Em Abril de 2017 nós tivemos a honra de organizarmos a primeira edição do Festival Tenho Mais Discos Que Amigos!, em Brasília.
Por lá, uma das apresentações mais quentes e animadas da noite foi da banda Francisco, el Hombre, que mistura ritmos latinos e brasileiros a influências do punk rock e letras que falam desde assuntos do cotidiano até críticas contundentes a questões políticas e sociais.
Quatro meses depois o grupo irá voltar à capital federal para tocar no Festival CoMA, evento idealizado pela agência Rockin’ Hood e realizado pela produtora Influenza, mesmos nomes que trabalharam conosco no Festival TMDQA!, e conversamos com o baixista Rafael Gomes.
De lá pra cá a Francisco, el Hombre rodou o Brasil, aumentou imensamente seu número de fãs e divulgou o disco Soltasbruxa, além de anunciar um split com a banda uruguaia Cuatro Pesos de Propina.
Você pode ler a nossa conversa com o cara logo abaixo, e encontrar mais informações a respeito do CoMA, que terá uma Conferência com profissionais da música além de bandas e artistas como Scalene, Lenine, Clarice Falcão e mais, clicando aqui.
TMDQA!: Fala pessoal! Muita coisa tem acontecido com a banda nos últimos meses, desde o lançamento do disco Soltasbruxa. Estamos vendo vocês na estrada, aqui no Brasil e lá fora, toda hora nas redes sociais, os shows estão lotando e cada vez mais há seguidores da Francisco, El Hombre. Conta pra gente um pouco de como tem sido a rotina de lá pra cá.
Rafael Gomes: Ainda vai demorar um tempo pra gente mesmo entender o que tem acontecido nos últimos meses. Desde sempre, procuramos criar entre a gente um espírito de “vamo!” antes de tudo. Não se sabotar e nem sabotar as ideias dos outros. Dar asas e pernas aos nossos sonhos. Aonde a música puder nos levar, é lá que vamos estar. É uma alegria enorme pra gente ver uma galera se juntar pra ouvir a gente tocar em plena segunda-feira no interior do Pernambuco, num dia chuvoso, por exemplo, sabe? É meio surreal. Poder rodar o Brasil com uma banda uruguaia que a gente admirava imensamente poucos anos atrás e hoje ver uma amizade se consolidando, como tem sido com o Cuatro Pesos de Propina. Queremos aproveitar ao máximo esse momento e extrair dele tudo possível, fazer com que isso dure o máximo e nos impulsione pra muitos outros lugares e experiências que ainda não fazemos ideia de quais vão ser. Com certeza, essa andança toda vai extravasar artisticamente num futuro próximo.
TMDQA!: Em Abril vocês tocaram no Festival TMDQA!, em Brasília, e fizeram um dos shows mais quentes e mais celebrados da noite. Agora vocês estão voltando à cidade para o CoMA, o que planejaram para o show e o que esperam dessa nova apresentação na capital federal?
Rafael Gomes: Brasília tem sido cada vez mais legal com a gente; esperamos sempre mais e mais. Que a galera se entregue cada vez mais, pra gente poder se entregar também sempre um pouco mais. Nosso show é e sempre vai ser um grande espaço de trocas de energia. Tendo o Cuatro Pesos de Propina junto vai acabar subindo ao palco um pouco do que tem sido a nossa rotina de estrada compartilhada.
TMDQA!: Vocês lançaram um split com a banda uruguaia Cuatro Pesos de Propina e também estão excursionando com eles. Eles inclusive tocam no CoMA. Como surgiu essa parceria? Como foi adaptar e regravar uma música da banda?
Rafael: A gente ficou meeega fã deles durante nossa primeira ida ao Uruguai. Todo mundo lá falava deles pra gente e, de repente, tinha um show deles em um campinho de futebol em Barra de Valizas, no dia em que a gente tava lá fazendo um show acústico em um camping. Quatro mil pessoas se juntaram pro show deles, com bandeirões da banda como se estivessem em uma partida de futebol. Uma força e união de público e banda que não estávamos acostumados a ver no Brasil. Pouco mais de um ano depois, fomos convidados pra tocar junto com eles em Porto Alegre, daí surgiu um convite deles pra abrir alguns shows em Montevideo, uma ida deles a São Paulo e a semente já tava plantada. Ficamos superfelizes quando percebemos que o sonho de realmente Romper Fronteiras junto a artistas que tanto admiramos daria certo!
Todo mundo na francisco, el hombre já sabia a letra de “Mi Revolución” e a mensagem que ela passa é muito alinhada ao que acreditamos intimamente. Uma mudancinha aqui e outra ali e chegamos em um resultado que segue a ideia original, mas que trouxesse, especialmente nos arranjos, experimentações que têm sido cada dia mais presentes nas nossas seções de improviso.
