O ano de 2017 foi bem importante para o Dropkick Murphys. Em primeiro lugar, a lendária banda de punk celta de Boston, Massachussets, lançou seu novo disco de inéditas, o ótimo 11 Short Stories of Pain & Glory. Com ele, surpreendeu a todos e debutou em 8º no ranking da Billboard – com distribuição independente e numa época dominada pelo hip hop. Além disso, 2017 também marcou os 21 anos na ativa do grupo e, para completar, a segunda passagem dos norte-americanos pelo Brasil: desta vez em turnê, excursionando por três cidades (Rio de Janeiro, São Paulo e Curitiba) nos dias 27, 28 e 29 de outubro. Antes, eles haviam aterrissado apenas em São Paulo, em 2014, para apresentação única – e uma subsequente data extra anunciada após os ingressos terem se esgotado rapidamente.
Contando com Ken Casey, Matt Kelly, Al Barr, Tim Brennan, James Lynch e Jeff DaRosa, além de Lee Forshner (ainda membro não oficial da banda), na atual formação, o Dropkick Murphys demonstra não ter perdido o fôlego após tanto tempo de estrada. Pelo contrário, os veteranos continuam entregando performances enérgicas e viscerais ainda mais potentes que sua versão em estúdio – o grande trunfo do grupo – e mostrando a cada oportunidade que são muito mais que “Shipping Up To Boston”, faixa que os trouxe ao mainstream por integrar a trilha sonora de “Os Infiltrados” (2005), de Martin Scorsese.
Para abordar este assunto e alguns outros, como aspirações, indústria da música, bandas favoritas e até política, conversamos há algumas semanas com o baterista Matt Kelly e o papo você confere logo abaixo.
TMDQA!: O Dropkick Murphys existe há 20 anos. Como é viajar o mundo há tanto tempo e permanecer tocando por aí faixas novas e antigas que têm sido tão bem recebidas pelo público?
MK: Nos sentimos extremamente sortudos por poder tocar as músicas dos últimos 20 anos e ter fãs que realmente enlouquecem com elas. Às vezes vejo a galera lá na frente (ou no ar, pulando do palco) cantando todas as músicas do nosso set, não importa de qual álbum seja. Isso é motivo de orgulho e honra para nós.
Eu sei que muitas bandas tocam canções de um ou dois álbuns e todos os outros são tolerados pelos seus fãs… pra gente, é muito gratificante o fato dos nossos admiradores amarem todos os nossos discos, independente da variedade de som e rapidez. Nós somos muito gratos.
TMDQA!: Exceto por Going Out in Style, que estreou em sexto na Billboard Hot 200, seu álbum mais recente, 11 Short Stories of Pain and Glory, foi o projeto mais bem posicionado no ranking oficial dos Estados Unidos até então. Como é lançar música de maneira independente nos tempos atuais e ainda sim fazer sucesso? Levando em consideração marcos importantes para a música indie, como o Science Fiction, do Brand New, debutar em primeiro lugar este ano, o que você acha dos novos modelos de distribuição de música (especialmente relacionados a internet e streaming)?
MK: Nós sempre fomos uma banda de turnê, desde o começo. Nós conseguimos continuar fazendo isso devido aos nossos shows – não às vendas de discos… Nunca foi assim pra gente. Se estivéssemos em sexto na Billboard há 20 anos, quando as pessoas ainda compravam álbuns físicos, talvez fôssemos ricos ou algo assim, mas eu acho que ainda assim estaríamos cientes que nossas performances ao vivo são o que as pessoas esperam da gente.
Acho que isso ajuda… Mesmo atualmente, onde tudo está no YouTube ou é de graça/roubado em sites de streaming, o que não pode ser replicado ou substituído é o set que tocamos ao vivo.
Nós tocamos sets diferentes em cada cidade, então você nunca sabe qual música você irá ouvir de nós naquela noite. Acredito que seja intrínseco ao nosso sucesso manter as coisas frescas e excitantes no palco. O que eu odeio é ver uma banda e depois de um ano vê-la novamente e poder falar entre as faixas porque as falas são exatamente as mesmas todas as noites.
