Quando falamos de música e tecnologia, pensamos logo nas facilidades que adquirimos ao longo dos anos, desde os primeiros gramofones, passando pela mobilidade do walkman, até os dias mais atuais onde há menos barreiras e fronteiras. O acesso à informação massivamente proporcionado pelos progressos tecnológicos, mudou bastante as regras do jogo nas mídias, e, claro, no mercado fonográfico. É nesse clima de fruir ao máximo as possibilidades tecnológicas que o Fast Forward entrevista Fábio Silveira, Head da agregadora Altafonte Brasil.
1 – Antes de ser head of Altafonte Brasil, você trabalhou por anos na Deckdisc no departamento de marketing. Conte um pouco sobre sua experiência e o que te levou a querer trabalhar com distribuição digital.
Na verdade, a minha experiência na Deck começou justamente no digital, fui parte da primeira equipe de distribuição e marketing digital lá. Só depois de anos, em um movimento natural de todas as gravadoras no mercado em valorizar e passar a reger o marketing pelo digital, é que trabalhei com o marketing geral. Justamente em um momento de transição do mercado onde pintava todo tipo de dúvida de qual era o papel do rádio ou da TV diante de toda a realidade do digital. Mais valia um clipe estrear antes no Multishow ou no YouTube? Eram muitas as perguntas a que fomos descobrindo a resposta na prática, na base da experimentação. E a Deck sempre foi pioneira nisso: em 2011, por exemplo, ao invés de fecharmos a exibição do novo DVD da Pitty com um canal de TV, nos aproximamos do Google e montamos uma ação de ao vivo com perguntas de fãs no saudoso Orkut, com a première do DVD no YouTube logo na sequência. Algo bem mais comum hoje, mas foi a primeira vez que isso foi feito no Brasil, e o barulho foi imenso! Que depois de toda essa experiência na Deck eu tenha retornado só ao digital foi um processo natural.
2 – Apesar de ter uma força considerável no mercado europeu, a empresa é bastante recente no Brasil ainda. Como foi este início?
Foi muito interessante: a Altafonte é uma empresa que tem uma série de valores que fogem um pouco à regra clássica do que se imagina em um mercado tão competitivo quanto o da música. A primeira é a de que o crescimento orgânico é muito mais estável e valioso do que o agressivo, a todo custo. A empresa começou no Brasil quando algumas outras distribuidoras já estavam estabelecidas e foi muito interessante notar que tínhamos muito espaço para crescer com um serviço e um atendimento mais personalizados. Que, mundialmente, a equipe da Altafonte seja de profissionais com ampla experiência em selos ou gravadoras só reitera essa vocação.
3 – Existe um motivo estratégico para a escolha do Rio de Janeiro como base?
Nos últimos 20 anos, vimos, em um movimento não restrito somente à música, a (re)descoberta de muitos Brasis. O grande mercado da música está dividido entre Rio e São Paulo. A ponte aérea é tão inevitável quanto os afetos que nos fazem escolher uma cidade ou outra como base.
A questão […] dos recebimentos por artistas serem baixos no Streaming é muito contestável
4 – Apesar do assunto ser muito recente, o digital mudou o mercado da música nos últimos anos e tem mostrado resultados positivos no mundo inteiro. Você ainda sente a necessidade de explicar processos básicos para artistas e empresas consolidadas no mercado?
O tempo todo! Muitas vezes não por uma questão de desinformação, ainda que ela seja muito presente no Brasil: há muito desconhecimento de como os processos funcionam e foram pensados, então muitas vezes algo numa plataforma vira estigma antes de ser debatido de forma mais aberta e aprofundada, mas isso também é sintoma da era da busca de cliques que vivemos. A questão, por exemplo, dos recebimentos por artistas serem baixos no Streaming é muito contestável, porque é fundamental ver quem é o seu intermediário nesse processo, em qual plataforma está sendo mais consumido, como ela paga, tudo isso. E quando não é desinformação, é muito porque toda essa revolução, assim como as plataformas e seus formatos de trabalho, estão muito vivos. Todo mês temos mudanças significativas, que vão desde um novo formato de artistas atualizarem as suas bios no Spotify até uma nova ferramenta da Deezer, e todas elas só vêm a somar no todo.
Há uma geração inteira que cresce esperando o próximo lacre, sem o menor contexto histórico pro que está assistindo, ouvindo e curtindo muito ou odiando
5 – Lobão disse uma vez em uma entrevista que o artista para se dar ao luxo de ser independente deveria ter antes uma carreira cheia de hits. Porém, o digital e as plataformas de streaming têm dado cada vez mais espaço para novos talentos, com playlists de descoberta de músicas, etc. Como você vê o papel das gravadoras hoje? Ainda é indispensável?
É indispensável se você reunir um grupo de condições que favoreçam que o formato de trabalho de uma gravadora funcione a seu favor, enquanto artista. As gravadoras mais atuantes no mercado mantém equipes de divulgação de rádio, TV, assessoria de imprensa própria e, mais, podem investir em videoclipes, ser sócias na gravação de um DVD, repartindo custos. Hoje é muito mais fácil medir e entender o que uma gravadora pode fazer por você do que antigamente: se ela não investe junto, ao menos com toda a equipe de marketing, então para que estar numa? Para que assinar um contrato de distribuição digital com promessas de que vai ficar perto dos olhos e do coração, se na prática o formato de trabalho de uma gravadora não privilegia o desenvolvimento de um artista novo só no digital? Nesse sentido, os distribuidores têm também uma grande capacidade de ajudar artistas novos a criarem espaços nas plataformas, que estão sim muito abertas a ajudar a criar novos hits que venham do independente.
