Fim de tarde de quinta-feira (19) e mais uma vez eu estava sentado à janela do ônibus a caminho da cidade maravilhosa, assim como havia feito no mês anterior para o Rock in Rio. Desta vez, o motivo era outro: assistir de perto a um dos ícones da minha adolescência, Julian Casablancas — líder do The Voidz e, nas horas vagas, vocalista dos Strokes.
A viagem durou mais de três horas, porém eu estava agarrado à ideia de que o esforço valeria a pena. Com a escolha do Sacadura 154 para a realização do evento, era evidente que eu não teria que assistir tudo atrás de uma multidão (assim como nos demais shows que Julian havia feito no Brasil ao longo dos anos). Eu finalmente estaria livre da impessoalidade de um festival e perto o suficiente para curtir a experiência do jeito que um show deve ser curtido: o mais perto possível das grades, cara a cara com o artista e gritando cada palavra até a total exaustão. Mas é claro que as coisas nem sempre são assim.
Logo que cheguei ao local, me deparei com uma casa vazia. O palco estava repleto de guitarras, baixos, teclados, bateria, amplificadores e afins, porém apenas uma pessoa estava lá em cima ao meio de toda aquela parafernália. Vestido todo de branco e com um boné azul do Brasil, lá estava o incrivelmente agitado australiano do Promiseland — a banda de um homem só e nova aposta da Cult Records, selo de Casablancas. Como boa parte daqueles presentes, eu não fazia a menor ideia do que esperar. Não conhecia absolutamente nada fora “Take Down The House” (lançado duas semanas atrás) e imaginava que eles apenas haviam escalado esse cara para a turnê, pois não sairia muito caro levar só mais uma pessoa com o resto da comitiva. Entretanto, posso dizer que seu show foi realmente uma surpresa e calou a boca de todos que compartilhavam o mesmo pensamento que eu.
Suas músicas foram como um soco na cara. Batidas pesadas, melodias bem trabalhadas, uma atmosfera enigmática e envolvente e uma performance repleta de energia e urgência. Ele também ajudou, não poupando elogios à galera presente e mostrando ser um cara extremamente carismático. “Eu sou um homem de ‘caras’ e eu reconheço muitas ‘caras’ por aqui esta noite,” repetiu o músico em diversas ocasiões. Sempre que pôde, desceu para cantar e dançar ao meio do público, abraçou a molecada e ainda mesclou diversos passos de dança com posições de yoga. Uma performance memorável de alguém que tinha tudo para ser um mero tapa-buraco para a atração principal. Mesmo sem conhecer as músicas, foi uma bela abertura e a maré de palmas e os sinceros sorrisos que tomaram conta dos cariocas mostrou que, assim como eu, eles haviam sido conquistados.
Após sermos devidamente atropelados por esta locomotiva australiana, um repertório de clássicos indie ajudou o público a voltar a si antes que a próxima banda subisse ao palco. O nível já havia sido elevado e agora era a vez dos mexicanos do Rey Pila nos mostrarem que estavam à altura de Promiseland.
O palco agora estava cheio. Todos os instrumentos foram devidamente empunhados e, por melhor que o show anterior tenha sido, é difícil competir com a parede sonora que vem de uma banda orgânica como esta. O que estava por vir parecia ser melhor ainda. Antes mesmo de tocarem uma nota, a confiança exalada pelo quinteto já era hipnoticamente incrível. Embora desconhecidos para o público brasileiro, eles estão longe de serem meros novatos. A banda se formou na Cidade do México em 2010 e possui dois álbuns de estúdio e dois EPs, sendo Wall Of Goth (2017) o mais recente.
Em sua primeira passagem pelo Rio de Janeiro, o Rey Pila definitivamente não decepcionou. Fomos presenteados com um show impecável do início ao fim. O público se mexia em perfeita sincronia com cada acorde emitido, sendo involuntariamente regido pela banda, que retribuiu toda esta devoção com inúmeros sorrisos e aquele carisma que apenas os latinos podem compreender. O frontman Diego Solórzano também não economizou nas poses, nas dancinhas, no “Legal!” e fez questão de conversar com a plateia em espanhol durante toda a performance — até mesmo puxou um parabéns para o baixista/tecladista, Miguel “Mikey” Hernández.
