Se você é do Rio de Janeiro e frequenta as praias, a chance é grande de já ter esbarrado em alguma apresentação do grupo Beach Combers. Cariocas da gema, o trio formado em 2009 e atualmente composto por Bernar Gomma (guitarra), Lucas Leão (batreria) e Paulo Emmery (baixo) está lançando hoje (26) o seu mais novo álbum, Beach Attack.
O grupo é conhecido por suas músicas instrumentais que viajam entre a surf music e o garage rock com uma pitada de rock psicodélico. Mas não é só isso que destaca os integrantes. Aliás, não é toda banda que se apresenta no calçadão da praia com roupas combinando – e sempre nas cores vermelho e branco.
E, vale dizer, os rapazes vivem um grande momento. Em 2016, lançaram o álbum Ninguém Segura os Beach Combers, que rendeu apresentações em programas do Canal BIS e da Rádio MEC.
Após tudo isso, o grupo se mostra ainda mais amadurecido e o novo álbum apenas confirma isso. Inspirados principalmente pela rua, onde fazem grande parte de suas apresentações, os caras mostram que o novo disco faz parte de uma evolução constante na sua sonoridade.
Beach Attack foi feito através de financiamento coletivo, mas de uma forma não muito convencional. Qualquer contribuição é bem vinda, conforme explicam no evento oficial do financiamento. Os pacotes promocionais incluem desde fitas cassete até shows particulares.
E um ano grande está por vir. No próximo sábado (27), os Beach Combers farão a estreia ao vivo do disco no Circo Voador, prestigiada casa de shows carioca, onde dividirão o mesmo palco com o Barão Vermelho. Além disso, a banda já está confirmada no consagrado festival Psicodália, que acontecerá entre os dias 9 e 14 de Fevereiro.
Tem mais um pequeno detalhe também. Para quem não lembra, durante a época do Rock in Rio, o grupo virou notícia por ter se apresentado na praia do Arpoador, no Rio, com a participação inusitada de Zak Starkey, baterista do The Who.
Conversamos por telefone com Bernar e com Lucas. De forma leve e bem humorada, os meninos contaram detalhes sobre o novo álbum. Falaram também sobre como é dar a cara a tapa com músicas autorais a céu aberto, suas influências, música instrumental e mais.
TMDQA!: Eu já assisti a apresentações de vocês no Arpoador e em outras praias, e quero muito agradecer pelo o que ouvi e vi. E a questão da identidade visual me fazia lembrar de vocês facilmente. De onde surgiu a ideia desses “uniformes”?
Bernar Gomma: Então, foi o seguinte. Várias bandas que a gente se amarra usam a mesma roupa. E também tem o fato de que somos uma banda instrumental, que não tem um frontman. Não tem aquele cara que fica ali cantando na frente. Então a gente quis fazer o uniforme para deixar todos na mesma. Sem falar que acaba criando uma memória visual. Vocês vão reconhecer aquela banda que toca de shortinho vermelho.
Lucas Leão: É legal porque fica uma coisa meio “super-herói” também (risos). E a gente sempre pensa nos desenhos, nessa identidade, juntos. De tempos em tempos a gente muda, mas sempre com essas mesmas cores (branco e vermelho). A gente desenha e dá um jeito de fazer. Por exemplo, o uniforme atual nós fizemos como algo meio “jogador de futebol”. E, na procura de alguém para fazer isso, a gente acabou encontrando a costureira que fez o figurino do filme do Pelé (“O Nascimento de uma Lenda”, filme de 2016). Encaixou perfeitamente!
TMDQA!: E essa vai ser a roupa do show de sábado, certo?
Lucas: Sim!
TMDQA!: Vocês já se apresentaram no programa “Reverbera”, da Rádio MEC, e também em um programa do Canal Bis. No “Reverbera”, vocês se descreveram como uma banda de surf music, rock psicodélico e rock de garagem. Quais são as influências de vocês para puxar a banda para esses estilos?
Bernar: Cara, o som está sempre se desenvolvendo. A gente nunca fica estagnado em uma coisa só. Estamos sempre desenvolvendo o nosso som cada vez mais. Não ficamos presos só à surf music e à música de garagem. Mas é claro que, no início, a gente passou por várias fases. Começamos ouvindo muito Jovem Guarda e surf music no geral, como Dick Dale. Depois fomos para o garage rock…
Lucas: Sim, escutamos muito garage rock, como The Sonics. Aí acabamos fundindo tudo. E temos influências atuais também. Retrofoguetes, Pata de Elefante… São referências para nós.
TMDQA!: Acho que vocês lembram do envolvimento que tiveram com o Zak Starkey (The Who), lá na Praia do Arpoador. Como que se deu isso? Foi do nada que ele apareceu e começou a tocar com vocês?
Lucas: Nem a gente entendeu ainda (risos).
Bernar: Foi o seguinte, cara. A gente é super fã do The Who. É uma das nossas bandas favoritas, e a gente foi no show deles (no Rock in Rio). No dia seguinte, a gente foi tocar ali no Arpoador, e na primeira música ele viu a gente. Vi ele lá do alto do Fasano (hotel em que a banda estava hospedada no Rio) olhando pra gente. Na segunda música, ele já estava ali do nosso lado vendo o show e, na terceira música, ele estava tocando com a gente. E ele até chamou a gente para trocar uma ideia no hotel.
