Entrevistas

Celebrando encontros, Carne Doce entrevista Tim Bernardes que entrevista Carne Doce

Uma franca e livre troca de experiências entre nomes expoentes na nova música brasileira antecipa o clima de encontros da nova edição do festival Faro MPB.

Tim Bernardes
Foto por Marco Lafer

Comemorando os 10 anos no dial carioca, a sexta edição do Festival FARO chegará ao palco do Circo Voador no dia 9 de março (sexta-feira) trazendo o clima de encontro e troca de experiências que marca o programa apresentado por Fabiane Pereira. Cícero vai se encontrar com Tim Bernardes, Liniker com Larissa Luz e Carne Doce com Letrux.

Nesse espírito de encontros, reunimos – junto da equipe do festival – o músico paulistano Tim Bernardes, vocalista da banda O Terno e dono de um dos melhores álbuns do ano passado, com os goianos da Carne Doce.

O resultado é uma verdadeira – e bem franca – troca livre de experiências que provam mais uma vez que no meio da música temos cada vez mais que aprender uns com os outros.

Confira a conversa da vocalista Salma Jô com Tim Bernardes na íntegra após o vídeo de anúncio do festival:

https://www.youtube.com/watch?v=b8-TucnoQ7s

Carne Doce entrevista Tim Bernardes:

Salma Jô: Como é ser um artista paulistano? Como é já partir do lugar onde as pessoas querem chegar?

Tim Bernardes: Bom, eu nasci e cresci aqui então não tenho muito outra experiência pra comparar. Mas sinto que a época em que o Terno surgiu coincidiu com um momento em que São Paulo foi virando um centro no Brasil pra essa cena indie, o que acho que contribuiu para um momento legal pra entrar e descobrir a profissão. O lance de fazer amigos músicos que vieram de cidades diferentes pra trabalhar aqui e poder trocar é sem dúvida uma experiência que eu acho muito bacana nisso tudo!

Salma Jô: Eu conheci o Terno quando estava começando a compor para a Carne Doce. Foi o seu hit “66”, sobre a ânsia de fazer uma arte original, e claro que me identifiquei pois ao começar eu queria ser a coisa mais autêntica do Brasil. Hoje, já mais amadurecida e conformada, me parece um dilema juvenil e primígeno, você sente o mesmo? Que dilema te bate hoje e te faz sofrer e evoluir como artista? Como evoluiu esse sofrimento?

Tim Bernardes: Essa música ainda me diz bastante respeito, acho. Ainda que eu não consiga ouvir a gravação por aflição da minha voz de moleque, haha. Eu sinto que, mais do que “ser a coisa mais autêntica do Brasil”, ela fala sobre “dado o meu contexto na música e no planeta hoje e a minha vontade de fazer uma música legal, como eu posso fazer algo que seja relevante pra mim?”.

O que eu entendo e me identifico com o que você fala é que com o tempo eu fui ficando um pouco mais tranquilo em relação a não ter que fazer sempre algo completamente mirabolante e cheio de atrações. O Rafael Castro uma vez me falou sobre o Melhor do Que Parece que ele era “menos impressionante e mais emocionante”. Acho que isso é uma coisa que eu tenho me identificado mais. Na busca mais sintética de falar de um jeito sincero, simples, claro e profundo sobre algo que eu sinto ou penso. E na medida que a gente vai crescendo e se transformando novos pensamentos e sentimentos também vão surgindo e isso vai ser sempre uma matéria prima, acho.

Salma Jô: Soube que seu show no Ibirapuera foi lindo, e isso quando você ainda estava rouco e doente. Tempos atrás vocês tiveram de cancelar uns shows por conta de uma caxumba (acho). Penso que muita gente ignora o quanto a nossa saúde sofre com essas rotinas e trânsitos. Como é a sua saúde? Tem alguma dica pra me dar?

