Entrevistas

Conversamos com o Versalle e o Lucas Silveira sobre política, "Dito Popular" e próximos passos na carreira

No meio deste cenário político caótico, conversamos com o Versalle e Lucas Silveira (Fresno) sobre a consciente "Dito Popular", relançada em Abril.

Foto: Pedro Margheritto/Divulgação
Foto: Pedro Margheritto/Divulgação

Como te mostramos por aqui, o Versalle convidou Lucas Silveira (Fresno) para gravar uma versão de estúdio de “Dito Popular”, canção com um forte cunho político.

Algum tempinho após o lançamento e visto o cenário atual caótico da nossa política, chamamos a banda e o cantor para um papo sobre esse assunto tão importante e, também, sobre a mensagem por trás da música, cada vez mais forte.

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Confira abaixo!

TMDQA!: Vocês resolveram regravar “Dito Popular” após uma versão acústica e agora ela ganhou uma versão bem imponente, “elétrica”, com um belo vídeo de
estúdio, participação do Lucas Silveira e single. Como surgiu a ideia tanto
no nascimento da música como agora, para essa versão definitiva? E como
vocês pensaram na participação do Lucas?

Versalle: A música foi composta pelo Rômulo Pacífico em março de 2016, bem na época do ápice do movimento pró-impeachment da Dilma Rousseff. Na época havíamos acabado de nos mudar para São Paulo, que é um dos centros nervosos das mobilizações sociais e protestos. Ao mesmo tempo, nunca durante nossa vida adulta (considerando que o integrante mais velho da banda tem 25 anos), tínhamos vivido um momento de instabilidade e insegurança política, econômica e social tão intenso.

Foi a primeira vez que, acompanhando os noticiários, não deu pra ver nenhum “lado” correto na situação e em que ficou realmente claro que o único interesse que não estava sendo levado em consideração pela classe política era o da população, que deveria ser justamente o mais importante. Em meio a reflexões sobre essas questões foi que “Dito Popular” nasceu.

Lançamos a versão acústica uma semana antes do primeiro turno das eleições em 2016 com a intenção de estimular nosso público a votar de forma mais consciente. No entanto, um ano depois que a música foi composta, a letra dela continua falando cada vez mais alto e, infelizmente, ao que tudo indica vai continuar fazendo sentido por bastante tempo ainda. Então resolvemos dar a ela um registro à altura da importância da mensagem nela contida.

Já conhecíamos o Lucas e sabíamos que ele, além de uma das figuras mais representativas do rock nacional na atualidade, é um cara engajado e acessível. Fizemos o convite e ele aceitou prontamente. Ficamos honrados com a participação dele na canção e muito felizes com o resultado. As intervenções dele deram uma grandiosidade à música.

TMDQA!: Nesses períodos turbulentos a gente tem recebido aqui muito material
sobre política, críticas sociais e mais, mas muito do material parece artificial, feito pura e simplesmente para entrar na onda da crítica. Não é o caso com a canção de vocês e isso fica evidente nas letras e na abordagem com a qual divulgaram o som. Como vocês enxergam esse momento todo e, principalmente, como acham que a arte pode ter impacto na vida das pessoas para atravessar tanta turbulência?

Versalle: Pensamos que a música, bem como a arte de um modo geral, mais do que entreter e divertir tem um papel fundamental no sentido de fazer o ouvinte refletir sobre algo. O rock, por sua vez, sempre foi a vertente musical associada aos questionamentos, às inquietações, às críticas sociais. Contudo, de algum tempo pra cá vemos cada vez menos bandas e artistas se preocupando em traduzir o contexto social em que vivemos, em retratar o nosso tempo e perenizar a história em forma de música.

Com “Dito Popular” nossa intenção foi justamente essa: tentar fazer com que nosso ouvinte coloque a mão na consciência, reflita sobre o que está acontecendo no país e se conscientize sobre o seu real papel dentro desse cenário, e a partir disso se enxergue como parte ativa e como responsável pela situação do nosso país.

TMDQA!: Em um período polarizado onde os políticos conseguiram dividir o país em Direita e Esquerda para tentarem se safar dos problemas, qual vocês acham
que é o papel da sociedade em realizar uma verdadeira revolução política aqui no Brasil? Como vocês enxergam as manobras todas feitas pelos políticos nesses últimos períodos após a corrupção ficar escancarada em todas as partes?

Versalle: O brasileiro se acostumou a se enxergar como “nós” e enxergar a classe política como “eles”, talvez como uma forma de se isentar da responsabilidade pela situação política. No entanto, a classe política nada mais é do que um reflexo no próprio brasileiro. “Nós” somos os responsáveis por “eles” estarem lá. Essa polarização que está se criando é preocupante porque deixa a visão da sociedade turva para ver que acima de esquerda ou de direita estão os interesses e as necessidades de um país. Não se trata de competição. Não é uma partida de futebol onde tempos que escolher um time pra torcer. A partir do momento em que o cidadão tiver isso em mente, o voto vai passar a ser exercido de uma forma mais responsável e a situação vai mudar.

