Entrevistas

Tivemos uma das conversas mais sinceras com o Samiam, que vem ao Brasil novamente

Sergie Loobkoff, guitarrista do Samiam, falou sobre os quase 30 anos da carreira da banda que se tornou grande no underground e pequena no mainstream.

Sergie Loobkoff, do Samiam
Foto por Aaron Farley

Ao final dos anos 80 e início dos anos 90 uma região da Califórnia estava passando por um dos momentos mais interessantes da história do Punk Rock.

Mais especificamente na Bay Area, que abrange cidades como Berkeley, Oakland e San Francisco, grupos estavam se formando e pouca gente sabia que alguns deles, como Green Day e Rancid, se tornariam dos mais influentes nos anos seguintes.

Em 1988 uma dessas bandas a aparecer na frutífera Bay Area foi o Samiam, que contou com figuras da cena para apostar em uma sonoridade bastante particular, que não se encaixava no pop/punk, não era entendida como punk rock puro e simples e também não era catalogada como rock alternativo.

Essa mistura de elementos fez com que o grupo se tornasse um dos mais interessantes (tendo o Green Day como banda de abertura em alguns shows, por exemplo) mas também um dos mais difíceis de se compreender e divulgar, o que trouxe problemas quando o grupo foi para uma grande gravadora.

Nos próximos dias o Samiam desembarca mais uma vez no Brasil para fazer shows no Rio de Janeiro (04 de Novembro com Menores Atos e Plastic Fire) e em São Paulo (05 de Novembro com Bad Religion, Dead Fish, Pegboy e mais).

No Rio de Janeiro, inclusive, a banda fará um meet & greet gratuito no dia 03 de Novembro, a partir das 20 horas, no Caverna (R. Assis Bueno 26, em Botafogo).

Antes dos shows nós conversamos com o guitarrista Sergie Loobkoff, um dos fundadores do grupo, e ele foi bastante sincero sobre as várias questões que envolvem a banda nesses quase 30 anos de carreira.

Veja nosso bate papo exclusivo com o cara logo abaixo.

 

TMDQA!: Vocês estão na estrada desde 1988. Não são muitas as bandas que chegam aos 30 anos de carreira e o Samiam está quase lá. Você imaginava que estaria tocando ao redor do mundo após três décadas? Como se sente a respeito?

Sergie Loobkoff: Não, eu jamais poderia ter imaginado. Essa banda começou comigo bêbado esbarrando no Jason [vocalista da banda] e perguntando se ele queria iniciar um grupo em uma festa. Poderia facilmente nunca ter acontecido. Como eu me sinto? Principalmente eu me sinto velho (risos). É um lance estranho, porque com a maior parte das bandas que estão por aí há décadas, eu normalmente perco meu interesse nelas… ou pelo menos perco o interesse nos seus últimos discos. Por exemplo, eu não ouvi nenhum disco novo do Bad Religion nos últimos 15 anos apesar de amá-los. Não é que eu tenha uma atitude negativa em relação à formação atual da banda ou como eles se parecem mais velhos… é só que nunca me atraiu. Um catálogo vasto é difícil de ser acompanhado de perto. Então quando eu penso no Samiam… eu acho que estamos tocando tão bem ou até melhor do que nunca, mas eu entendo que há muita gente que não está nem aí para o que temos feito na última década. Eu entendo essa dinâmica, então é meio estranho. É claro, temos uma base de fãs bem leal também, então é maravilhoso. Mas com todos os benefícios de estar nessa banda, há alguns sentimentos agridoces também. Posso te dizer, há algumas bandas antigas que ainda me impressionam tanto quanto no início, como o Dinosaur Jr. por exemplo. Eu tenho todos os discos, cada um dos álbuns solo do Mascis também… e eu o acompanho toda vez que ele aparece por aqui.

 

TMDQA!: A indústria da música mudou muito desde que vocês começaram a fazer shows e lançar seus discos. Você acha que a Internet fez da música algo melhor?

Sergie: Sim, ficou melhor. E talvez para várias bandas menores que hoje alcançam pessoas que não atingiam na era pré-Internet. Eu definitivamente consigo ver como a Internet é uma coisa boa partindo dessa perspectiva. Para a minha vida, apesar disso, tem sido algo ruim, pelo menos financeiramente. E não é uma história cheia de lágrimas, estou bem. Às vezes eu penso, como um designer gráfico e músico, a vida nos anos 90 era uma delícia em termos de dinheiro. Eu nunca fui rico, mas vivia confortavelmente e comprei uma coisa com o dinheiro do Samiam e com o dinheiro de fazer artes para bandas, sem trabalhar muito. Agora em 2017 eu preciso de um emprego normal porque é muito difícil para alguém se sustentar através da indústria da música. Pelo menos pra mim é difícil. Mas novamente, não quero soar negativo. A vida vai bem!

TMDQA!: O Samiam sempre foi associado com o movimento emo e agora parece que há um revival do gênero com várias novas bandas lançando grandes discos e bandas antigas retornando à ativa também. Vocês ainda são influenciados por essa cena? Você tem seguido o que vem acontecendo e ouvindo novos discos de emo?

