Entrevistamos Tiê sobre seu novo disco: “Essa mistura é o que eu sou”

Cantora e compositora atração do Lolla 2018 fala conosco sobre seu recém-lançado álbum cheio de participações especiais inusitadas.

Tiê
Foto: Divulgação

Texto e Entrevista por Nathália Pandeló Corrêa

Tiê é uma das vozes femininas mais reconhecíveis na música brasileira atual. Mérito daquela música na novela? Sim, e também de uma década lançando música, desde seu EP de estreia, em 2007. Prova disso é o tanto que se apresentou (inclusive no Rock in Rio Lisboa e SXSW) com os trabalhos anteriores e agora com Gaya, seu disco lançado nesta sexta (27/10), já tem presença confirmada no Lollapalooza 2018, em São Paulo.

A cantora paulistana é um bom exemplo de quem circula entre os nichos da cena indie brasileira e o público mainstream. Em Gaya, os produtores André Whoong e Adriano Cintra (CSS) tiveram o desafio de dar unidade a um rol de colaboradores que trazia tanto Alexandre Kassin, Jesse Harris, Filipe Catto e Lucas Vasconcellos, quanto Luan Santana, As Bahias e a Cozinha Mineira e a cantora mexicana Ximena Sariñana. Bruno Caliman, hitmaker conhecido no mundo do sertanejo, assina algumas canções, como “Torrada e Café” e a faixa seguinte, o single “Amuleto”, que garantiu a Tiê mais uma vaga em trilha sonora (na novela O Outro Lado do Paraíso).

Tiê sempre se cercou de bons colaboradores (David Byrne, Jorge Drexler), mas deixa claro: a visão criativa continua sendo sua, uma reflexão da artista no momento de vida que cada em que cada disco nasceu. E Gaya surge em um momento de influências múltiplas, daí o tom dual do disco, ora folk fofo com arranjo de cordas, ora carregado nas baterias eletrônicas e sintetizadores enquanto Tiê canta sobre culpa, julgamento, responsabilidade, idade e – como a deusa grega da terra que dá nome ao disco indica – o ser mulher. Um bom exemplo é “Mexeu Comigo”, primeiro single lançado ainda em maio, uma composição que surgiu da perda de sua avó, no início do ano. Tiê era neta da atriz Vida Alves, protagonista do primeiro beijo na TV brasileira. A música fala sobre a falta de controle sobre a vida e a superação dos momentos mais difíceis. O clipe para a faixa ganhou direção de Gabriela Mo.

Tudo isso vindo de uma cantora que gosta de ouvir Radiohead pra fazer faxina e cantarolar a trilha de Moana, provando que não é preciso escolher entre indie e pop para ser consistente.

Conversamos com Tiê por telefone sobre este novo momento na carreira, shows, discos e amigos.

TMDQA!: Oi Tiê, obrigada por falar com o nosso site! Primeiro, vamos conversar sobre seu novo disco. Tive a oportunidade de ouvir antes do lançamento e uma das coisas mais notórias de início é que ao mesmo tempo que você tem piano e violino, tem a bateria eletrônica. Você acha que cada disco é a oportunidade de se reinventar, mostrar um lado um pouco diferente da Tiê? E o quanto desses arranjos vieram de você e o quanto vieram dos colaboradores que você escolheu?

Tiê: Eu não diria que cada disco é uma chance de se reinventar. É que cada disco é feito em uma fase e a cada novo trabalho eu já sou uma nova pessoa. E ainda bem que nós somos novas pessoas e podemos fazer coisas novas, não dá pra fazer discos iguais. Claro que eu tive muita influência dos colaboradores, o André Whoong e o Adriano Cintra são dois caras que eu admiro muito e nós trabalhamos a três, foi uma colaboração muito próxima. Mas principalmente tem a ver com o que eu ouço com as minhas filhas, ou sozinha. Esse disco fala muito do meu momento, do meu estado de espírito acelerado, de querer fazer mil coisas. E tem toda aquela intensidade da autobiografia, das canções inspiradas na minha vida e da vontade de olhar pra dentro e falar mesmo sobre os dramas, inseguranças, críticas e medo. Vem muito disso.

