Entrevistas

O incrível dia em que Larissa Conforto (Ventre) entrevistou José Pasillas, do Incubus

A convite do TMDQA!, a baterista do Ventre se encontrou com o baterista do Incubus, uma de suas maiores influências, e a conversa foi sensacional.

José Pasillas e Larissa Conforto
Foto por Lucas Dumphreys

Fotos por Lucas Dumphreys

2017 foi ano de Rock In Rio no Rio de Janeiro e no último final de semana uma das bandas a se apresentarem por lá foi o sempre sensacional Incubus.

O grupo californiano veio divulgar seu mais recente álbum, 8, e quando nos foi oferecida a oportunidade de realizar uma entrevista com algum integrante do grupo, nós pensamos em realizar um encontro de dois bateristas incríveis, e deu certo.

Larissa Conforto, baterista da Ventre, sempre foi muito fã de Incubus e não esconde de ninguém que José Pasillas é uma de suas maiores influências. Fizemos o convite, ela aceitou e o resto desse encontro incrível você pode ler logo abaixo, nas palavras da própria.

 

O dia em que conheci José pasillas, e foi tudo culpa do TMDQA <3

Oi, meu nome é Larissa Conforto e eu sou baterista.
Foram muitos anos tocando bateria e dando rolê com banda até eu conseguir afirmar que essa é minha profissão. Eu comecei a gostar de música ouvindo Nirvana e foi assim que aprendi inglês: eu tinha um caderno onde transcrevia as letras em inglês, e traduzia frase por frase usando um dicionário. E foi assim que aprendi muita coisa na vida, inclusive bateria.

Comecei aos 13 com aulas compartilhadas na escolinha no Rio, mas num dado momento entendi que estudar música é ESCUTAR música. Os anos 2000 trouxeram o new metal e outros estilos e com ele meus novos “professores”, que iriam me influenciar pro resto da vida, entre eles: José Pasillas do Incubus (a lista também tinha Abe Cunningham do Deftones, o Dominic do Muse, canhoto como eu, e é claro que não faltaria o Phil do Radiohead – eles me ensinavam que o rock era bem mais que tum-tum-pá).

Em 2006 o Incubus divulgava o Light Grenades e eu já planejava minha tatuagem de granada, embora meu álbum favorito continuasse sendo o Morning View. Fui no show do Metropolitan, de caravana. Chorei em “Love Hurts”.

Em 2009 me inscrevi pra um programa de TV, um reality show de música, que exigia um vídeo meu tocando uma música. Corri pro mercadinho São José (quem já foi sabe), pra gravar com minha CyberShot o vídeo que garantiria minha entrada no programa: “Nowhere Fast” do Incubus. A bateria que eu mais gostava no mundo.

No ano seguinte, SWU. Grande dia, os melhores bateristas do planeta juntos no mesmo festival. Foi lá que eu vi o Mars Volta, o Rage Against The Machine, Pixies, o Queens Of The Stone Age pela primeira vez e meu segundo show do Incubus. Chorei em “The Warmth” e vi minha cara inchada e vermelha no telão. Sonhei com o dia em que tocaria num festival como aquele, o dia que teria a oportunidade de conhecer meus ídolos como igual, falar de música, de bateria.

Oito anos, vinte bandas e alguns discos gravados depois, estou eu no Rock In Rio. Claro que não no palco principal, nem no line-up oficial, mas vamos nessa, a cada oportunidade uma lição aprendida. Lá fui eu integrar a CocaCola FM Band, banda formada por 4 baterias, 5 guitarras, 2 baixos, 1 teclado e 50 fãs cantores. 5 sets por dia, de 16h30 às 00h. No meio da loucura de ensaios pinta um teste pra um comercial, uma baterista “mulher”. Lá fui eu gravar um solo de bateria trocando de roupa, pra uma campanha de internet de uma marca patrocinadora do evento.

Quando eu fui ver, estava solando no telão do palco mundo, entre os shows. E na TV também. Puta merda…

Eis que pinta um áudio de WhatsApp. O TMDQA! queria que músicos brasileiros entrevistassem os músicos de fora que vinham pro RiR, lembraram que eu estaria no festival, e me propuseram entrevistar o Incubus.

