Por Nathália Pandeló Corrêa
O trio londrino Daughter está na estrada há sete anos, mas só agora vem ao Brasil apresentar os álbuns If You Leave (2013) e Not To Disappear (2016), que renderam críticas elogiosas e sucesso de vendas. Em setembro, a banda divulgou “Music from Before The Storm”, trilha sonora que compôs para o game Life Is Strange: Before The Storm, uma aventura divida em três episódios.
Enquanto pensam o sucessor de seu último álbum, a inglesa Elena Tonra (vocal, guitarra, baixo), o suíço Igor Haefeli (guitarra, baixo) e o francês Remi Aguilella (bateria, percussão) seguem fazendo shows pontuais, como sua passagem pela América do Sul.
Além de Rio (Circo Voador, 14/11), São Paulo (Popload Festival, 15/11) e Porto Alegre (Theatro São Pedro, 16/11), a banda passa por Peru, Chile e Argentina. Antes disso, viaja por cidades americanas na turnê do The National.
Assim que lançou dois EPs de maneira independente, Daughter começou a fazer shows lotados em Londres e a aparecer em sites de música e programas de rádio da BBC, até assinarem com o selo inglês 4AD.
O primeiro disco, If You Leave, chegou a ganhar o prêmio de Melhor Álbum Independente daquele ano no AIM (premiação inglesa de música independente) e levou a banda para uma turnê por vários festivais e shows solos pelo mundo. Já Not to Disappear foi gravado em Nova York e produzido por Nicolas Vernhes (Animal Collective, Deerhunter e The War On Drugs). O disco aponta uma nova direção sonora e traz influências de PJ Harvey, Radiohead e Sigur Rós.
Conversamos com o baterista Remi Aguilella sobre a vinda ao Brasil e a experiência de desenvolver a trilha sonora para um videogame. Confira abaixo:
TMDQA!: Olá Remi! Primeiramente, obrigada por conversar com a gente. Queria falar com você sobre a vinda ao Brasil, claro, mas antes vamos falar um pouquinho sobre “Music from Before The Storm”, que acaba de ser lançado. É algo bem diferente no trabalho de vocês, especialmente pela forma como foi concebido. Como foi a decisão de pegar essa trilha sonora para videogame que vocês estavam compondo e lançar como um disco do Daughter?
Remi Aguilella: É interessante… Nós não vemos esse como um “disco do Daughter”, sabe? A ideia toda foi basicamente disponibilizar a trilha. Não estamos encarando como o nosso terceiro disco, apesar de gostarmos bastante do trabalho que fizemos ali, mas não era algo que estávamos compondo especificamente pra nós. O processo foi bem diferente e longo, então pareceu um pouco estranho trabalhar por tanto tempo em algo e depois não mostrar pra ninguém. Nós queríamos que a trilha chegasse a pessoas que gostam da nossa música e que podem não estar ligadas em jogos, ou que não podem comprar um console, pra jogar o jogo e aí sim descobrirem a música. Mas nós não temos um plano de fazer turnê com esse disco, por exemplo. Na minha cabeça, você trabalha num disco e depois sai em turnê pra divulgar, e não é algo que vamos fazer pra esse.
TMDQA!: Faz sentido. Mas nesse trabalho, algo que me chamou a atenção foram os momentos instrumentais mais intensos, às vezes mais voltados pra guitarra, ou pro piano e, claro, sua bateria guiando tudo isso. Parece que vocês estavam trabalhando em camadas, texturas… Como quando surge a voz da Elena, é mais um recurso instrumental do que simplesmente cantar palavras, mas ela está lá. Quer dizer… como você começa a compor essas camadas, do zero, e ainda assim faz com que sejam relevantes pra história do jogo?
Remi: Ehhh… Não sei! (Risos) Bem, é um longo processo, há muito vai e vem entre equipes, com o criador do jogo, para garantir que eles estão felizes com o que está sendo produzido, e que vai ter uma relação com o game. É basicamente um monte de ideias – mais do que você pode imaginar! – e aí ver o que os criadores estão buscando. Mas ao mesmo tempo em que você quer estar em sintonia com o conceito do jogo, você precisa lembrar que te chamaram para fazer a trilha porque gostam da sua música, sabe? Então você não pode se anular, sua identidade tem que transparecer ali. Combinamos de fazer algo que sabíamos fazer bem, mas ao mesmo tempo é um processo muito mais coletivo, onde há supervisores de música te guiando e dando forma ao resultado. É diferente de fazer música pra você mesmo. Nós somos de um selo independente, então não temos essa experiência de ter de se encaixar em um padrão. Eles nunca nos disseram para sermos mais pop ou mais mainstream. Então quando fazemos nossos álbuns, há essa diferença no processo, porque podemos ser 100% nós.
