Nessa primeira semana de Abril, o Neck Deep fez a sua primeira passagem pela América do Sul como parte da divulgação do disco The Peace And The Panic, com abertura da banda paulistana de pop punk Dinamite Club durante as datas brasileiras da turnê.
No sábado (7), a banda passou por São Paulo para o segundo show no Brasil e um pouco antes do início do set conversamos com o vocalista Ben Barlow sobre a turnê, futebol, colaborações com outros artistas, curiosidades sobre o novo disco e como encontrar um estado de paz e felicidade em tempos confusos.
Confira abaixo:
TMDQA: Vocês são do Reino Unido (do País de Gales especificamente) e vi que você fez o show no Rio de Janeiro com uma camiseta do Manchester United. Vocês gostam de futebol então? Conseguiram bater uma bola por aqui? Vi uma foto em que vocês estavam usando camisetas da seleção Brasileira em um campo de futebol com o Dinamite Clube.
Ben: Cara eu estou muito feliz porque o Manchester United acabou de vencer o Manchester City de virada por 3×2 na liga inglesa e impedimos que eles comemorassem o título do campeonato hoje. E nós jogamos um pouco de futebol outro dia sim, foi uma partida bem disputada. Acho que o placar ficou em 11×10 ou 12×11 pra eles, os caras são muito bons, mas foi animal. Foi um jogo bem casual só pra descontrair. Nós gravamos algumas cenas dessa partida pra mostrar depois.
TMDQA: E após 3 shows nessa turnê sul americana, como está sendo a experiência até agora? Como foi o show no Rio de Janeiro?
Ben: Foi animal! O lugar era menor que esse que estamos aqui hoje em São Paulo, mas o público cantou tão alto e foi tão intenso. Foi a melhor sensação possível. Além disso nós conseguimos jogar um pouco de futebol, como eu falei antes, e fomos à praia no Rio. Da minha sacada no hotel eu conseguia ver o Cristo Redentor, galera jogando bola na praia, as favelas, era o cenário perfeito do imaginário do Rio de Janeiro pra mim.
TMDQA: Esse show aqui em São Paulo está com os ingressos esgotados e é a primeira vez de vocês tocando na cidade. Em situações assim, vocês costumam improvisar e fazer algo especial ou seguem o roteiro e tocam somente o que já está ensaiado?
Ben: A gente meio que segue o roteiro. Nesse altura da turnê o show está bem redondo e bem fluído, mas meio que qualquer coisa pode acontecer nos shows enquanto nós interagimos com a platéia, as coisas que fazemos no palco podem ser um pouco diferentes, mas nós seguimos praticamente o mesmo repertório. A gente pode adicionar uma música ou outra, porque sabemos que tem alguns sons que a galera realmente quer ouvir…
TMDQA: Eu vi que a galera no Rio pediu “Serpents” e vocês acabaram tocando ela no improviso com uma afinação diferente.
Ben: É (risos), nós provavelmente vamos ter que fazer isso com uma afinação estranha hoje de novo. Mas desde que as pessoas fiquem felizes e ouçam o que querem ouvir no show, tudo bem.
TMDQA: A Warped Tour está chegando ao fim esse ano, eu infelizmente nunca consegui assistir à uma edição do festival, mas sabemos o quanto ele é icônico e importante para bandas punk ou de hardcore. Sei que vocês tocaram algumas vezes mas fiquei surpreso de ver que não fariam parte do line up desse ano. O que aconteceu?
Ben: Na real só não fomos convidados. Na verdade nos ofereceram algumas datas isoladas, mas elas não funcionariam logisticamente pra gente, não bateriam com a nossa programação de turnês e de outros festivais que já temos marcados no Reino Unido para a mesma época. E também temos nossos planos para o futuro, eles não seriam necessariamente atrapalhados, mas seriam adiados para mais tarde ainda. Essas são as razões principais, mas nós poderíamos tocar pelo menos 2 dias lá.
Mas não acho que esse seja o fim definitivo da Warped Tour. Ainda acho que vão existir alguns eventos menores, ano que vem tem o 25º aniversário do festival. Espero que depois de um tempo eles voltem a fazer a turnê completa de novo.
TMDQA: Vocês tiveram a chance de fazer colaborações com alguns nomes interessantes como o Jeremy McKinnon (A Day To Remember), Chris Carrabba (Dashboard Confessional) e Mark Hoppus (blink-182). Como foi trabalhar com esses caras, e se você pudesse escolher qualquer músico ou artista de qualquer estilo para a próxima parceria, quem seria essa pessoa?
