Luiz Gabriel Lopes tem muita história pra contar.
O músico que tem seu nome ligado ao ótimo Graveola está chegando ao seu terceiro disco solo, MANA, lançado em 2017, e de lá pra cá tem aproveitado as oportunidades que tem para passar sua mensagem ao vivo.
Mensagem, inclusive, que celebra o diálogo e a conjunção de ideias para que a gente não apenas passe por esse momento caótico em que vivemos nos dias de hoje como também saia dele como pessoas melhores e maiores.
Nós conversamos com o músico por e-mail sobre a concepção do álbum, convidados especiais, sonoridade e mais.
Leia na sequência.
TMDQA!: MANA, o seu último disco, tem como objetivo principal falar sobre como podemos ser otimistas em tempos tão difíceis como os que vivemos hoje, socialmente e politicamente. Como você criou essa abordagem para o álbum e como foi, pessoalmente, transitar por isso tudo e apresentar uma “saída” para o público?
Luiz: Eu comecei na música de maneira muito intuitiva, sem refletir muito sobre o significado das coisas e apenas dando vazão ao impulso de criar e me expressar através das canções. Depois de um certo tempo de caminhada, fui me conscientizando mais profundamente sobre a força e a magia do ofício, as suas dimensões políticas, sociais e espirituais… e o meu papel como artista, no meio disso tudo. Acho que essa característica “otimista” do meu cancioneiro nasce de um certo senso de responsabilidade, de entender a potência que existe na materialização de sentimentos e ideias em ondas sonoras, o seu imenso poder de transformação no universo. Não é um otimismo ingênuo, alienante, mas algo que atua justamente no sentido oposto, de ser propositivo, provocativo, de impulsionar e nutrir. Não quero vibrar na lamentação; creio que aquilo que nos incomoda no mundo pode funcionar como uma alavanca, pra nos levar além. Daí essa vontade de devolver à música algo que a música sempre me deu, um lugar de energização, de alegria e cura. Acho que as intenções do disco passam por aí.
TMDQA!: A sonoridade do disco é voltada a instrumentos mais tradicionais como baixa, guitarra e bateria. Você sente que isso foi também uma maneira de tornar o processo mais simples e refletir a ideia de que as coisas podem e devem ser mais fáceis nos dias de hoje, onde aparecem tantos conflitos no nosso cotidiano?
Luiz: Sem dúvida a busca por clareza se deu em vários níveis, e a instrumentação reflete isso. Eu vinha de uma experiência musical bastante densa no álbum anterior, O Fazedor de Rios, onde trabalhei com um grupo grande, arranjos escritos, uma outra dinâmica. Some-se a isso a tradição “progressiva” que sempre esteve presente no trabalho do Graveola… era natural portanto que eu quisesse apontar numa outra direção. Limpar o campo, reduzir o número de camadas, arejar o som e buscar dar mais destaque ao essencial da canção: a melodia, a letra, a voz. Os músicos que me acompanham no disco (Mateus Bahiense na bateria, Téo Nicácio no baixo e Daniel Pantoja na flauta) foram muito generosos, fundamentais inclusive, pra me fazer entender essa necessidade estética e realizá-la de forma tranquila.
TMDQA!: Há algumas participações especiais nesse disco. Como surgiram os convites a Mauricio Pereira e Ceumar? Que papel eles tiveram na narrativa do disco?
Luiz: Isso das participações especiais eu vejo como personagens de uma história mesmo, essa natureza cinematográfica que todo disco acaba tendo, em alguma medida. Eu estudei cinema na faculdade, daí gosto de moldar meus discos meio que como filmes, onde os acontecimentos e as paisagens vão se sucedendo, e a voz tem um papel muito singular na construção dessas sensações. Quando fui pensar em convidados, me deparei com a energia das canções, e com um empurrãozinho da lei natural dos encontros acabei chegando nessas duas pérolas que são o Pereira e a Ceumar. Ambos têm vozes muito únicas, que estão presentes na minha memória afetiva há muitos anos… participaram de momentos importantes na minha vida, não só como referências propriamente musicais, mas também naquela coisa de povoar o imaginário de uma época, uma viagem, uma história de amor… E aí é um infinito de significados que a voz de cada um traz pra dentro das canções. Gosto muito da presença deles no disco, pra mim foi uma honra imensa.