Tim Bernardes: Poxa, essa pergunta é muito legal, haha. Porque também acho que muita gente não imagina mesmo a saúde que requer nossa rotina e a saúde que ela pode tomar. Fora a parte psicológica de ter que dar conta de tanta coisa sendo músico independente, numa cena musical que é financeiramente muito subdesenvolvida versus nossa expectativa de fazer muito bem algo que a gente ama. Comigo o que mais pega são as horas de sono! Se eu puder dormir muito minha voz e saúde aguentam o tranco legal. Mas isso é justamente o que muitas vezes a gente não consegue ter, né? Toca tarde, dorme pouquíssimas horas e já vai pegar avião, às vezes nem dorme. Tem vezes que engata umas maratonas bem treta. Eu que te pediria uma dica, haha, não sei muito a solução. Eu tento não beber nem fumar nessas viagens e dormir o máximo que eu posso.

Salma Jô: Tim, uma vez, depois do nosso show no Fora da Casinha, eu entrei no camarim e falei: “seu pai [Maurício Pereira] me elogiou!” toda emocionada, porque foi justo o que tinha acabado de acontecer e eu estava bem caipira deslumbrada com o fato e você só fez uma cara de bosta e voltou a falar com as gatinhas com quem tava conversando. É claro que eu fiquei puta e com rancor. Mas é claro também que essa é uma história boba, que provavelmente só aconteceu na minha cabeça. Você pessoalmente tem algum causo assim de deslumbre/desilusão/rancor de bastidor pra contar?

Tim Bernardes: Eita, Salma! Eu de forma alguma teria qualquer intenção de te esnobar ou qualquer coisa assim! Ainda mais pelo fato do meu próprio pai ter te elogiado, poxa. Tanto porque eu acho demais que ele tenha te elogiado, quanto porque eu também sempre te admirei, já te falei isso pessoalmente. Tomei um susto lendo esse seu relato. Eu lembro que com quem eu estava conversando no camarim era minha namorada da época, minha produtora e uma amiga do colégio que tinha vindo ver o show. Imagino que eu só devia estar com a cabeça em outra coisa e não consegui na hora esboçar direito alguma reação, mas com certeza não foi nada pessoal com você ou com o que você disse.

Mas acho interessante poder falar desse assunto numa entrevista. Porque é uma coisa muito maluca que eu vou reparando à medida que a gente vai ganhando mais visibilidade nessa profissão como pessoa pública. As pessoas têm expectativas sobre você que nem sempre você é capaz de suprir e talvez nem devesse ficar refém de suprir. Eu sou uma pessoa pública, mas tenho minha vida pessoal e as mil coisas que podem me passar na cabeça cada dia. Isso não tem como alguém de fora decifrar sem conversar comigo. E tem muita gente que “me conhece” mas eu não conheço, é uma posição bem doida. Eu gosto muito do que eu faço, inclusive dessa exposição. Sempre gosto de tratar bem e dar atenção às pessoas que me ouvem ou me admiram. Mas imagino que nem sempre eu consiga suprir totalmente todas essas expectativas do jeito que elas são projetadas.

Enfim, por essas e outras eu comecei a ver de outros jeitos os episódios em que eu também me vi nessa sua situação. Eu super já passei por coisas assim, de conhecer gente que eu admiro e não ser legal como eu esperava. Mas comecei a pensar que muitas vezes não tinha a ver nem necessariamente comigo, nem com a pessoa e sim com uma situação específica.

E mais uma vez, me desculpa se eu passei uma impressão que te chateou. Eu sinceramente te garanto que jamais foi minha intenção, eu te acho bem foda, Salma.

Salma Jô: Que pergunta você mais odeia responder em entrevistas?

Tim Bernardes: Acho que aquelas que rolam mil vezes são mais sem graça. ‘Como vocês se conheceram?’, ‘Porque o nome da banda?’, ‘Vocês tocaram mesmo de baixo d’água?’, que a gente tenta sempre falar de algum jeito diferente pra não ficar aquele rolê de resposta pronta. Mas no fim acho que faz parte, porque muita gente ainda não conhece a banda e são perguntas meio básicas pra contextualizar essa pessoa. Então vamos nessa!

Tim Bernardes entrevista Carne Doce

Tim Bernardes: Como você sente a diferença entre lançar um primeiro disco e tocar pra quem ainda não conhece a banda e tocar um segundo disco já com algum público formado, pessoas que conhecem as músicas? O que você curte de cada uma dessas experiências?

