Em 2013, Lorde causou um forte estrondo na indústria da música ao lançar seu primeiro álbum de estúdio com apenas 16 anos de idade.
Pure Heroine tinha todas as marcas de uma artista promissora: letras confiantes e inteligentes, uma sonoridade refrescante se comparada à de outros discos de pop da época e, principalmente, a personalidade da cantora desafiava o status quo envolvendo a indústria do pop.
Afinal, Lorde não se esforçava em tentar ser uma modelo, não se preocupava em parecer um tanto “excêntrica” e, principalmente, não trabalhava com uma multitude de produtores e compositores para escrever cada uma de suas canções — uma característica popular entre artistas do gênero, para o melhor ou para o pior.
No entanto, algo ainda faltava em Pure Heroine. Em meio a todo o potencial, algumas partes do disco ainda soavam um tanto maçantes devido à constante “pregação” de Lorde contra a hipocrisia da sociedade — a cantora queria estar “acima de tudo”, mas o resultado acaba se desconectando com a realidade em momentos onde as vagas menções a desafetos acabam perdendo força.
Ainda assim, o álbum causou um forte impacto. Lorde conquistou Grammys e elogios de pessoas como David Bowie, que a classificou como “o futuro da música”, uma compositora com um potencial imenso. Agora, a cantora tentou fazer todos esses elogios valerem a pena com Melodrama, o nosso álbum do ano.
Em uma primeira instância, o disco chegou a colocar muitas pessoas em estado de alerta. O tom altamente comercial do primeiro single “Green Light” acabou deixando céticos os fãs que admiravam tanto a originalidade de Pure Heroine. Mas mesmo testando a mão com um tradicional hit pop, a artista ainda embelezou a faixa com seus próprios toques.
Dada a devida atenção, é surpreendentemente difícil encontrar canções pop de sucesso que tomam tantos riscos quanto “Green Light”. A completa troca da progressão de acordes no pré-refrão, a escolha de sacrificar algumas rimas para que a letra tenha um tom mais pessoal e a ousadia das inflexões vocais em alguns versos são todas marcas daquela tímida cantora neozelandesa de dezesseis anos, que agora, com seus vinte anos, sente a necessidade de demonstrar todas as suas experiências de vida desde sua ascensão à fama.
Essa marca está presente e espalhada ao longo de todas as músicas de Melodrama. Lorde ainda dá um aceno aos fãs de seu primeiro disco com músicas mais minimalistas, como “Sober” e “Hard Feelings”, mas não tem medo em revelar bombásticos hinos como “Supercut” e “Perfect Places”, faixas que possuem todas as marcas de uma canção pop, mas sempre apresentando aquele tom de personalidade que muitas vezes se perde quando você compõe um hit com uma grande equipe de pessoas.
No final das contas, esse é o grande trunfo de Melodrama: Lorde soa sincera, em um nível muito acima do que já havia feito anteriormente. A honestidade de canções como a belíssima balada “Liability”, ou então a melancolia destruidora de “Writer In The Dark” retratam o lado mais vulnerável da cantora — algo que não havia sido alcançado com essa maestria em seu trabalho anterior.
Todas as experiências de vida nesses últimos quatro anos deixaram Lorde mais modesta. Enquanto em Pure Heroine a cantora tentava falar por toda uma geração de jovens deslocados, Melodrama faz um trabalho muito melhor em se comunicar com esse público, que vê em suas letras uma pessoa que passa pelas mesmas situações, pelos mesmos problemas pessoais.
Tudo isso é auxiliado por uma produção muito interessante. Para esse novo trabalho, a cantora uniu forças a Jack Antonoff, um dos novos nomes do pop que vem conquistando muitos elogios ao colaborar com pessoas como St. Vincent, Taylor Swift e outros artistas do gênero.
Ao invés de apostar novamente no som minimalista e ambiente do seu primeiro disco, Lorde revelou, em diversas ocasiões, que queria que seu novo álbum fosse um retrato de seus “anos dançantes”. Para isso, as batidas possuem uma nova cara, seja o impacto direto de canções como as mencionadas “Green Light” e “Perfect Places”, ou então a beleza subversiva de canções como “Homemade Dynamite” que, com seus sintetizadores e batidas assíncronas, revela uma forte inspiração no trabalho de produtores como Jai Paul — uma grande influência para a cantora.
Aliás, diversas influências estão definitivamente espalhadas pelas onze músicas do disco. Em “Loveless”, por exemplo, o sample da voz que fala “What is this tape? / This is my favorite tape” no começo é de Paul Simon, mencionado inúmeras vezes pela artista como um de seus maiores ídolos. “The Louvre”, por outro lado, mistura o melhor das guitarras de uma canção power pop com o toque do produtor de eletrônica Flume, em uma combinação que poderia dar muito errado, mas que por algum motivo acaba funcionando perfeitamente.
Existem muitas razões para que Melodrama soe como uma evolução natural de seu antecessor. O disco vem recebendo elogios unânimes da crítica não apenas por aparentar ser um clássico instantâneo da música pop, mas também por apresentar um crescimento impressionante de Lorde como artista. Todas as áreas onde ela já se destacava parecem estar ainda mais polidas — as letras evoluíram drasticamente, e a música acompanhou as mudanças pessoais que a jovem encarou desde que conquistou fama mundial.
No geral, o estilo de Melodrama pode não agradar os fãs mais puristas, mas seria completamente decepcionante se o segundo álbum de estúdio da cantora fosse apenas uma “cópia melhorada” de Pure Heroine. Lorde evitou todas as armadilhas de um segundo disco de estúdio com leveza e honestidade, e acabou criando um trabalho que ressoa com milhares de jovens ao redor do mundo, que a veem como um retrato de suas próprias incertezas, qualidades e defeitos.
Em um mundo onde esses mesmos jovens podem possuir incertezas em relação às escolhas que as pessoas mais “adultas” vêm tomando, nada mais justo que o álbum do ano seja um reflexo de alguém que partilha dos mesmos pensamentos e experiências.