Batemos um papo com o rapper Rashid sobre seu novo disco, "Crise"

Conversamos com Rashid sobre seu último lançamento, o projeto "Em Construção", o mercado atual para o rap e muito mais. Leia!

Foto: Elias Mast
Foto: Elias Mast

Grande nome da cada vez maior cena do rap nacional, Rashid lançou Crise, seu segundo álbum de estúdio, em Janeiro deste ano.

Meses antes do lançamento, o cantor divulgou o projeto Em Construção onde lançou 8 singles, todos disponibilizados em seu canal do YouTube, que depois se transformaram no disco — que você pode ouvir ao fim desta publicação.

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Recentemente, conversamos com o músico sobre o que o levou a trabalhar com o lançamento de singles, o mercado atual para o rap e muito mais!

Confira:

TMDQA!: Crise tem um nome emblemático, tanto para o período em que vivemos como sociedade quanto para as nossas questões interiores, sempre tão afetadas pela vida moderna, seus smartphones e a Internet. Como surgiu a ideia desse título e como ele se relaciona com o momento que você vive agora?

Rashid: Tem uma ligação com o momento político e econômico do país, claro, mas é mais sobre o que isso causa em nós, enquanto indivíduos. As músicas do disco, tem um fio que as liga, que é o fato de um som contrariar o outro. A gente costuma fazer isso durante a carreira, quando num disco tem uma música que diz que a vida é linda e no outro, um som que diz que a vida é uma merda. No “CRISE”, eu quis trazer essas pequenas contradições e variações de estado de espírito, de uma forma mais nítida e assumida. Músicas como “Sem Sorte” e “Se Tudo Der Errado Amanhã” que são totalmente opostas. Todas as 10 ali tem seu contraponto, umas até com a leitura que as pessoas faziam de mim enquanto artista.
São as crises humanas.

TMDQA!: O álbum é uma coleção de músicas já lançadas anteriormente como singles e algumas inéditas. Como nasceu o conceito do álbum e como foi o processo todo de lá pra cá? O formato de álbum te agrada ou você prefere disponibilizar suas músicas single a single?

Rashid: Essa ideia de lançar música por música, todo mês e já com clipe, nasceu de vários estudos que a Daniela Rodrigues (minha esposa e empresária) e eu fizemos durante o fim de 2016. Lemos bastante material sobre o poder dos singles nas plataformas de streaming, a força das playlists e toda essa nova forma de consumo de música. A partir daí, resolvemos tentar fazer esse experimento pra entender se era daquela forma realmente, como diziam as pesquisas, como nosso público receberia essa enxurrada de lançamentos e qual efeito isso teria na nossa carreira. O desafio maior era manter os prazos, já que fiz cada música do zero. Não tinha nada na gaveta. Compor uma música, gravar, mixar e masterizar enquanto do outro lado você filma um clipe, alguém edita, faz a cor, finaliza e a gente lança. Todo mês. Foi uma correria extrema, mas foi uma experiência incrível e o resultado foi melhor ainda.

Acredito que todo artista que mira uma carreira longeva, precisa parar em algum momento pra fazer aquele “álbum dos sonhos”, mostrar que consegue criar essa obra. Mas é necessário também estar atento as formas de consumo da música, se atualizar e ser resiliente. Não dá pra passar a carreira lançando uma música por mês, mas acho que é legal manter uma frequência (não exata) de lançamentos mesmo entre um álbum e outro. Isso te mantém perto das pessoas. Fato é que você não pode “sumir”, pelo menos não no início da carreira.

TMDQA!: Há muitas participações especiais nesse disco e você chamou gente para cantar, para tocar, para produzir. Conceber e registrar um projeto envolvendo tanta gente é uma tarefa complicada. Como foi coordenar tudo para que ficasse da maneira que você queria e para que a mensagem de coesão, de um disco, e um conjunto formando um todo fosse transmitida?

Rashid: Em relação ao número de pessoas trabalhando no disco, posso dizer que foi até mais fácil que no nosso álbum anterior, porque o Crise veio em doses homeopáticas, então era sempre um time fechado trabalhando em cada single. No montante, entre produtores, participações, instrumentistas e diretores dos clipes, o número de pessoas até assusta. Mas foi tranquilo. Quando a gente partia pra terminar um single, eu já tinha tudo desenhado em mente. Fomos seguindo à risca o planejamento e deu tudo certo.

