Há beleza e urgência em "magnetite", novo disco do Scalene

Em seu novo disco de estúdio, "magnetite", a banda brasiliense Scalene alterna entre momentos de confissão pessoal e de crítica de forma competente.

Scalene - Magnetite

Não é nenhuma novidade que o Scalene sabe alternar guitarras pesadas e distorcidas com passagens limpas como poucos fazem no país.

O post-hardcore, estilo onde o grupo iniciou e fonte de onde a banda brasiliense bebeu muito nos seus últimos trabalhos, tem isso como característica bem forte e vai de cada um saber adaptar isso à sua sonoridade ou transformar suas canções em um verdadeiro clichê.

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Em magnetite, novo disco de estúdio do Scalene, fica claro que o caso é o primeiro e que a banda percebeu que antes de, mesmo involuntariamente, cair no risco de se repetir e repetir as marcas registradas de quem o inspirou, precisava procurar novos ares.

O álbum não aposta em uma nova fórmula mágica, nem joga fora tudo que o grupo construiu até aqui, e ainda que não sejam claras em uma primeira audição, as novas influências aparecem na forma de sons como teclados e palmas, que aproximam a banda tanto de artistas nacionais dos mais diversos gêneros quanto de estilos como o rock alternativo, como podemos ouvir na confessional “cartão postal”, com sua letra que clara e honestamente aborda a passagem da banda pelo programa Superstar.

Um dos pontos altos do disco, a música impressiona por sua sinceridade e beleza, em camadas de instrumentos apresentadas de forma bastante orgânica e faz um contraponto interessante com outro destaque de magnetite.

“distopia” é uma música que começa com cara de que será mais uma “balada” da banda mas logo se torna uma porrada na cara que acompanha bem demais a letra direta e reta sobre os falsos profetas e tem seu ápice no refrão que diz:

Homens de terno / podres por dentro / e a Bíblia na mão
Pregam o ódio / e a intolerância / a cada sermão

Lançada com clipe oficial e como primeiro single, a canção é a mais impactante do disco, a mais cantável e um sinal de que o Scalene não tem medo nenhum de colocar o dedo na ferida com suas guitarras. Afinal de contas, mexer em um assunto tão delicado e de forma tão contundente é algo do qual muita gente afasta por conta de possíveis respostas negativas. Não foi o caso, e agradecemos pela urgência com que a banda abordou algo tão importante e presente em nossa sociedade e em um assustador não-tão-distante futuro para o qual a palavra “Distopia” cabe tão bem.

Outra abordagem interessante sobre um tema recorrente da nossa sociedade aparece em “esc (caverna digital)”, que começa com instrumentações e ritmos tipicamente brasileiros que de repente se somam ao clima soturno e as guitarras que caracterizam o som da banda. Tudo isso para falar sobre como a sociedade está polarizada e sobre como estamos “digitalmente perdidos”. Antes de ir embora, a canção se despede com uma passagem mais rápida, solo de guitarra e berros. Do belo ao urgente, mais um ponto positivo do disco da banda.

magnetite poderia ser o disco mais comercial do Scalene, já que após um trabalho de respeito no underground, a consolidação da carreira e a exposição de um programa de televisão gigantesco, o grupo poderia jogar com a plateia e evitar certas abordagens, mas isso claramente não é o objetivo.

“frenesi” é de uma intensidade deliciosa, “maré” serve como uma bonita ponte e “fragmento” volta a misturar rock and roll, ritmos brasileiros e o que a banda faz de melhor.

“trilha” parece ter sido inspirada em bandas amigas como Far From Alaska e suas introduções imponentes, “velho lobo” mostra um caos organizado com intervenções dignas de games dos anos 90 e “heteronomia” soa como o Scalene clássico, podendo ter aparecido em outros discos da banda e com cara de single, inclusive.

Ao final da viagem, chegamos até “phi”, uma construção com quase 6 minutos de duração que vai crescendo até chegar a uma explosão digna de encerramento de grandes álbuns.

 

Muito se fala sobre bandas que têm um grau maior de exposição que a maioria, como se isso não fosse fruto do trabalho de longos anos e muito se fala sobre a relevância que músicas de maior alcance têm sobre grandes públicos, principalmente em tempos difíceis.

A relevância se dá a partir do momento que as bandas decidem aproveitá-la para uma direção ou outra, para dialogar, construir e apontar as falhas ou para passar por todo processo de forma ilesa e a mais tranquila possível, entendendo que não há problemas em estacionar os pensamentos, a carreira, as direções e o posicionamento.

O Scalene irá tocar no palco principal do Rock In Rio dentro de alguns dias e estamos tranquilos sabendo que será um show de uma banda que irá transmitir o que vive e respira e que dificilmente em algum ponto da carreira irá se prender ao que “dá certo”. Dar certo é fazer aquilo em que você acredita e mostrar pro mundo todo tanto os seus processos pessoais mais duros quanto as opiniões mais críticas, e construir a partir daí. Fica bem claro que a vontade é essa e magnetite é prova disso.

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