TMDQA!: Você trouxe uma conexão feminina muito forte pro disco. Tem música sobre a sua avó, tem mulher na banda, criando capa, dirigindo clipe. Mulher brasileira, mexicana. Foi desse sagrado feminino, por assim dizer, que veio a noção de Gaya?

Tiê: Foi totalmente. Comecei a fazer o disco há bastante tempo, esse foi um trabalho desenvolvido com tempo, o que foi ótimo, porque eu pude ir fazendo aos poucos. Mas a morte da minha avó, em janeiro, foi o que acabou dando o start mesmo ao disco. Porque ele saiu desse choro profundo, desse momento. A minha avó era uma mulher forte, independente, trabalhadora, pioneira e feminista. E isso mexe muito comigo, o fato de eu ser a próxima na sucessão, de pensar minha relação com a minha mãe, minhas filhas… Isso me levou muito para o conceito do feminino, e depois de pensar bastante sobre essa ideia do disco, eu cheguei a Gaya, que é algo que representa muito tudo isso. E também me veio muito uma ideia de água, era algo que eu pensava muito nessa criação do disco. É por isso que na capa eu tô na água, pela água ter essa coisa de renovar.

TMDQA!: Você vem caminhando nessa linha tênue entre um cenário indie brasileiro e o mainstream, trilha de novela e tudo que tem direito. A produção do disco entrega um pouco essa dualidade, tendo o André Whoong e o Adriano Cintra como representantes dessa cena independente e pop ao mesmo tempo. Ao lançar um trabalho novo, você pensa em como abordar potencialmente dois públicos diferentes: o fã que te conheceu na sua fase independente e um público mais abrangente, que vai te ouvir na novela? Ou até mesmo um público que veio mudando e crescendo junto com você ao longo dos anos?

Tiê: Sempre que vou fazer um disco – inclusive é um conselho que eu dou pra todo mundo que vai gravar um disco – é fazer o que te agrada. Se eu não fosse olhar pra dentro e tentasse agradar todo mundo mundo – o indie, o mainstream e todo mundo – eu ia pirar, não dá. Essa mistura é o que eu sou. Eu nasci independente, no primeiro disco eu fiz tudo sozinha, abri a editora, foi assim por um bom tempo. Depois fui pra Warner, que é algo que te traz um novo alcance, com certeza. Essa coisa do independente sempre existiu em mim, só que agora é mais forte, tem mais exposição. Eu fui ao Faustão, eu conheci o Luan Santana… Só que eu sempre gostei do Luan Santana, até falei isso numa entrevista pra Rolling Stone. E aí o público indie pode torcer o nariz pro Luan e eu não estou nem aí. O grande público pode não conhecer As Bahias e a Cozinha Mineira, pode querer conhecer agora e pode também não querer, tudo bem. Eu trago essa mistura porque ela faz parte da minha pessoa, eu gosto de misturar. Não é de agora que eu canto Luan, inclusive em show.

TMDQA!: Quem não sabe a letra de “Meteoro da Paixão”, que atire a primeira pedra, né?

Tiê: “Meteoro” mesmo eu nunca cantei, mas “Medo Bobo” [Maiara e Maraisa] eu já fiz em vários shows, e também lancei uma versão de “Você não vale nada” [Calcinha Preta], por exemplo. Eu sempre gostei de misturar. E eu vou colar com quem tem sintonia comigo, não adianta forçar.

TMDQA!: Exato, vamos falar sobre essa galera! Pra esse novo trabalho, você trouxe convidados interessantes. Tem o Jesse Harris, a Ximena, As Bahias e a Cozinha Mineira, Lucas Vasconcellos, Filipe Catto, Kassin e Luan Santana. Como você chegou nesse time?