Ben: Com o Jeremy nós basicamente gravamos e produzimos um disco inteiro [Life’s Not Out to Get You, lançado em 2015]. Foi muito divertido e conseguimos passar um bom tempo conhecendo o cara e trabalhando com ele. Com o Mark e o Chris nós entramos em contato com eles depois que as músicas já estavam prontas [ambos colaboraram em versões especiais da faixa “December”] para perguntar se eles topavam cantar, gravar as suas partes e mandarem elas de volta pra gente ou qualquer coisa assim. Já com o Sam Carter [da banda Architects, gravou a faixa “Don’t Wait” com o Neck Deep] ele colocou a sua própria personalidade na música. Mandamos pra ele a faixa e dissemos “faça esse verso aqui, depois esse outro” e ele acabou mudando tudo e teve essa ideia de um vocal dividido em duas camadas que ficou animal! Ele realmente colocou a sua marca ali na música e trouxe a sua própria ideia. É legal quando os músicos só nos mandam de volta a sua parte, mas quando alguém se esforça pra fazer algo diferente é muito melhor.
Sobre colaborações futuras, eu adoraria escrever uma música mais triste e melódica com o City & Colour. As músicas deles nos influenciam muito e acho que isso seria bem legal.
TMDQA: Em The Peace and The Panic vocês continuam fazendo sons que estão dentro do pop-punk, ao mesmo tempo que começaram a experimentar com sonoridades diferentes, trouxeram instrumentos que não haviam usado antes, como a inclusão do saxofonista Tony ‘Saxl Rose’ nas performances ao vivo de “In Bloom”. Muitas bandas do Pop Punk acabaram mudando drasticamente o seu som ao longo da carreira e tentam buscar novos caminhos, e os fãs torcem um pouco o nariz e querem que as bandas permaneçam fiéis às suas raízes. Qual você acha que será o caminho para o Neck Deep nesse aspecto?
Ben: Eu acho que nós vamos nos manter em um caminho parecido, eu acho que sempre vamos escrever algum tipo de música que seja dentro do estilo do pop punk, mas de verdade as portas estão sempre abertas para tentarmos fazer qualquer coisa que quisermos daqui pra frente. Acho que vamos continuar tentando escrever discos muito variados, explorando sons diferentes, tentando escrever músicas que ao mesmo tempo soem muito como o Neck Deep mas tenham elementos que nunca tenham ouvido de nós antes porque aí poderemos ser uma banda dinâmica que tem um pouco de tudo, sabe?
Sempre teremos essa pegada pop punk, mas ao mesmo tempo podemos tentar escrever músicas mais pesadas, ou mais próximas do punk ou músicas mais próximas do rock, mais eletrônicas, com mais instrumentos. No fim das contas, pessoas criativas querem poder extrapolar os limites do que estão criando ao invés de fazer a mesma coisa o tempo inteiro porque isso te coloca numa caixa e você não quer estar nessa posição. Acho que nossos fãs vão aceitar as transições, desde que você faça elas de forma devagar e não mude do nada. Acho que é isso que as pessoas não gostam, quando você muda de uma forma muito rápida, sem preparar elas pra isso. Se você escreve um disco ou dois antes de lançar um álbum de Jazz/Fusion, aí tudo bem.
TMDQA: O disco The Peace and The Panic faz muitas referências sobre o desconforto com o mundo em que vivemos hoje, tensões políticas entre nações, governos corruptos, a forma com que lidamos com as redes sociais, o culto à celebridade e os surtos de ansiedade e depressão que criamos a partir dessas coisas. Isso está bem coberto na parte Panic já. Mas e quanto ao lado Peace da coisa? O que você pode dizer às pessoas que as deixem em um estado de paz de espírito e possam aproveitar a vida, e o que você faz pra se colocar no mesmo estado?
Ben: Essa é uma ótima pergunta na real, porque eu sinto que a vida, o mundo, a sociedade de hoje estão repletas de medo e pânico atualmente. E achar esses pequenos momentos e situações de paz é muito importante. Pra mim, pessoalmente, uma das coisas que mais me trazem felicidade é poder me manter humilde e fiel às minhas raízes, manter meus amigos e a minha família próximos de mim. Isso me lembra das coisas boas da vida e é o que me faz feliz e é o que deveria fazer todos ao redor do mundo felizes. Ter pessoas que se preocupem com você, ter um lugar pra chamar de lar é bom, traz conforto. Poder sentar sozinho com uma guitarra e escrever músicas me dá muito prazer também. Se eu puder voltar pra casa, sentar pra compor e ficar com a minha namorada, meu cachorro, minha mãe, meu irmão, meus amigos, isso é o que me mantém feliz.
Seja humilde, aprecie o que você tem, seja grato e perceba o quanto você é sortudo, especialmente fazendo algo como o que nós fazemos, não tem a menor chance de não ser feliz com isso. Mas ache felicidade nas coisas mais pequenas e esteja confortável por ter pessoas boas ao seu redor. Se você estiver passando por um momento ruim, pense que até algo simples como uma pessoa que te serviu café sorrindo pra você pode melhorar o seu dia. É importante lembrar que a vida está repleta de coisas boas que podem acontecer, mas você tem que manter uma mentalidade positiva e reconhecer quando essas coisas acontecem.
Às vezes você precisa também que alguém te dê um chute na bunda pra fazer você acordar e diga “ei, tudo não está tão ruim assim. Você vai conseguir. Essas coisas ruins que estão acontecendo não vão durar pra sempre”. Em The Peace And The Panic nós tentamos mostrar que mesmo que você esteja passando por momentos ruins, os bons eventualmente vão chegar também mas tudo tem que acontecer com equilíbrio.