Salma Jô: Eu sinto que no primeiro disco, justamente porque não tínhamos um público e precisávamos conquistar um, os shows eram mais angustiantes, pois eu sentia uma maior necessidade de sermos imediatamente impressionantes para quem nos ouvia (por isso também as nossas primeiras músicas são mais gritadas, rápidas e explosivas). Por outro lado, como também ainda não existia uma trajetória da banda, nós tínhamos mais liberdade (ou menos riscos) para errar e experimentar e para sermos mais amadores. Eu curti essa angústia e esses erros do início porque me motivaram e ensinaram muito. Mas perceber que as pessoas conhecem suas músicas, que se emocionam com suas letras, sentir essa torcida com você é maravilhoso, é o maior incentivo possível, e quando se tem um público assim é ele que faz o show com você, e até por você nalgumas vezes.

Tim Bernardes: O que tem te movido a compor? Depois de escrever uma série de músicas você já ficou naquele pensamento de como não se repetir mas poder continuar desenvolvendo uma identidade própria?

Salma Jô: Continuo escrevendo e gostando de escrever sobre os mesmos temas e com perspectivas muito parecidas. Às vezes me bate essa angústia sim, mas o que me me angustia mais é a responsabilidade de criar hits, canções de sucesso imediato, sem abandonar essa identidade.

Tim Bernardes: De São Paulo, a impressão que eu tenho é que Goiânia tem uma cena nova muito massa. Como é sua visão interna dessa cena? E as diferenças em relação a cena anterior mais roqueira que também é marcante daí? E com quais bandas você se identifica hoje, no Brasil e fora do Brasil?

Salma Jô: Goiânia está com uma nova cena mesmo, bem heterogênea, em geral predominada por cantautores, bem nessa tendência nacional de canção e MPB. E como você disse, é bem diferente da cena anterior, predominada pelo stoner e pelo inglês. Foi uma mudança brusca, sinto que estamos num ciclo de reformular essa identidade indie na cidade.

Estou descobrindo e me apaixonando por Letrux, acho que são das letras mais parecidas com as minhas talvez que eu tenha encontrado. Eu gostei muito de umas letras do Baco Exu do Blues também. Fora do Brasil não tem nada que afetou muito ultimamente, gosto de sacar umas letras de rap, porque gosto da agressividade que elas geralmente tem, mas não sou entendida.

Tim Bernardes: Lançando meu último disco que é mais íntimo muita gente tem me perguntado sobre expor coisas da vida pessoal publicamente. Eu acho especialmente bonita a música e o clipe de “Eu Te Odeio” e ver você e Macloys como um casal da “vida real” ali pro palco, clipe e letras. Como é isso pra você?

Salma Jô: Obrigada! Usar minhas experiências para compor na verdade é a minha zona de conforto, tenho muita dificuldade de contar histórias de outras pessoas ou de dramatizar realidades diferentes da minha. Quanto ao fato de sermos casados, enquanto somos apaixonados é super vantajoso, porque somos os maiores fãs e empresários um do outro, e o nosso relacionamento se fortalece e a nossa admiração mútua cresce com esse nosso desafio de nos tornarmos melhores artistas.

Tim Bernardes: O que você gostaria de fazer ainda na sua carreira num formato diferente do que você faz no Carne Doce?

Salma Jô: Talvez eu gostaria de experimentar fazer uma música ainda mais pop/dançante, não sei bem como seria. Eu gostaria de dançar e atuar mais.

 

Serviço:  6a edição do Festival Faro MPB – Cícero + Tim Bernardes + Carne Doce + Letícia Novaes + Liniker + Larissa Luz

Data: 9 de março (sexta)

Local: Circo Voador – Rua dos Arcos, S/N – Lapa

Ingressos:

1o lote: R$ 100 (inteira) l R$ 50 (meia para estudantes, idosos e para quem levar 1k de alimento não perecível)

2o lote: R$ 120 (inteira) l R$ 60 (meia para estudantes, idosos e para quem levar 1k de alimento não perecível)

Abertura da casa: 20h
Início do 1o show: 22h

Capacidade: 2000 pessoas