Lucas: Foi tudo uma parada que partiu dele. A gente estava tocando e ele foi lá. Os seguranças tinham aconselhado ele a não sair do hotel, mas ele foi mesmo assim.
TMDQA!: Para vocês deve ter sido muito importante, especialmente em termos de visibilidade.
Lucas: Rolou que eles compartilharam o vídeo na página oficial do The Who. Teve um dia em que eu acordei de manhã e, quando vi, já tinha recebido um monte de mensagens de amigos, tipo “Caraca, o Zak compartilhou o vídeo”. E eu, com remela no olho, fui lá ver e respondi. Falei que a gente ficou emocionado, comentei que tínhamos assistido ao show no dia anterior e eles responderam que agora eram fãs dos Beach Combers também. Foi tudo muito bizarro!
Bernar: E ele deu um casaco dele para o Lucas, autografado.
TMDQA!: Acabou servindo como um impulso para a carreira de vocês…
Lucas: Sim, cara! Gerou uma repercussão.
Bernar: Foi tudo fruto do nosso trabalho. Ele se identificou com a gente. Foi simultâneo.
Lucas: Ele até falou enquanto conversávamos: “It’s all about the music”.
TMDQA!: Vocês são uma banda instrumental. Qual o papel que vocês acham que a música instrumental tem hoje em dia? Qual a importância dela e como vocês acham que ela se comunica com o público?
Lucas: Eu acho que, sendo instrumental ou não, a música sempre vai ter a mesma importância.
Bernar: No nosso caso específico, de sermos uma banda instrumental que se apresenta em espaços públicos, tem uma coisa que é muito legal. A música acaba criando uma interação entre as pessoas que não existiria ali se não tivesse a música. Por exemplo, há um tempo, a gente estava tocando na Feira do Lavradio (feira popular no bairro carioca da Lapa). Tinha um morador de rua dançando, curtindo a música, amarradão. E tinha uma mãe com a filha, e a menina querendo ir lá interagir com ele. Isso nunca aconteceria numa situação normal, sabe.
Lucas: Foi uma quebra de paradigma, de barreira. E o bom de ser uma banda instrumental é que, independente do que estiver sendo tocado, a pessoa vai entender, não importa o idioma que fale.
Bernar: A música é a linguagem universal, né?
Lucas: Na rua, isso acontece bastante. As pessoas se sentem mais à vontade para chegar e falar com a gente, já que não estamos em cima de um palco e tal. E acho que o fato de sermos uma banda instrumental acrescenta nisso de alguma forma. Não sabemos se é porque a gente canta mal ou porque a gente toca muito bem, mas é isso.
TMDQA!: Nesses eventos que vocês fazem ao ar livre, onde possuem mais interação com o público e em que a galera se mostra menos tímida, vocês lembram de alguma história muito bizarra?
Lucas: Bizarro para o bem ou para o mal (risos)? Acontece de tudo, cara! A rua não tem filtro. As paradas acontecem mesmo, desde tentarem roubar o nosso chapéu até conhecer um ídolo.
Bernar: Teve uma vez em que chegou um coroa depois do show e perguntou para mim: “O que você usa como efeito de pedal?”. Então eu comecei a trocar uma ideia com ele, durante uns 30 minutos. Conversamos sobre efeitos, sobre pedais e marcas. No final, ele contou que tocava guitarra em uma banda. Eu perguntei qual era a banda e ele respondeu: “Módulo 1000”. E a gente já conhecia o som da banda, sempre curtimos muito.
Lucas: É legal também você poder proporcionar um momento legal para quem estiver passando por aí. Às vezes a gente vê o cara voltando do trabalho cabisbaixo e cansado. É legal saber que ouvir o nosso som pode dar uma animada na pessoa. A rua é isso: acontece de tudo, toda hora e de várias maneiras, com todos os tipos de pessoa ao mesmo tempo ali. Tem quem queira roubar a nossa “caixinha”, mas também tem quem queira doar uma nota de 100. Tem de tudo.
TMDQA!: O novo disco da banda, o Beach Attack, já tem até single lançado! A primeira apresentação ao vivo vai ser sábado agora (27), certo?
Bernar: O lançamento do disco nas plataformas digitais vai ser dia 26, sexta-feira, pela gravadora Deck. Mas vamos lançar também em formato físico: em fita cassete, CD e vinil. Já o show de lançamento vai ser no Circo Voador, no dia 27. A gente já está até vendendo os produtos, inclusive bolsas e camisas…
TMDQA!: E por que esse nome?
Lucas: O título do álbum reflete como os nossos shows na rua ficaram conhecidos. “Ah, olha o Beack Attack ali!”. É uma brincadeira que acabou nomeando os nossos shows. É o título do disco porque ele gira em torno desse nosso conceito “rua”, das nossas experiências tocando ao ar livre. E foi feito basicamente nesse tempo nosso de explorar, de fazer bastante coisa na rua.