Lucas Silveira: Existe um documentário completíssimo e extenso chamado Hypernormalisation (algo como hiper-normalização, em português), dirigido por Adam Curtis. Saiu ano passado e representa em grande parte o que eu penso em relação ao que estamos vivendo frente ao cenário político brasileiro, enquanto sociedade. Já apanhamos tanto que já nem mais sentimos dor quando diuturnamente são desferidos golpes contra a população, especialmente a parcela mais pobre.

Trata-se de um arranjo em que políticos e meios de comunicação funcionam em simbiose, mas o que nem todos percebem é que mesmo os ‘poderosos’ são também fantoches de um sistema ainda maior e mais perverso. Somos um país governado não por políticos geralmente corruptos, mas sim por corporações gigantescas, e por grandes bancos. São entidades tão colossais que a vida de um organismo humano não importa, bem como de extratos sociais inteiros, povos indígenas, minorias e também o trabalhador, que mal tem comida sobre sua mesa, não tem opções de lazer e seu tempo é todo consumido pela construção e manutenção desse status. Incutem em nós uma briga entre dois lados da qual absolutamente ninguém sairá vencedor – a não ser que você seja insanamente rico.

No entanto, também consigo enxergar cada vez mais gente abrindo os olhos para essa triste realidade que reside por detrás das manchetes e dos factoides. E isso já forma um movimento que deve crescer cada vez mais, até que se tenha força de golpear essa situação em pé de igualdade. Muito utópico, eu sei, mas acredito numa lenta e gradual evolução da humanidade como um todo. Não estarei aqui para acompanhar seu estágio mais iluminado, mas quero dar minha contribuição para tal.

TMDQA!: Esse ano nós ficamos em um limbo, já que as eleições de 2018 ainda estão longe, o país passar por uma crise econômica e temos um governo que não foi eleito pelo povo. O cenário não parece ser empolgante já que os possíveis candidatos para a sucessão não têm nada de novidade e, em alguns casos, representam posições extremistas. Como vocês enxergam esse panorama todo?

Versalle: Com consternação e preocupação. Infelizmente estamos num terreno fértil para ideologias extremistas.

TMDQA!: Vocês lançaram o disco Distante em Algum Lugar e depois o EP ApenasQuais são os próximos passos na carreira da banda?

Versalle: Estamos bem contentes com os materiais que temos lançado até o momento. O Distante em Algum Lugar foi indicado ao Grammy Latino de melhor álbum de rock em 2016 ao lado grandes discos e isso nos enche de orgulho. Depois dele lançamos o EP Apenas, em áudio e vídeo, e nos apresentamos no AudioArena Originals, o que foi bem legal porque ainda não tínhamos um material em vídeo que captasse bem a energia das nossas apresentações ao vivo.

Nos próximos quatro meses lançaremos mais dois videoclipes, ainda com músicas do Distante.

Desde o começo de 2017 estamos em fase de pré-produção do nosso próximo álbum. Pretendemos entrar em estúdio no começo do segundo semestre para gravar. Está sendo um desafio bem legal pra nós. Agora que estamos percebendo os reflexos do crescimento pelo qual a banda passou nos últimos dois anos na nossa maturidade musical. Neste segundo trabalho, diferentemente do Distante, onde fizemos questão de usar somente guitarra, baixo, bateria e vocais (com exceção de “Vinte Graus”, que tem um arranjo de Melotron), queremos e vamos experimentar novos elementos sonoros, principalmente sintetizadores e percussões.

TMDQA!: O Versalle foi um dos grupos que participou do programa Superstar e, já tendo uma base consolidada, aproveitou a exposição na grande mídia para alcançar ainda mais público. O que mudou de lá pra cá e como vocês receberam a notícia do fim do programa, que entre os reality shows musicais, parecia ser o único que realmente revelava talentos e não tinha cara de reality show cheio de drama onde ninguém sabe onde foi parar a carreira do vencedor?

Versalle: Encaramos o fim do SuperStar como uma grande perda para a televisão brasileira. Foi um dos únicos momentos onde a TV realmente se propôs e conseguiu revelar talentos musicais de forma genuína, sem apelações ou clichês. Para nós, assim como para várias outras bandas participantes, foi um divisor de águas.

Esperamos que a lacuna deixada seja preenchida por outra proposta tão legal quanto.

TMDQA!: Que mensagem vocês podem deixar para os brasileiros quanto ao futuro do país?

Versalle: Façam o seu papel.

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