TMDQA!: Vocês passaram por várias fases da música e muitos disseram que o mp3 e os downloads ilegais quebraram a indústria – e que ela ainda está descobrindo novos meios de prosperar. Como você vê todas essas ferramentas e possibilidades que se abriram aos novos artistas quando a internet se tornou democrática como a TV e o rádio? Você acha que isso tornou tudo mais “real” e que as bandas e artistas que estão pelo mundo afora são realmente aqueles que amam música e não ligam pro sucesso comercial?
MK: Não realmente – é apenas um novo obstáculo para as bandas superarem. Antes, a ideia era enviar uma faixa para uma gravadora e então eles assinariam um contrato com a sua banda. Agora, é entender como viralizar uma canção na internet para todos ouvirem. No fim das contas, é a mesma coisa.
TMDQA!: Se você tivesse que recomendar 3 bandas/artistas para o seu público, quais você escolheria? O que você anda curtindo e pensando “é isso! Esse som deveria ser conhecido por muito mais gente!”?
MK: Rixe, da França; Boston Strangler, de Boston e Crown Court, de Londres. Todas bandas excelentes e se você ainda não as conhece, DEVERIA procurá-las. Bandas incríveis e ótimas pessoas.
Além deles, os amigos do The Templars, de Nova York, acabaram de lançar um novo álbum, Deus Vult. Ouçam!
TMDQA!: Você é parte do Dropkick Murphys basicamente desde o início e, como membro de um grupo punk, naturalmente viveu diferentes eras na política e se manteve fiel às suas crenças, usando a música como sua maior arma. Você, como um músico influente, se sente responsável por isso, como se houvesse uma mensagem social importante e necessária a ser passada a diante?
MK: Eu acho que soa pretensioso quando uma banda tenta, digamos, forçar a barra e pregar às pessoas. Nós sempre tentamos usar nossas ações, e não palavras, para mostrar o que fazemos e o que acreditamos.
Pra gente, a música vem em primeiro lugar e não uma agenda política.
TMDQA!: Como você encara o atual cenário político, especialmente nos EUA com Trump e essa onda de conservadorismo que está consumindo o mundo? Como isso afetou suas músicas, seu desejo de se apresentar ao vivo para os fãs e também sua energia no palco?
MK: Acho que nosso último presidente foi uma piada; um líder ineficiente e impotente, mas carismático. Nosso atual é uma vergonha e parece trocar os pés pelas mãos frequentemente, mas apenas o tempo dirá como será seu legado.
TMDQA!: Se ainda existe algo que você quer conquistar como músico e baterista, o que seria? Talvez uma parceria inusitada, uma participação em algum festival específico ou um projeto paralelo em outro gênero?
MK: Pessoalmente, eu só gostaria de me tornar um baterista melhor, mais articulado e mais completo. Eu gostaria de tocar muito bem e com competência a maior quantidade de ritmos que eu puder.
No Dropkick Murphys, eu gostaria de continuar nossa trajetória musical e criar quantos ótimos álbuns nós pudermos.
TMDQA!: É impossível falar com você e não pensar no hit “I’m Shipping Up To Boston”. Como a música surgiu, primeiramente? Te incomoda que ela é veiculada em todos os tipos de publicidade e iniciativas midiáticas ou você se sente honrado pelo sucesso?
MK: A canção foi inicialmente um whistle riff tocado nos bastidores de um show em Madrid, na Espanha, em 2001. Na ocasião, colocamos guitarras e bateria nele, e decidimos os diferentes instrumentos que poderiam sustentar a melodia. Gravamos uma demo instrumental (acredito que para a compilação Give ‘Em The Boot). Alguns anos depois, após obtermos a autorização para utilizar algumas letras nunca aproveitadas do espólio de Woody Guthrie, encontramos um pedaço de papel com cinco linhas escritas por ele: “I’m a sailor peg/and I’ve lost my leg/Climbing up the topsails/I lost my leg/I’m shipping up to Boston”. A letra implorava para ser usada por uma banda de Boston, então achamos que encaixava perfeitamente naquela versão instrumental – que acredito ter sido originalmente batizada de “Brave Sir Robin” como piada, em homenagem a um personagem de Monty Python’s Holy Grail.
TMDQA!: Se você pudesse escolher um dos seus álbuns para ser executado na íntegra num show, qual deles seria e por que?
MK: Talvez Sing Loud, Sing Proud, porque é um mix dos nossos estilos mais antigos e do novo.