Bernar: Gira em torno desse conceito. É o amadurecimento do nosso trabalho. Leva junto todas as experiências que a gente teve nessas apresentações. A gente quis deixar o disco o mais “cru” possível. Tanto que a gravação mesmo foi ao vivo. Adicionamos depois alguns detalhes extras que nas músicas, mas foi basicamente tudo ao vivo.
Lucas: A gente gravou dessa forma justamente para remeter a essa ideia de “ar livre”, e depois acrescentamos uma coisa ou outra de instrumental. Tem participações, também.
Bernar: Inclusive tem o Gabriel Guedes (guitarrista), do Pata de Elefante.
TMDQA!: Mas essas participações foram ao vivo, com vocês?
Lucas: Foram gravadas depois. Tem até o nosso fusca no disco, o Beach Móvel, que é o transporte que a gente tanto usa, onde colocamos todo o equipamento para cada um de nossos Beach Attacks.
TMDQA!: O Beach Attack, quando comparado aos discos anteriores que vocês lançaram, acrescentou à sonoridade do grupo em que aspectos?
Lucas: Então, cara. Eu acho que é um disco onde o “caldo está mais grosso”. Sabe quando você faz o feijão e, no dia seguinte, ele está mais grosso e mais gostoso, mais temperado e com mais gosto? Eu acho que tem isso em relação aos trabalhos anteriores.
Bernar: Nesse disco as composições têm mais da pegada e dos efeitos. As músicas estão mais trabalhadas.
Lucas: A gente amadureceu não só como músico, mas como pessoa também. O primeiro disco não foi lançado ano passado. Já tem um tempinho, então é inevitável certo amadurecimento.
TMDQA!: Vocês vão abrir para o Barão Vermelho no próximo sábado (27). Como é para vocês, um grupo mais conhecido por suas apresentações na rua, abrir um show de uma banda forte e com décadas de estrada, que já dominou os palcos nacionais e que é renomada até hoje?
Bernar: Eu acho que vai ser uma noite incrível. Eles são enormes dentro da história do rock nacional e merecem todo o respeito. Então, pra gente…
Lucas: A gente já tocou no Circo alguma vezes e sempre foi muito legal. Adoramos lá e eles sempre abriram as portas para o nosso som. Abrir para o Barão é uma oportunidade também de mostrar o que somos para o público deles, que não nos conhecem necessariamente.
Bernar: O próprio Guto Goffi (baterista do Barão) está conversando direto com a gente. E ele se amarra!
TMDQA!: Como se deu esse contato entre vocês e o Barão?
Lucas: A gente precisou procurar casas de show para lançarmos o nosso disco. E aí acabou rolando uma proposta do Circo, nessa data, com o Barão. Foi uma sugestão legal, em um prazo bom, já que não queríamos estender muito o lançamento do álbum. E aí acabou rolando. Sábado estaremos lá, quebrando tudo!
TMDQA!: O Beach Attack foi feito através de financiamento coletivo, certo?
Lucas: Sim, mas o nosso financiamento coletivo foi um pouco diferente. Chamamos de “artesanal”, porque não colocamos em nenhum site especializado. Fizemos de um modo mais “caseiro” mesmo. A pessoa vai lá, curte, e, caso se interesse, ela entra em contato com a gente por email e a gente detalha tudo, desde os pacotes disponíveis até a forma de pagamento. No final, a pessoa recebe o produto em casa. A gente cadastra tudo em uma planilha que temos, e fica tudo mais “orgânico”, do jeito que conseguimos fazer.
TMDQA!: E isso está dando certo para vocês? Gravando de forma independente, os custos devem sair bem caros…
Bernar: Até agora já temos umas 100 pessoas, mais ou menos, colaborando. E isso é ótimo. Mas a gente sempre achou que o verdadeiro financiamento é a galera ir lá e comprar os discos. Essa galera que contribui na rua são pessoas que realmente ajudam. A gente percebeu que poderíamos fazer assim, e está rolando. Estamos muito felizes com as contribuições e isso está sendo muito importante para nós.
Lucas: A gente agradece muito a todo mundo que colabora de alguma forma. É um processo demorado e caro, uma banda independente hoje gravar. Desde a gravação efetivamente, até a produção, a mixagem… São processos demorados e caros que são difíceis para uma banda independente custear.
TMDQA!: Como vocês veem o cenário independente atual no Brasil?
Bernar: Do caralho, mesmo. Várias bandas fodas, dos mais diversos estilos. Eu acho que a única dificuldade que a gente tem é a atenção.
Lucas: A gente não consegue alcançar um público tão grande. Mas a galera dessa cena é uma galera que a gente vê que põe a mão na massa e que realmente faz acontecer.
Bernar: As bandas são muito boas, e a própria galera movimenta as paradas. É uma galera nova chegando que está vindo com tudo. Eu acho que tem que fazer mesmo! É aquilo: se não tiver como fazer, a gente inventa!
TMDQA!: Só para finalizar: Vocês têm mais discos do que amigos?
Bernar: Com certeza! (risos). Por sinal, a gente gosta muito do site também!