Nomes de discos são normalmente decisões bastante pessoais pelas quais as bandas e artistas passam para refletir os seus trabalhos.
Algumas vezes são diretos, outras tantas fazem apenas referências a aspectos de um álbum, e devemos dizer que Volta, novo lançamento de Gui Hargreaves, é bastante sugestivo.
O cara gravou esse disco após uma série de conexões em outros países, passeia por diversas línguas e elementos e faz folk/rock para quem gostar de, desculpem o trocadilho, dar umas boas voltas por aí.
Conversamos com Gui a respeito de tudo isso e você pode ver o resultado do bate papo logo abaixo.
TMDQA!: “Volta” é um nome muito significativo para esse disco, já que seu processo de criação e gravação tem uma história incrível. Pode contar como tudo aconteceu pra gente?
Gui Hargreaves: Eu estava na Europa a convite de uma professora com quem eu fui estudar na Itália. Consegui passar para uma residência artística e meu plano era ficar só por um mês. Acabei optando por ir até a Inglaterra depois e fiquei me apresentando em casas de shows, jam sessions, essas coisas. Acontece que, meses antes, ainda na Itália, eu tinha conhecido uma pessoa que morava na Inglaterra, que tinha me dado o cartão e que trabalhava com música, mas eu não sabia especificamente com o que. Era o Howard Turner. Lá em Londres, não nos encontramos logo de cara, porque ele estava viajando, mas ele me falou sobre o Ed Scull, dono de um estúdio novo em Londres, e disse que eu tinha que gravar uma música com ele.
Pois bem, eu cheguei no estúdio do Ed na companhia dos meus amigos, recém feitos, Ned e Seb Truman, que acabou sendo o engenheiro de som do disco, e que conheci através do Turner. Eles me contaram sobre como Turner era um ex-saxofonista que tinha tocado com muitos músicos consagrados e me levaram para me apresentar ao Ed para que eu eu pudesse gravar uma música. Eu tinha passado a noite em claro escolhendo uma única música. Eu estava indeciso entre uma que nem nome tinha, mas acabou virando a 5ª faixa do disco (“Jamais Oublier Você”), e “Alone With You”, que é a primeira faixa. Acabei gravando essa segunda.
No final da música, perguntei se estava OK e comecei a notar que chegava um monte de gente no estúdio. Me pediram para fazer outra música e na hora achei que não estavam gostando. E depois mais uma, mais uma, enfim. Foram seis músicas no total.
Quando eu saí da sala de gravação para a ilha de edição, tinha um monte de gente que eu não conhecia, todos músicos, amigos do Ed. Então Ed me disse que tinha gostado de todas e que tínhamos um disco. O primeiro trabalho do estúdio que nem abriu. Me disse também que todo mundo que estava lá queria tocar comigo, mas a escolha era minha de deixar o material em voz e violão ou gravar realmente o CD. E é claro que eu gravei.
Nosso trabalho se deu diariamente com vários músicos que eu fui descobrindo que já tinham tocado com outros grandes artistas. Era uma rotina muito tranquila de gravação, sem pressa, de experimentação mesmo. Foi muito produtivo, divertido e de muitos encontros.
TMDQA!: Essas influências estrangeiras todas tiveram papel fundamental no álbum?
Gui: Sim, tiveram, assim como têm nas minhas composições ao longo da minha carreira. Eu ouço muito música de outros países, música oriental, indiana, chinesa, japonesa. E obviamente, o song book americano, a parte folk, além do blues e do jazz. Eu acho que encontrei nas pessoas que participaram desse disco as coisas que eu já conhecia e pude explorar com elas esse universo próprio deles. Eu quis extrair desse encontro, como artista, o que é deles. Eu queria a visão deles mesmo.
TMDQA!: Suas composições flutuam entre o Inglês e o Português. Como você imagina a construção de cada uma delas quando pega papel e caneta para escrever?
Gui: A experiência de estar fora do país, longe da nossa língua, me trouxe a possibilidade de entender o meu papel como músico e compositor, independente da minha relação com a língua. Porque antes eu não separada uma da outra. A língua sempre me pegou muito e, viver fora, me proporcionou a experiência de ser músico, independente da poética. E isso, com certeza, foi para o papel na hora de compor. Não foi uma coisa imaginada ou programada, foi natural.
TMDQA!: Como você descreveria o seu som para alguém que nunca ouviu as canções?
Gui: Eu vou ser ousado e dizer que é música para viajar (risos).
TMDQA!: O mundo está passando por um período complicadíssimo, em todos os lugares. Qual você acha que é o papel da arte em momentos como esse? Como você entende que uniões globais como essas que você escancara no álbum podem dar uma resposta ao momento separatista e de tanto ódio em que vivemos?
Gui: Acho sim que o mundo está passando por um momento muito complicado e delicado de intolerância. As pessoas não sabem viver junto aos diferentes, não aceitam o outro. E isso tem a ver com o quão fracionada e homogênea, ao mesmo tempo, é a nossa visão e o nosso entendimento dentro desse novo parâmetro de realidade virtual. Estamos alienados a uma realidade empírica. Eu acho que o papel da arte, no entanto, é não ceder.
Eu me senti compreendido pelas pessoas com quem convivi e gravei lá. Isso é tolerância. É uma maneira de resistência, de que não precisa ser violento e inflamado, contrário uns aos outros. A arte deve tentar sempre ser o norte.
TMDQA!: Falando sobre canções e elementos especificamente, quais delas no EP você acha que não teriam o mesmo resultado se não fossem as colaborações todas em estúdio?
Gui: Eu não sei dizer. Seriam completamente diferentes, eu acho. O disco é fruto da ocasião. Mas não sei te afirmar com certeza. Sou feliz com o resultado, pela maneira como se deu também.
TMDQA!: Você tem mais discos que amigos?
Gui: Eu tenho muitos discos, CDs. Acabei de vir para São Paulo e deixar caixas e mais caixas de discos em BH. Só trouxe alguns discos de vinil favoritos. Mas eu sou feliz em dizer que tenho mais amigos que discos. Eu tenho amigo pra caralho (risos).