TMDQA!: Bem, não sei se vocês pensam em fazer isso novamente, mas como você acha que seriam músicas pra depois da tempestade? Uma sequência do jogo, talvez…
Remi: (Risos) Talvez, seria divertido! Mas depende de alguns fatores, tipo os personagens que fariam parte da história, o clima que tem que ser passado… Veríamos quem está fazendo o videogame, se são as mesmas pessoas, ou a mesma abordagem… É que, sabe, no fim das contas, a música pode ser um elemento muito importante, mas ainda se resume ao jogo em si. Então se não há essa sintonia entre música e jogo, as coisas não vão adiante. Igual quando eu penso em fazer música, me importo com elemetos como vocais, melodias, etc. Tudo que eu fizer será em prol de uma boa experiência musical e é muito importante que a equipe de um projeto como um jogo tenha essa sintonia também, algo que sirva primordialmente ao jogo. Mas quanto a como seria a música pra depois da tempestade, não sei te dizer, por causa de todos esses fatores (risos)!
TMDQA!: Justo! Mas por outro lado, arrisco dizer que esse foi o projeto mais rápido que vocês fizeram, se olharmos a distância entre If You Leave e Not to disappear, por exemplo. Há algum motivo pra isso?
Remi: Sim, não estávamos em turnê! No fim do ano passado, decidimos nos dar uma folga e quando você não está fazendo shows, pode ir pro estúdio. Se nós estivéssemos fazendo turnê, acho que não teríamos como ter aceitado fazer a trilha, teria sido realmente impossível compor as músicas entre shows e com um prazo apertado. Por outro lado, menos turnê significa que você pode passar um bom tempo em estúdio. Então como não vamos fazer turnê com a trilha, por não ser um disco nosso propriamente dito, continuamos tendo essa possibilidade de, nesse meio tempo, ir pro estúdio e começar a trabalhar em músicas novas, por exemplo.
TMDQA!: Seguindo nesse assunto de turnês, essa será sua primeira vez no Brasil, e…
Remi: Sim, e estou muito empolgado! Sou louco pelo Brasil!
TMDQA!: Jura? Em que sentido?
Remi: Sim! É que desde criança eu estudo percussão clássica, eu já participava de bandas de samba, de jazz… Já ouvi muito Antônio Carlos Jobim, João Gilberto, Seu Jorge… Nem sei se estou pronunciando certo! Mas mesmo como um pequenino músico francês, eu já tinha escolhido três lugares que eu queria conhecer: Finlândia, que por algum motivo eu queria muito ir; Cuba e Brasil. Até agora, tive a oportunidade de ir à Finlândia, Escandinávia e tal. Mas eu ouço bastante coisa do Brasil desde sempre. CSS foi algo grande pra mim quando era mais novo. Não parece, pelo tipo de música que a gente faz, mas eu adoro Max Cavalera – Soulfly, Sepultura…
TMDQA!: Caramba! Ainda bem que vocês vão ter pelo menos alguns dias aqui, vai dar pra ouvir bastante coisa. Serão três cidades, e em São Paulo vocês vão tocar num festival. O que vocês estão planejando em termos de formatos, repertório…?
Remi: Nossa, é bem difícil selecionar o que entra num setlist de festival, especialmente agora. Se fosse no início da nossa carreira talvez fosse um pouco mais fácil, mas agora já temos aí umas 30 músicas – se você somar nossos 2 EPs e 2 discos – e temos de fazer o máximo possível dentro de 45 minutos, uma hora… Nem sei ainda quanto tempo eles vão dar pra gente, mas o objetivo é fazer um resumo pra quem vai nos ver pela primeira vez, e ter um equilíbrio entre as canções que mais curtimos tocar e o que as pessoas esperam. Quando você assiste uma banda que gosta muito pela primeira vez e eles não tocam aquela música que você queria, não é legal! Mas na verdade, não vão ser tantos dias assim no Brasil, eu queria ter mais tempo. Sabe aquela mãe de família que planeja as férias com os filhos, toda organizada? Eu estou assim. Fui a livrarias, comprei todos os guias de viagem do Brasil, estou treinando a pronúncia de algumas frases que aprendi com um brasileiro em Los Angeles há alguns dias e… Bem, estou muito empolgado! Já falei com a banda que a gente tem que voltar, mas se não tiver como num futuro próximo, eu tento ir pro Carnaval, sei lá! (Risos) Depois eu quero que você me diga se eu estou pronunciando as frases corretamente, você topa?