Eu e meu inglês do Nirvana. Eu que não sou jornalista, que morro de vergonha de falar com os artistas que encontro em backstage.

Claro que eu topei. Eu e minha grande cara de pau.

Demorou até confirmar, o assunto foi morrendo e eu achei que não ia mais rolar. Nem me preocupei em treinar o inglês, estudar a fundo o disco novo, nada.

Dois dias antes do show deles, uma resposta: “Confirmado: 18h na sala de imprensa, você tem 10 minutos.” Era de manhã e eu tava indo pegar a van que levava a equipe da Coca Cola. Passei mal. A pressão baixou.

A Rocinha entrou em guerra, a cidade parou, todo mundo com medo, pânico total. Eu tava morta. Exausta de tantos dias dormindo poucas horas, mas entre um set e outro parei pra escrever minhas ideias, o que eu gostaria de saber sobre meu grande ídolo.

A equipe da Coca inteira se mobilizou. Todo mundo leu as perguntas, opinou, me ajudaram a imprimir o roteiro… Tony (seu lyndo) me ajudou com o Inglês e o “TENHOMAISDISQUÊS”, Daniel e Nathália [Pandeló Corrêa, casal que trabalha com a Ventre] me acalmaram e apoiaram via áudio de WhatsApp… até que chegou o dia.

Não dormi.

Duas da tarde e eu ainda revisando as perguntas. Não comi.

Pedi pro roadie deixar minha bateria invertida para destros, pro caso de eu não conseguir voltar pro segundo set.

17h, lá fui eu. Toda suada pós show, minhas baquetas desgastadas na bolsa. Eu lia em voz alta aquelas perguntas e me sentia uma doida. Como fui topar um troço desses?

 

Cheguei na sala de imprensa e me levaram pro Palco Mundo. Eu tava entrando no camarim do Incubus, e eles tavam dentro. Da janela eu vi o Mike e o Ben. Mike saiu pra falar com outra repórter e alguém diz “she goes with José, right?” Engoli seco.

Desse momento até o segundo em que ele abriu a porta sorrindo, a eternidade.

“Hey José!”

Quase morri.

12 minutos e alguém cutucava pedindo pra acabar. E ele acenava com a mão para esperarem, me perguntava onde eu tava tocando, a que horas, como funcionava essas quatro baterias tocando ao mesmo tempo. Tirou sarro da minha baqueta surrada de rimshot (uma técnica de bateria que você usa o aro e a pele ao mesmo tempo, aquela conhecida por quebrar as baquetas) enquanto autografava o par. Agradeceu o presente – cinco camisas da Ventre, de todos os tamanhos – “se não gostar não usa”.

E agora eu só quero que esse dia se repita todos os dias, tipo aquele filme do Bill Murray.

Antes que vocês comecem a ler os 12 minutos mais incríveis da minha vida, fica aqui meus sinceros agradecimentos ao TMDQA!, com meu eterno jargão: PARABÉNS, OBRIGADA e DESCULPA. Tomara que vocês gostem tanto quanto eu.

 

Larissa Conforto: O nome do nosso site é Tenho Mais Discos que Amigos, que faz referência ao carinho que nós temos pelas músicas que amamos. Você também tem esse sentimento? Tem algum álbum que sempre foi especial para você?

Pasillas: Sim, tem um monte de álbuns com os quais eu tenho uma grande conexão afetiva! Muitos são do tempo que eu era mais novo, vai desde Purple Rain (Prince) e Graceland do Paul Simon, até coisas que os meus pais escutavam e as músicas que eu cresci ouvindo, as quais me encorajaram muito a tocar bateria e estar numa banda. Muitas coisas foram do começo dos anos 90. Em geral, muita música alternativa, como Primus, Rage Against The Machine, SoundgardenPearl Jam foi uma grande influência. Então, todos esses álbuns eu ainda escuto até hoje e eles continuam sendo muito importantes para mim tanto hoje quanto quando eu era mais jovem.

 

Larissa Conforto: A bateria é na verdade um conjunto de instrumentos. Uma vez me perguntaram em uma entrevista qual era a minha peça preferida no kit da bateria, aquela que mais me representava. Eu adorei ter que pensar na bateria sob essa perspectiva, então vou fazer essa mesma pergunta pra você. Qual o instrumento do seu drumset que te guia, aquele que te define?