TMDQA!: Logo na primeira música você fala sobre “transformar a fé numa oração pra se cantar”, e passa ao ouvinte a mensagem de que você é um “irmão”. Como você sente essa proximidade com o público tanto no disco quanto nos seus shows? Qual é o papel da arte, e principalmente da música, para nos conectar em tempos de discussões tão polarizadas como os que vivemos?
Luiz: Pois é, tinha essa vontade de ir na contramão da polarização mesmo, apontar pra um horizonte onde a gente possa restabelecer nosso pacto de comunidade humana, partilhar daquele sentimento primeiro, de irmandade, que é o que nos une nessa jornada pelo planeta. Estar sensível à luz e solidário à dor do outro. É um aprendizado urgente, pra todos nós, virar essa chave, dar as mãos e reconstruir as pontes que o egoísmo humano tem destruído nesses tempos sombrios. Numa escala cósmica, tem um lance grande acontecendo, uma grande transformação e eu acho que a gente tá vivendo o desabar das velhas estruturas… a travessia de um deserto. Perceber isso é o primeiro passo pra nos sintonizarmos numa outra frequência. A música sem dúvida é um veículo por onde isso pode acontecer.
TMDQA!: Se você tivesse que descrever a sonoridade de MANA para alguém que nunca ouviu seu trabalho, como o faria?
Luiz: Cancioneiro pop místico latinoamericano elétrico-caipira psicadélico pós-tropicalista, com influências de road-movies new-age, cyber-xamanismo e física quântica.
TMDQA!: Que influências você trouxe de seu trabalho com a Graveola e, se isso tiver acontecido de alguma forma, como se afastou das gravações anteriores para que essas novas canções tivessem a sua identidade?
Luiz: Eu sempre compus bastante, então já faz tempo que tenho um volume de canções bem maior do que o Graveola poderia algum dia absorver. Daí o surgimento de um trabalho solo na minha trajetória foi algo bem natural e necessário. Quando essa janela se abriu, em 2010, com o Passando Portas, meu primeiro disco, eu percebi que tinha uma história pra fazer sozinho. De lá pra cá, as coisas têm acontecido de forma bem orgânica, muitas vezes se retroalimentando. O Graveola foi sem dúvida a minha maior escola como cancionista, então tudo acaba se entrelaçando na minha experiência pessoal, é difícil separar… Mas acho que no “MANA”, assim como nos outros dois discos solo, existe a busca por uma voz mais interior, conectada à minha própria visão de mundo, meus processos pessoais e intransferíveis… ou seja, sob minha total responsabilidade e risco, o que muda bastante coisa, inclusive (risos).
TMDQA!: Eu vejo seu disco como uma obra onde há posicionamento social e político de um jeito bastante interessante, sem criar regras, tomar um lado e levantar muros nas discussões, mas sim estimular conexões entre as pessoas e celebrar o diálogo. Isso foi pensado de alguma forma? Que mensagem você daria para músicos que têm medo de expor suas convicções em suas canções e separam o que pensam a respeito do mundo de sua arte?
Luiz: Fico feliz que você perceba essa dimensão do trampo, essa vontade de celebrar o diálogo. Concordo que é um ponto importante do meu trabalho, não querer vomitar certezas nem estar imune às transformações da minha própria visão. A convicção é um sentimento básico pra fazer qualquer coisa, a gente tem que acreditar no que está dizendo, entender o valor daquilo, inclusive pra além da nossa própria leitura. Mas acho que a gente sempre acaba se expressando quando faz arte, é um gesto político em si. A emanação energética de uma obra é um texto super complexo, e está presente em todas as suas camadas. Não é só a letra, é também o jeito de tocar, de cantar, é como você levantou aquela produção, com que recursos e de que maneira, são as conexões que você estabelece… Daí acho que o grande lance é aprender a escutar a própria intuição e trilhar o caminho sem medo. Arte tem a ver com entrega, com oferecer e entregar ao universo algo precioso que nasce dentro da gente mas que tem que ser compartilhado.
TMDQA!: Você tem mais discos que amigos?
Luiz: Cara, eu felizmente tenho muitos amigos… mas… acho que, de fato, tenho mais discos.