TMDQA!: Os festivais de música brasileira estão se tornando cada vez mais fortes e vocês fazem parte deles. É visível que a cada evento as bandas não apenas se respeitam como se assistem, viram amigas, criam lanços e parcerias e fortalecem de verdade a música nacional. Como vocês têm se inspirado nessas experiências e trocas todas que acontecem a cada festival na estrada?
Rafael: Alguém esses dias falou que festival, pros músicos, é que nem festa de aniversário. Você chega já todo feliz de ter algo pra comemorar – a música e a união entre as pessoas através dela. Ali, reencontramos amizades de estrada e fazemos novas amizades. Artisticamente, tem nos enriquecido muito fazer parte desses espaços, ver o que cada banda tem produzido e como tem lidado com o palco. Como tem absorvido seu dia-a-dia e feito arte a partir disso. Esperamos desfrutar infinitamente desses espaços e poder colaborar com eles sempre que possível.
TMDQA!: A música de vocês é conhecida tanto pela festa, na parte instrumental, quanto por letras fortes que fazem críticas políticas e sociais de forma inteligente e contundente. Vocês têm percebido que o público de vocês está precisando desabafar a cada show e enxerga na banda um caminho para isso? Em tempos tão difíceis como os que vivemos, como vocês entendem o papel da arte no processo todo?
Rafael: Quando a gente começou a escrever as canções que cantamos hoje ninguém da banda imaginava que aquilo que a gente dizia era tão importante pra outras pessoas. Era um desabafo nosso ao mundo. Ouvir os relatos que chegam emocionados depois de cada show ou em mensagens carinhosas e emocionadas nas caixas de mensagem das nossas redes sociais tem mostrado pra gente uma força da arte que não podíamos mensurar alguns anos atrás. Sem arte, a vida seria um erro, de fato. A gente vê na música uma ferramenta de comunicação, antes de mais nada. No show, um ritual de encontro entre pessoas, sob um mesmo propósito. Um momento onde nós e público nos reconhecemos nos mesmos problemas cotidianos, nas mesmas aflições, e podemos ver dentro da catarse coletiva a força que temos quando nos juntamos. É por isso que subimos no palco.
TMDQA!: Nos últimos dias o Sr. Donald Trump baniu transgêneros do exército dos EUA dizendo que eles representam um “custo muito alto” para o país. Além de uma mensagem clara de perseguição às minorias, ele também mostrou como mentiu na campanha, já que há tweets dele da corrida eleitoral dizendo que apoiaria a comunidade LGBT, inclusive “mais que a Hillary”. Que recado vocês têm para o Presidente dos EUA e para as pessoas que se sentem oprimidas dessa forma?
Rafael: Foi pra ele e pra um monte de gente igual a ele que escrevemos “bolso nada”. Mas a gente se alimenta de esperança. Não uma esperança ajoelhada e conformada. Uma esperança trabalhadora e que tem o punho forte e fechado. Não vão nos calar e nem aos que estão ao nosso lado. O mundo é cíclico e, se precisamos passar por um momento em que as pessoas que governam o mundo ainda se sentem confortáveis em dizer essas atrocidades, é porque temos que aprender com esse momento. Só assim vamos construir um outro momento melhor pra quem ainda está por vir nesse mundo. Mas a gente vai vencer. Chega de intolerância. A diversidade vai vencer, porque esse mundo é diverso e vai seguir sendo.
TMDQA!: Já há planos para um novo disco?
Rafael: Estamos sempre achando brechas na agenda de shows pra construir o caminho que vai levar ao próximo disco. Aos poucos a gente tem experimentado várias coisas que essa frenesi de estar sempre tocando nos ensinou nos últimos anos. Não rolou ainda o momento em que a gente virou e disse “olha! Tem um disco aí”, mas já existe uma vontade e um sentimento que começa a brotar no peito, de que esse momento vai chegar e que não vai demorar; mesmo que pareça que não existe um disco, ele vai estar ali.
Temos produzido faixas para coletâneas, versões de outros artistas (como o Cuatro Pesos de Propina) onde já estamos experimentando elementos que apontam pra onde vamos caminhar nos próximos trabalhos… [SPOILER ALERT] Dentro de algumas semanas vai até sair uma música nova que produzimos com uma outra banda parceira nossa!
TMDQA!: A relação de ter mais discos que amigos, que falamos no site, também se deve muito ao fato dos discos serem nossos verdadeiros amigos, e podermos contar com eles em tempos difíceis. Que discos você(s) te(ê)m ouvido ultimamente?
Rafael: Ontem, aqui em Caxias do Sul, fomos na casa de um amigo ouvir uns discos de vinil e conhecemos Beat Boys. Acompanharam o Caetano Veloso no festival da TV Record em 1967, além de terem um outro vinil de batucada gravado em um terreiro, nos anos 70. Mais incrível ainda do que ter discos como amigos é ter amigos que nos mostram discos pra sermos amigos, mas o que tem entrado com frequência na lista de boa parte da banda tem sido:
Miss Garrison – Al sol de la noche
BRAZA – Tijolo Por Tijolo
Curumin – Boca
Boogarins – Lá vem a morte