Pasillas: Hmmm essa é difícil. Seria o bumbo ou a caixa, porque o bumbo é tipo a base de tudo pra mim, mas a caixa é a que soa mais alto, é caótica e está presente em tudo, sabe? E é assim que é na minha cabeça… então, é como se o bumbo fosse o meu coração e a caixa, o meu cérebro. Eu não saberia como separá-los (risos).

 

Larissa Conforto: Mas você usa duas caixas, estamos falando de qual delas? A de 14 ou a de 13 polegadas?

Pasillas: A de 14, sempre.  Ela é a principal (com os olhos brilhando).

Larissa Conforto: Você acredita em astrologia?

Pasillas: Hmm… não tenho certeza. Quer dizer, eu realmente sinto que tudo ao nosso redor (no universo) afeta tudo que existe aqui, sabe? O universo está todo conectado. Então planetas, estrelas e tudo mais estão todos sincronizados numa dança, então eu realmente acredito que estamos todos conectados de alguma forma. Mas eu não sei muito sobre isso.

 

Larissa Conforto: Deixa eu te contar uma coisa: eu e você somos taurinos e bateristas. Esse lugar está prestes a explodir (Risos). Quando eu soube do seu signo eu pensei “agora tudo faz sentido”.

Pasillas: Ah é?! (risos) Eu me identifico bastante com o signo de Touro, sim. As características se aplicam muito bem a mim.

 

Larissa Conforto: Você foi um dos fundadores do Incubus em 1991, e naquele mesmo ano acontecia a segunda edição do Rock in Rio. Já são quase 27 anos. Como é para você estar na ativa por tanto tempo, tendo a oportunidade de tocar para plateias de mais de 100 mil pessoas, finalmente tocar na edição do Rio, pela primeira vez? Quais conquistas vocês têm pela frente?

Pasillas: É uma honra tocar num festival que nós sempre quisemos participar. Há poucos grandes festivais que ainda não fizemos parte. A gente vem fazendo turnê pelo mundo todo há muitos anos e este era um dos festivais em que nunca havíamos tocado. Tem o Coachella e um outro de Los Angeles que também nunca tocamos, então são alguns poucos que a gente ainda adoraria tocar. A gente tocou no Rock in Rio em Portugal e na Espanha, mas não é a mesma coisa, né? Agora a gente está aqui no Rio, tocando no Rock in Rio, isso é muito emocionante. Isso faz parte desse mundo, dessa carreira que escolhemos. Nunca deixo de me encantar com a ideia de ir aos lugares que temos que ir para fazer o que fazemos. Eu me sinto muito sortudo por isso, muito privilegiado.

José Pasillas, do Incubus, no Rock In Rio

Larissa Conforto: E por falar em festival, o último show de vocês que eu vi foi em um deles, o SWU em 2010. Aquele dia foi  insano. Tipo “o dia dos bateristas”, tinha Igor Cavalera, Mike Portnoy…

Pasillas: Ele estava tocando o Avenged Sevenfold, não foi? É, eu não tenho muita familiaridade com a música deles (risos).

Larissa Conforto: Sim, e ainda tinha o Queens of the Stone Age com Joe Castillo!

Pasillas: Sim, é verdade, eram grandes bateristas reunidos. Foi incrível!

 

Larissa Conforto: Ainda sobre o assunto, como vocês preparam o setlist para os shows como esse, em festivais? São 8 álbuns de estúdio sem contar os EPs entre eles…

Pasillas: É complicado. Especialmente quando temos um tempo curto de apresentação, de uma hora (NR: foi o tempo que eles tocaram no palco do RiR) o que é muito pouco pra gente. Tentamos colocar um pouco de cada álbum, o que é difícil, porque nós temos muitas músicas. Nós fazemos uma espécie de esqueleto do repertório no qual a gente encaixa músicas de diferentes álbuns, mas essa é realmente a parte mais complicada: a gente normalmente começa com um setlist de umas duas horas – que normalmente tocamos em um show como atração principal – e daí vamos cortando para caber num set mais curto. É complicado, porque a gente tem umas 80 ou 90 músicas, provavelmente. E tem um monte de singles que são populares, um monte de músicas que gostamos de tocar individualmente… mas acho que acabamos fazendo um bom trabalho, ao fazer um repertório sólido e divertido não apenas para a gente, mas para o público também.