5.1 – A volta dos Tribalistas repercutiu no Brasil inteiro e o digital abraçou com força. Muito mais do que um lançamento, é possível dizer que foi um projeto de retorno do grupo, o que é algo incomum vindo de uma distribuidora. Como é feito o trabalho de marketing de projetos como esse? Teria como falar um pouco de como foi esse lançamento, o que rolou nos bastidores?
No caso de projetos e artistas muito grandes como esse, a gente sempre fala algo até óbvio: o artista contratou a Altafonte e não o oposto. Aliás, isso vale para o trabalho que fazemos com qualquer artista, é uma inversão do modelo clássico. Nos Tribalistas, participamos ativamente de tudo, desde o momento zero, mas foi um projeto de retorno feito a muitas mãos: empresários, artistas, Altafonte, Facebook, Spotify e todas as plataformas que apoiaram no mundo inteiro. O maior desafio foi manter tudo confidencial até o Live surpresa. Existiam especulações, mas todas vagas, pouco fundamentadas. Do lado da Altafonte, esse sigilo envolveu uma série de cuidados, desde efetivamente realizar um lançamento mundial a meia-noite do Brasil e não permitir, por exemplo, que os singles saíssem ao meio dia do Brasil (meia-noite do Japão) no exterior e fossem descobertos por fãs de lá, até a apoiar que todas as plataformas digitais e parceiros entrassem com as campanhas na hora certa. Também apoiamos e bancamos muito a opção, completamente na contramão do padrão de mercado, de lançar 4 singles de uma só vez e não um só quando os artistas nos passaram que uma música não daria conta sozinha de apresentar o disco tematicamente. Por mais que os fãs sempre elejam a sua favorita, as 4 músicas apresentam até hoje excelente desempenho nos serviços.
se ela [gravadora] não investe junto, ao menos com toda a equipe de marketing, então para que estar numa?
5.2 – Existe algum projeto semelhante, com um envolvimento mais aprofundado, feito com um artista novo também?
Existem muitos que olhamos com carinho e, de novo, sempre em parceria com o selo/gravadora, o artista ou empresário. Todos os lançamentos do Heavy Baile, grupo do Rio formado pelo Leo Justi e o MC Tchelinho, têm participação direta nossa, inclusive ajudando a convidar feats para as músicas. Ano passado, conseguimos fazer um grande lançamento do primeiro e super aguardado álbum do Liniker e os Caramelows, ajudando a amplificar todo o reconhecimento que eles vinham construindo. São muitos os casos: quanto mais próximo do artista, do selo ou do empresário for o nosso trabalho, mais oportunidades podemos gerar. Por isso mesmo, temos muito cuidado em não atropelar nosso ritmo de crescimento.
6 – O Brasil tem uma resistência muito forte com artistas que cantam em espanhol, sejam eles da Espanha ou da América Latina. O oposto acontece também? Como a Altafonte trabalha artistas espanhóis no Brasil e vice-versa?
O oposto acontece muito menos. O Brasil se comporta como uma ilha no meio da América Latina. Nosso maior problema e também nossa maior vantagem são um só: somos uma ilha de mais de 200 milhões de habitantes. Na verdade, um dos nossos pilares é justamente fomentar o intercâmbio entre artistas latinos, mais até do que espanhóis, e brasileiros. Com Portugal é mais fácil, já aconteceu de artistas portugueses que trabalham conosco serem posicionados em playlists de serviços aqui no Brasil. Mas no caso de latinos, é um desafio constante. Além de brigar para posicionar lançamentos latinos fortes em playlists brasileiras dos serviços e vice-versa, também apoiamos muito que artistas e empresários frequentem eventos de música na Espanha, Portugal e América Latina e fazemos apresentações deles a possíveis parceiros em cada um dos países. Existe um mundo de possibilidades de trocas entre artistas brasileiros e latinos e é uma pena que, do lado do Brasil, ainda se pense tão pouco e se busque tão pouco isso.
Existe um mundo de possibilidades de trocas entre artistas brasileiros e latinos e é uma pena que, do lado do Brasil, ainda se pense tão pouco e se busque tão pouco isso.
7 – Se um fast-forward fosse possível, o que veríamos no futuro do digital no Brasil?
Uma adoção em massa dos serviços de streaming como Spotify, Deezer e Apple Music no formato de mensalidade pela população. Se pagamos pela TV a cabo ou pelo Netflix, por que não por um serviço de streaming, que é muito mais barato e inclusive recompensador do que qualquer outro desses? Também a abertura de mais espaços para artistas novos nos serviços. Esses espaços estão longe de serem insuficientes, são inclusive muito bons em alguns casos, mas também há um mundo para se crescer e o espaço para os indies tem que acompanhar isso. Por outro lado, me parece fundamental que surjam mais serviços brasileiros de música. Mesmo que posteriormente sejam vendidos ou incorporados por grandes multinacionais. Se serviços de streaming fossem qualquer outra indústria, basicamente já teríamos percebido uma hegemonia e dominação global de 4 ou 5 empresas somente. E concentração de poder, numa indústria tão perigosa em criar os seus próprios algozes como a da música, é sempre um risco. Por último, e isso possivelmente é uma utopia, gostaria de ver o fim da ideologia do lacrar ou do pisar regendo o que um fã de música achou de um lançamento. Há uma geração inteira que cresce esperando o próximo lacre, sem o menor contexto histórico pro que está assistindo, ouvindo e curtindo muito ou odiando. Sabemos bem que há espaço para todos, que um sucesso não precisa ser em detrimento de outro artista e que esse sucesso é, antes de tudo, cria do seu tempo.
Para saber mais, acesse o site da agregadora.
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