TMDQA!: (Risos) Claro! Bem, ainda falando em turnê: nesses próximos dias vocês vão fazer alguns shows com o The National, o que não é nada mal…
Remi: Não mesmo, estamos empolgados!
TMDQA!: E aqui em São Paulo, por exemplo, vocês vão tocar no mesmo palco que a PJ Harvey e o Phoenix – que eu vejo, senão como influências, pelo menos como coisas que vocês parecem curtir ouvir! Você pensa em assistir esses ou algum dos outros shows do festival e, se sim, qual é a música que não pode faltar pra você ouvir ao vivo?
Remi: Ih, essa é difícil! (Risos) Eu amo PJ Harvey, ela é incrível. E eu, sendo francês, sou fã do Phoenix desde criança, basicamente! Eu já vi os shows deles algumas vezes, e vou tentar assistir este também. A PJ é uma lenda, né? Também quero muito vê-la.
TMDQA!: Basicamente, qualquer coisa que ela tocar…
Remi: Exato, já vai estar valendo a pena! Vi também que vai ter Neon Indian, Carne Doce… Estou pronunciando certo? Eles são brasileiros, certo?
TMDQA!: Isso, eles são uma banda muito elogiada aqui no Brasil. E anunciaram mais uma banda nacional, Ventre.
Remi: Ótimo, me diz como se escreve? Quero procurar para ouvir. Vou anotar aqui.
TMDQA!: Claro! É V-E…
Remi: N-T-R-E?
TMDQA!: Isso aí! Bem, só pra encerrar: o nome do nosso site tem muito a ver com a relação de proximidade que temos com a música. Então queria saber qual é o disco que você leva pra vida, que te acompanha nos bons e maus momentos?
Remi: Nossa… Tem alguns! É bem difícil, porque no momento em que você faz uma pergunta assim, a minha mente abre a estante de discos e eu consigo citar basicamente todos eles! (Risos) Acho que eu diria Songs in the key of life [Stevie Wonder], mas também… As pessoas não sabem muito disso, mas eu sou um grande fã de Dire Straits, inclusive pegam no meu pé por causa disso (risos), então Brothers in arms poderia entrar nessa lista. É curioso, a gente sempre pensa no que tem ouvido ultimamente, mas a sua pergunta me levou só pra coisas antigas. Com a triste notícia do falecimento do Tom Petty, logo me vem em mente algum disco dele… Ou então Purple Rain, do Prince. Quer dizer, dá botar o filme inteiro, eu ouvi a trilha sonora tantas vezes… Em Londres tem uma exibição de “Purple Rain” em que as pessoas vão pra cantar junto com o filme, e antes de começar tem um karaokê só com músicas do Prince. Enfim, são muitas possibilidades! (Risos)
TMDQA!: É injusto resumir tanta coisa boa num disco só, eu sei! De qualquer forma, espero que goste do Brasil e que você possa retornar com mais calma. Falando em cantar junto, nosso público é bem caloroso e é bem provável que você ouça esse carinho do público.
Remi: Já estou sabendo, todo artista que toca aí fala a mesma coisa, da receptividade do público. Dia desses me mostraram os nossos números de streamings e o Brasil aparece bem lá em cima. Como eu tenho essa relação antiga com a música de vocês, fiquei bem feliz!
TMDQA!: O que posso dizer? Quando a gente gosta, gosta mesmo! (Risos) Esperamos por vocês aqui no Brasil!
Remi: Não vemos a hora!
Popload Festival
O Daughter será uma das atrações do Popload Festival que acontece em 15 de Novembro no Memorial da América Latina com Phoenix, PJ Harvey, Daughter, Neon Indian, Carne Doce e Ventre.
Você pode encontrar ingressos para o festival por aqui.