TMDQA!: O rap nacional vive um momento incrível e a maioria dos nomes que têm se destacado o fazem porque misturam elementos que, em um primeiro momento, parecem distantes do estilo. Você acha que a cabeça do rapper brasileiro abriu nos últimos anos e com isso foi possível agregar elementos que reciclassem o gênero por aqui?

Rashid: A verdade é que vários artistas já tinham essas ideias, mas não sentiam que era possível colocar em prática. Acho que o que fez mais efeito foi o público ter aberto mais a mente, isso fez os artistas perderem o medo de ousar e consequentemente, as coisas mais diferenciadas (e boas) foram se destacando. É um ciclo, então vejo que uma coisa foi puxando a outra.

Já vi artista tentar fazer algumas dessas coisas de hoje alguns anos atrás e ser vaiado, porque talvez não fosse o momento certo. Pouco a pouco a gente foi introduzindo elementos diferentes nos sons e isso foi ganhando os fãs, que por sua vez abriram a mente e agora a gente tem essa liberdade maior. Público e artistas precisam estar nessa mesma sintonia pra que a revolução aconteça.

TMDQA!: Muito se fala sobre como o rap e o funk são os gêneros mais contestadores da atualidade, aqueles que colocam os dedos nas feridas da sociedade, expõem as nossas crises sociais e políticas e fazem o papel do que, por exemplo, o punk foi um dia. Como você enxerga isso e como você aborda questões tão complexas em suas letras, misturando com letras que não necessariamente falem sobre tópicos pesados?

Rashid: Acho bacana esse respeito pelos ritmos da periferia, mas também acho que esse peso não pode ser colocado dessa forma sobre nós, porque não somos só nós os cidadãos e nem só nós estamos vendo o que acontece nas ruas, todo mundo vê. O que acontece é que o Rap veio sim de um ambiente de contestação e boa parte dos artistas resolveu carregar essa bandeira. Me incluo aí. Acredito que esse seja um dos tesouros da música Rap, que também não pode esquecer do lado do entretenimento, senão não teremos mais shows, clipes, lançamentos e enfim a música deixará de chegar no povo. Vivemos essa via de mão dupla, que as vezes faz as pessoas nos cobrarem como se fossemos políticos.

Sobre escrever sobre outras coisas também, como amor, fé, amizade, etc… Vem do fato de crer que minha música deve ser um reflexo fiel da vida, onde a gente ama, odeia, se entristece, fica feliz, fica bolado com a política, se anima com um filme e por aí vai. Acho que isso causa a identificação do público, minha música é feita de detalhes do cotidiano.

TMDQA!: As redes sociais e a Internet fazem parte da sua carreira de forma bastante contundente. É possível definir o que plataformas como YouTube e as ferramentas de streaming fizeram pela sua carreira? Você acha que a indústria ganhou mais ou perdeu com as facilidades todas da Internet?

Rashid: Todo ponto de vista é a vista de um ponto, né? A indústria, mercadologicamente falando, perdeu bastante naquele momento em que o download reinava. Já os artistas, principalmente os independentes (que não dependiam necessariamente da venda de discos), foram beneficiados porque viram sua música se espalhando com mais facilidade. Hoje, com o streaming, vejo que as gravadoras retomaram o rumo e já conseguem trabalhar melhor seus artistas, conseguindo recolher até direitos de execução que pequenos artistas não conseguem sem um intermediário. Então, por mais que você não dependa mais de uma grande companhia para fazer sua carreira acontecer, pela facilidade de produzir e disponibilizar seu conteúdo, hoje essas companhias já se readaptaram e tem também seus privilégios.

Falando de mim, sempre foi uma preocupação trabalhar em duas frentes: rua e internet. A gente não podia (e não pode) esquecer da rua num momento em que as redes tomavam conta de tudo, então era necessário ter uma presença offline também na vida do fã. Mas é inegável o impulso que a internet deu pro meu trabalho. Números que demorávamos meses pra fazer na rua, vendendo CDs, fazíamos em horas no Youtube. Pra vender 10 mil cópias da minha mixtape que mais fez barulho, demoramos mais de um ano. Hoje, pra chegar 10 mil plays em qualquer plataforma é só o tempo de liberar a música e dar um F5 na página. A mudança é absurda.

TMDQA!: Você tem mais discos que amigos?

Rashid: Isso sem dúvida. Meus amigos são raros, antigos e vários me presenteiam com discos também, colaborando pra eu continuar tendo mais discos que amigos.

Falamos bastante sobre o rap nacional no nosso podcast de número #18, que você conferir clicando aqui.

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