Sergie: Pessoalmente eu gosto de algumas bandas novas como Citizen, Turnover, Basement, The Sidekicks, etc. Eu acho que elas são ótimas. É legal porque pela maioria dos anos 2000 eu odiava o que vinha acontecendo: pop punk comercial e aquele lance screamo/metal. Eu realmente estava me sentindo um tiozão porque me pegava odiando tudo que ouvia. É ótimo que exista essa molecada ouvindo uma variedade imensa de influências quando começam as suas bandas. Houve um tempo em que eu achava que todas as novas bandas só ouviam Blink-182 e NOFX e tentavam copiar isso. Ou ouviam Heavy Metal de shopping e tentavam emular esse som. Quanto ao resto do pessoal no Samiam, eu acho que Chad, o baixista, é bastante ligado no que acontece nesse estilo. Mas o resto dos caras podem estar desinteressados em bandas mais novas desse tipo. O lance legal do Samiam é que todos nós ouvimos músicas muito diferentes de períodos diferentes.

 

TMDQA!: No início do ano vocês deram uma entrevista para a Noisey e disseram que “não são nada”, porque as pessoas não conseguem colocar a banda em uma categoria específica então seus discos não aparecem nas listas de melhores álbuns de emo, nem de skate rock ou de indie rock. Como você descreveria o som do Samiam e por que acha que as pessoas têm tanta dificuldade em defini-lo? Você acha que isso teve um impacto negativo na carreira do grupo, principalmente quando veio o contrato com a major Atlantic?

Sergie: (Risos) É engraçado que alguém diga uma palavra como “nada” e de repente isso vira o título de uma matéria. É verdade que o Samiam nunca foi abraçado por um gênero específico e eu acho que isso nos atrapalhou em termos de popularidade. Mas em uma perspectiva criativa, eu acho que é bom. Para o bem ou para o mal, somos bem ecléticos. Quero dizer, ainda soamos apenas como guitarras e bateria para o ouvinte comum, mas se você passar um tempo para entender o que fazemos, eu gosto de imaginar que somos bastante únicos. E, sim, eu acredito que ser uma banda única nos atrapalhou. Com certeza confundiu a Atlantic e eles não souberam como comercializar o nosso álbum. Se nós soássemos mais como um estilo definido, algo já consolidado, eles saberiam que tipo de público mirar e talvez a gente tivesse alcançado mais sucesso.

Mas estamos bem felizes com as nossas conquistas e o motivo pelo qual continuamos é porque não reconhecemos os nossos “fracassos” como “fracassos”. Obviamente não somos tão populares como outras bandas (e não ganhamos o mesmo dinheiro, risos) mas não importa tanto assim. Estar no Samiam é recompensador e divertido.

TMDQA!: Muita gente aqui no Brasil passou a seguir o Samiam por causa do disco “You Are Freaking Me Out” (1997), lançado aqui no Brasil pela Highlight Sounds. Eu, pessoalmente, virei fã e comecei a vasculhar a carreira da banda por causa disso. Como foi lançar o disco anterior [“Clumsy”] por uma major, participar de coisas enormes como a turnê do Green Day para divulgar “Dookie”, excursionar, e aí voltar para o underground onde vocês escreveram o álbum? Parece que tudo isso deixou a banda ainda melhor. Que memórias vocês têm desse período?

Sergie: Eu posso te dizer uma coisa, não tenho nenhum arrependimento em nossa decisão de assinar com uma grande gravadora. É lógico que acabou não dando certo no final, mas fizemos turnês enormes, tocamos nas rádios, programas de televisão e foi divertido. Além disso eu consegui comprar uma casa quando estava nos meus vinte e poucos anos de idade, o que é bem difícil com um emprego convencional. Eu olho para trás e houve vários momentos decepcionantes, mas na maior parte do tempo foi um período bem empolgante das nossas vidas. No lado criativo, eu acho que “Clumsy” [disco lançado pela Atlantic em 1994] marcou um grande passo para nós, principalmente por conta do produtor, Lou Giordano. Ele nos ensinou muito em termos de composição, de como tocar e o que é importante ao criar novas músicas. Antes disso nós éramos um grupo de compositores que não estavam concentrados. Eu também me lembro de ser bem próximo dos meus colegas de banda enquanto excursionávamos, excursionávamos e excursionávamos. Eu costumo dizer que o Samiam terminou em 2000, mesmo que a gente nunca tenha “parado” de fazer shows e ainda tenha lançado mais dois discos. Isso porque foi quando a banda basicamente voltou para a garagem. A banda deixou de ser o foco principal das nossas vidas e voltou a ser um hobby que cresceu demais.

https://www.youtube.com/watch?v=ZVPSnrE8cz8

TMDQA!: Após “Astray” (2000), que também é um ponto alto na carreira da banda, vocês voltaram seis anos depois com “Whatever’s Got You Down”, e esse álbum não foi bem recebido pelos fãs. Vocês inclusive chegaram a lançar uma segunda versão do disco com nova mixagem e masterização. Qual foi a ideia por trás desse álbum e como você se sente com o resultado?