A performance chegou ao fim com “Ninjas” e deixou o Sacadura (agora bem mais cheio) ainda mais impressionado e extasiado. Se as desconhecidas bandas de abertura foram tão sensacionais, tudo indicava que o show principal seria um absoluto sucesso.
A essa altura, todos que compraram ingressos já haviam chegado e a casa estava ainda mais cheia. Todos nós — órfãos de uma época em que o som, estilo e atitude eram ditados pelos Strokes — estávamos prontos para o que quer que o The Voidz tenha preparado para nos entregar. Sim, todos sabíamos que a banda em nada se assemelha aos Strokes e que suas músicas são um tanto quanto difíceis de serem digeridas pelos ouvidos indies — visto o claro fiasco que foi sua apresentação na edição de 2014 do Lollapalooza. Independente disto, acredito que a maior parte do público presente era perseverante o suficiente para se dispor a entender o novo trabalho de alguém cujas músicas se tornaram a trilha sonora de uma geração. Difícil imaginar que alguém estava lá esperando que um “Last Nite” apareceria de última hora.
A banda subiu ao palco não para divulgar seu álbum Tyranny (2014), mas aparentemente para testar as músicas que sairão em seu novo trabalho, cujo lançamento deve acontecer no ano que vem. O repertório foi basicamente composto por elas, o que causou um nítido distanciamento entre o artista e o público. Se você, assim como eu, não passou as últimas semanas estudando a fundo os vídeos de fãs feitos ao longo da Hollywood Bolívar Tour na América do Sul, certamente teve que se calar e se deixar levar pela atmosfera das músicas para curtir o show.
Logo de cara veio “Wink”, inédita tocada em um programa de TV brasileiro essa semana. Depois dela veio “We’re Where We Were” e a primeira das poucas interações com o público: “Tudo bom? Tudo bem?,” expressões que Julian havia curiosamente questionado a diferença ao Globo. O restante do repertório foi basicamente composto por outras músicas novas, como “Cool As A Ghoul” e “Aliennation” — sendo estas as únicas que me atrevo a nomear. Já as antigas foram “Father Electricity”, “M.utually A.ssured D.estruction”, “Where No Eagles Fly” e “Nintendo Blood”, que evidentemente levaram o público ao delírio.
Não me entenda mal, embora o setlist tenha sido preponderantemente composto de inéditas, o público nitidamente se esforçou para dar-lhes as boas-vindas. Todos gritaram, pularam, dançaram e até mesmo cantaram alguns trechos. Julian em momento algum esteve diante de uma plateia hostil, embora ele sempre pareça, involuntariamente ou não, pedir por isso: “Preferimos evitar as [músicas] que serão singles, e focar nas que provavelmente serão ignoradas quando o disco sair”. É difícil conjecturar, mas talvez ele não tenha curtido alguns pedidos, como um cartaz onde lia-se “Dare I Care” e um rápido coro pedindo “Instant Crush” — ambos devidamente recebidos com um seco “No”.
A noite desandou quando num dado momento suas interações começaram a ganhar tons de insatisfação e deboche. “Mais um show entediante de rock”, “Não se preocupem, em breve vai acabar” e “Logo começará a nightclub” foram algumas das provocações que deixaram o público atônito. Deveríamos discordar e rebater as acusações ou simplesmente concordar? Julian sequer tocou um bis (que, ao que tudo indicava, seria a épica “Human Sadness”). Ao finalizar a última música (uma das inéditas), simplesmente virou as costas e saiu. O público ficou ainda mais perplexo com a situação ao ver os roadies recolhendo todo o equipamento pouco depois. Acabou mesmo?
Em suma, foi um show tanto interessante quanto decepcionante. As músicas novas soam mais palpáveis aos ouvidos dos fãs quando comparadas às de Tyranny, mas apresentá-las no escuro e basear o show completamente nelas foi uma manobra arriscada. Na verdade, agendar uma turnê Sul-Americana com o intuito de torna-la um laboratório para estas canções sem dúvida não foi uma jogada inteligente. Somos conhecidos por sermos um público caloroso e cheio de energia, mas precisamos de um certo grau de comprometimento e incentivo para podermos liberar os animais adormecidos. Ainda bem que a noite contou com Promiseland e Rey Pila, que de mansinho roubaram a cena e fizeram a noite deles. Por favor, voltem sempre.