, tem Moacir Santos, Nat King Cole, Criolo como trilha pro caminho, pra corrida… E como a gente sempre pede recomendações de discos pros artistas com quem conversamos, queria saber: se você fosse montar uma playlist pra te acompanhar nessa turnê que tá começando, o que teria nela? O que você tem mais curtido ouvir?
Mallu: Ah, eu esqueço o nome do artista, mas tem um disco que eu tenho ouvido muito, que se chama A Thousand Times. E sempre ouço muito Cake, Manu Chao, Onda Vaga… É uma trilha sempre importante pra mim. E também Jorge Ben, Elza Soares… Os novos e os antigos da Elza, ouço tudo!