 

Larissa Conforto: E por que vocês nunca tocam “Nowhere Fast”?

Pasillas: Engraçado que a gente vinha ensaiando essa música! Eu adoro tocá-la. Na verdade, vínhamos planejando sua inclusão nos últimos ensaios, então vamos estar prontos para tocá-la em breve.

 

Larissa Conforto: Pelo amor da deusa, voltem para o Brasil para um show inteiro e toquem essa! <3

Pasillas: Tá certo, tá anotado (muitos risos).

Larissa Conforto: O mundo vive um momento bastante complexo. Trump foi eleito nos Estados Unidos e vem propagando um discurso de segregação, seu nome tem sido associado ao fascismo e agora estamos à beira de uma guerra com a Coreia do Norte. Você tem raízes mexicanas e também é um cidadão americano. Como você vê tudo isso? Qual você acha que seria o papel da arte, especialmente a música, em momentos como esse?

Pasillas: Um monte de papeis diferentes. Pode ser uma fuga, como para se desconectar do que está acontecendo, mas também para se expressar. É bastante embaraçoso o que está acontecendo nos Estados Unidos. Nós, sendo americanos, e vindo de lá e assistindo o que está acontecendo é muito, muito vergonhoso. É triste. Tenho esperança de que as coisas melhorem, porque já está tão ruim que só pode melhorar; mas também pode piorar um pouquinho mais antes de melhorar. Eu não sei. Música para mim significa ser fiel ao que eu acredito e faço. Tocar música para mim é um ato de rebeldia, é esse tipo de mentalidade punk rock que eu cresci defendendo, coisa que ainda fazemos até hoje, o que é bastante incrível. Mas acho que na música é importante não apenas escutar o som do seu estilo musical favorito, mas a letra tem grande importância também. As letras do Brandon (Boyd) em particular, são cheias de esperança. Há uns certos tons escuros em suas letras também, mas em sua maior parte elas há muito otimismo e nossa música também é bastante positiva. Então acho que a música é muito importante por diferentes razões.

 

Larissa Conforto: Magalomaniac se tornou um hino em referência ao governo Bush, mesmo que não tenha sido feita com essa intenção. Eu senti a mesma atmosfera em “Love in Times of Surveillence” do novo álbum, “8”. Tem alguma coisa a ver com isso, com esse cenário político?

Pasillas: De uma maneira distante, talvez. Ela fala mais sobre os dias atuais, em que estamos sob uma vigilância disfarçada, sabe? Nossos celulares, todo aplicativo que utilizamos capta todas as nossas informações, não importa onde você vá.

 

Larissa Conforto: Bem “1984” (O Livro que deu origem ao termo “Big Brother”), não é?

Pasillas: Sim, totalmente, 100%. Muitos de nós estamos dispostos a dar um OK para que isso aconteça, sem nem parar pra pensar. Tudo tem uma longa lista seguida de um “discordo” ou “concordo” e todo mundo aperta “concordo” sem ler nada. Então, não importa o que a gente faça, ou aonde a gente vá, sempre tem alguém observando. A análise positiva (da música) é que o amor passa por cima de tudo isso, não importa se estamos em uma era de vigilância, não importa o quão ruim as coisas fiquem, o amor é o que mantém as pessoas protegidas. É uma mensagem importante, não acha?

 

Larissa Conforto: Certamente. Muito obrigada José, foi um prazer imenso te conhecer. Arrase hoje, destrua tudo no palco!

Pasillas: Muito obrigado, você também!

 

Nota do editor: gostaríamos de agradecer imensamente a Universal Music Brasil pela oportunidade, bem como a Build Up Media. Também gostaríamos de lembrar que a Ventre, banda da Larissa Conforto, lançou um dos melhores discos nacionais de 2015 e será uma das atrações do Lollapalooza Brasil em 2018.

José Pasillas, do Incubus, e Larissa Conforto, da Ventre