Sergie: 11 anos depois eu sinto que esse disco é uma grande coleção de músicas. Na época eu estava tão frustrado por discutir e ficar desapontado com o som que eu achei que tudo era ruim. Eu sei que muita gente não consegue aceitar a qualidade de som da gravação e acha que é tudo uma merda. A versão mixada novamente soa mais “normal” mas não é realmente melhor, é “diferente”. Pessoalmente eu sinto que o disco original, mesmo que estranho e barulhento, soa melhor. Eu acho que me sinto da mesma forma quanto aos discos de punk dos anos 80: eles soam como merda mas eu não queria que nada mudasse. Como se Bob Mould regravasse o “Zen Arcade” [disco do Hüsker Dü] com equipamentos modernos e tocando melhor. Bem, seria pior. O Suicidal Tendencies regravou suas primeiras músicas e eu acho que todo mundo concorda que as versões são bem, bem piores. É o que é e está tudo bem. Na Europa, nessa época, estávamos aproveitando o pico do nosso sucesso em 2006. E esse álbum definitivamente nos fez derrapar. O que posso dizer, estragamos tudo (risos).

TMDQA!: “Trips”, lançado em 2011, parece ter uma coleção de músicas que nos levam de volta ao final dos anos 90 e início dos anos 2000. Você se sente assim com esse disco? Na minha opinião ele tem algumas das melhores músicas da banda desde “Clumsy”, com uma vibe de rock alternativo incrível.

Sergie: Eu gosto do fato de que esse disco foi uma declaração de que ainda poderíamos gravar um disco “profissional” e que conseguíamos nos organizar. Foi muito divertido de fazer e nos demos muito bem. Jason e Sean (que são bem próximos na direção da banda) escreveram algumas músicas que eu senti que eram incompatíveis com as expectativas dos fãs… enquanto em tentei manter a fórmula do Samiam. Eu digo isso para o bem e para o mal.

TMDQA!: Já são seis anos desde que vocês lançaram esse último álbum e não parece que há um novo no horizonte, então serão pelo menos 8 anos entre “Trips” e um possível novo disco, o que marca o período mais longo entre lançamentos na carreira do Samiam. Quais são os planos para o futuro? Como vocês irão celebrar os 30 anos de carreira em 2018?

Sergie: Após essa turnê pela América do Sul não temos planos, o que é bem comum com essa banda. Qualquer coisa pode acontecer ou pode não acontecer nada. Quanto a um novo disco, tudo está nas mãos de Jason. Em 2015 Sean e eu escrevemos bastante coisa e coordenamos a gravação de uma demo que fizemos em Chicago no período do Riot Fest. Infelizmente o instrumental está gravado para quatro músicas mas Jason ignorou tudo isso e não escreveu nenhuma letra nem gravou nada para as canções. Antigamente isso teria me deixado irritado e eu me sentiria desrespeitado (risos). Mas estou mais velho, entendo que ele tem dois filhos e outros interesses na vida, então deixo tudo isso passar e não fico forçando. Não sou mais uma “cheerleader” do Samiam. Se ele quiser gravar um disco, estou aqui. Se não quiser, tudo bem.

Como resultado disso, entretanto, estou concentrando as minhas energias em uma nova banda chamada Racquet Club. Gravamos um álbum do qual tenho muito orgulho e a minha necessidade de ser criativo está satisfeita. Apesar de ter várias músicas não finalizadas dando sopa aqui (risos). O Racquet Club irá tocar no Brasil com o Hot Water Music em Dezembro!

TMDQA!: Vocês vieram ao Brasil algumas vezes e irão tocar aqui novamente. Como é para o Samiam se apresentar por aqui? Que memórias você tem desses shows?

Sergie: Nossas viagens à América do Sul estão entre as nossas lembranças favoritas. Grandes públicos, comida ótima e principalmente as pessoas. Nós fomos a primeira vez em 2003 ou algo perto disso e foi muito bom. Fizemos amigos para a vida inteira. Cesar, dono da Highlight Sounds, fica na minha casa todo ano há muitos anos. Eu posso dar crédito ao Samiam por essa amizade. Um dia eu gostaria de ver uma capivara, mas até agora só vi o cocô delas e bolhas de ar na água. Decepcionante.

 

TMDQA!: Nosso site se chama Tenho Mais Discos Que Amigos, e nós acreditamos que a música pode ser nossa melhor companheira nos momentos bons e ruins. O mundo está bem doido agora e estamos passando por tempos difíceis em todo lugar. Que discos têm sido seus amigos recentemente?

Sergie: Eu sempre volto aos Beatles, The Zombies, Elliot Smith, Nick Drake, Sonic Youth e Jimi Hendrix ou Led Zeppelin. Mas ainda amo Minor Threat, Bad Brains, Snapcase e muitas coisas do tipo. Então quando você achar que o Samiam é velho e tosco, ainda conseguimos recuperar aquela atitude “punk agressiva”. Só que não tão bem quanto pessoas de 20 e poucos anos.

Obrigado pela entrevista e nos vemos em uma semana!