Tiê: Foi muito natural mesmo. O Jesse produziu meu outro disco, ele tava no Brasil hospedado lá em casa, porque ficamos muito amigos! Aí um dia falamos, “vamos pro estúdio? então vamos”. Já a Ximena é da Warner, e o pessoal da gravadora falou, “tem uma cantora mexicana muito legal no Brasil, quer conhecer?” e eu falei “bora!”. Em geral não acontece assim, eu sentar com uma pessoa que eu mal conheço e compor uma música. Mas a gente foi e passou o dia em estúdio com ela – eu, Adriano e André. Já o Lucas Vasconcellos, eu estava em Petrópolis pra fazer um show e queria gravar, aí ficamos pensando quem a gente conhecia que era músico de Petrópolis e logo lembramos do Lucas Vasconcellos. As meninas do Bahia e a Cozinha são minhas vizinhas de escritório, porque a gente divide um coworking. É isso, eu não consigo botar gente que não tem nada a ver pra trabalhar comigo, não flui.

TMDQA!: Pois é, eu estava nesse seu show aqui em Petrópolis. Na verdade, tive a oportunidade de ir a dois shows seus, com bastante tempo de distância. Acho que você ainda estava no primeiro disco quando abriu pro Jason Mraz no Rio… E agora vi você já cantando “Amuleto” e “Mexeu Comigo”, por exemplo. Foi intimista, até por ser um show de teatro mesmo. Mas aí fico pensando: e o Lollapalooza? As suas músicas têm uma singeleza muito característica, então como você pensa em transpor isso pro palco de um festival?

Tiê: Pois é, mas mesmo nesses teatros, pelo fato de eu já levar uma bateria, dá outra pegada ao show, as canções já não soam tão intimistas assim. O que transforma o show é a minha performance, a minha atuação. Nos festivais que eu faço, grito, me descabelo, me jogo na frente. Eu vou continuar cantando doce, e isso vai acontecer por muito tempo, não adianta fugir. Mas o jeito que eu canto muda tudo.

TMDQA!: Bom, pra encerrar: o nome do nosso site é Tenho Mais Discos Que Amigos, o que tem tudo a ver com essa relação de proximidade que temos com as músicas que nos acompanham ao longo da vida. Como você escreve letras bem autobiográficas e também falou abertamente sobre momentos de perda, de batalhas de saúde e tudo mais… Queria saber quais são os discos que são tipo amigos seus, presentes nos melhores e piores momentos da vida?

Tiê: Vamos lá… Tem um disco que foi muito meu amigo esse ano, foi Moana – Um Mar de Aventuras, que eu escuto muitas vezes sozinha e traz muito isso da guerreira, da mulher que mexe comigo, não sei explicar. Um disco que é um dos que eu mais ouço é o Mona Bone Jakon, do Cat Stevens, que é um dos que eu mais gosto. Tenho ele no digital, em CD e em vinil, ouço de todos os jeitos.

https://www.youtube.com/watch?v=kQsEcH3Hg10

TMDQA!: Cat Stevens bate fundo, né?

Tiê: Com certeza! E me encanta demais. O que mais… Tem o do Radiohead, mas não estou lembrando o nome agora. É aquele com a capa preta e… Ah, In Rainbows! É o meu mais amigo, eu gosto botar pra tocar e fazer faxina, ficar dançando. Mas não é sempre que eu ouço disco, às vezes eu fico um tempo sem ouvir. Se não fosse pelas meninas às vezes me mostrarem algumas coisas, eu não ouviria. Ainda mais quando eu estou gravando, prefiro ficar sem ouvir por um tempo. Mas ultimamente andei ouvindo muito Beatles também.

TMDQA!: Algum disco em especial?

Tiê: Eu tenho todos, mas acho que o álbum branco e o Sgt. Pepper’s foram os que mais ouvi.

TMDQA!: Tá certo, Tiê! Obrigada por compartilhar um pouco com a gente e sucesso com seu novo disco.

Tiê: Obrigada!