TMDQA: Acho que esse disco novo tem as melhores músicas do seu catálogo até agora, como “Heavy Lies” e “Parachutes”, mas “In Bloom” é o single principal e definitivamente é um hit. Quando a ouvi pela primeira vez eu pensei “tá, esses caras acertaram nessa”. Foi esse o sentimento pra vocês também? Como foi o processo de composição dela?
Ben: Obrigado! Quando nós começamos a escrever essa música eu tive essa ideia de literalmente um verso e um refrão. Aí eu mandei ela pros caras um ano antes de escrevermos o disco e imediatamente eles responderam “sim! essa música é como ouro. Isso é sensacional”. E a partir daí começamos a construir a música e gravamos uma demo um ano antes de entrarmos em estúdio. Um pouco antes de começarmos a gravar o Sam [Bowden, guitarrista] veio no estúdio do meu irmão e nós começamos a improvisar em cima dela. Então nós tínhamos 2 partes da música, com aquela demo antiga. E depois que o meu pai morreu eu voltei pra casa depois de uma turnê e a primeira coisa que fiz foi sentar para escrever o resto da música. Foi assim que ela aconteceu. Ela é muito importante pra mim, é uma música para os meus pais, era sobre eu me desculpando por toda a merda que fiz na vida pra eles, e isso tornou tudo muito mais significativo pra mim. Porque eu estava em turnê e o meu pai morreu, então era como se eu estivesse tentando falar com ele, tentando me desculpar por tudo.
Acho que essa é uma música sobre querer ser perdoado e poder seguir com a sua vida, e se permitir ter tempo o suficiente para crescer tentar chegar nesse ponto.
TMDQA: Já rolou de você escrever uma música específica sobre alguém e a pessoa se tocar que era pra ela, chegar em você e dizer “porque você não me disse isso antes?”
Ben: Não sei, acho que as pessoas dão o significado para as músicas que mais faz sentido com a vida delas. Não acho que a maioria das pessoas saiba que essa música é sobre os meus pais, mas é o que significa pra mim sabe? Pra mim é o que é, mas pras pessoas na plateia pode significar qualquer outra coisa. E essa é beleza nisso, poder ressignificar o sentido de uma música nossa, desde que ela te ajude e faça sentido pra você, esse é o importante.
TMDQA: Vocês trabalharam com o Ricardo Cavolo na maravilhosa arte da capa de Life’s Not Out To Get You e The Peace And The Panic contém ilustrações interessantes de Ryan Besch. O quanto você se envolve no processo criativo na hora de criar o conceito das artes e do material gráfico e visual da banda?
Ben: Foi um pouco diferente nas duas vezes. Com o Ricardo nós mostramos o título do disco pra ele e falamos, “é isso aí. Pinta o que você acha que isso significa”. A primeira entrega que ele fez pra gente foi muito parecida com o produto final, mas tinha mais elementos náuticos, envolvia o mar e o oceano e nós pedimos “você pode deixar tudo menos náutico?” (risos). E ele basicamente mudou algumas coisas, trocou navios por castelos e coisas assim. Na segunda entrega ele foi perfeito. Ele é da Espanha e fiquei surpreso que ele concordou em fazer o trabalho pra gente, porque depois que o disco foi lançado ele explodiu – e não acho que foi por nossa causa, ele é realmente bom – o trabalho dele se tornou muito conhecido muito rapidamente. Ele é um artista incrível e eu vejo o trabalho dele por todo o lugar, na Europa principalmente.
TMDQA: Pra mim todas as bandas de pop punk que se destacaram das demais tinham um bom baterista na formação. Travis Barker (blink-182), Longineu Parsons (Yellowcard), Cyrus Bolooki (New Found Glory) são excelentes bateristas do gênero, e eu coloco o Dani Washington (Neck Deep) como candidato a essa lista. Você o considera como um bom baterista também? Como é trabalhar com ele?
Ben: Ele é excelente, sempre tem ideias e trabalha de um jeito louco. Ele é como eu, gosta de se colocar embaixo do holofote e aproveitar o momento. Ele se desafia o tempo inteiro e sabe que pode fazer melhor. Ele tem sempre uma carta na manga e novas ideias. E a respeito do estilo dele, ele toca meio que como uma baterista do metal, e pra uma banda de pop punk isso permite com que façamos uns fills malucos e viradas inesperadas com muita energia. Ele consegue escrever partes muito mais técnicas, e isso está no sangue dele cara. O pai dele também era baterista, então ele cresceu tocando. E não é só na bateria, ele consegue pegar uma guitarra, escrever uma música em 10 minutos e te devolver “toma aí, tá pronta”. Ele é muito bom.
Toda banda boa tem que ter um baterista sólido que segura a parada junta e faz todo mundo soar bem, com exceção do Metallica talvez (risos). Mas o Lars [Ulrich] é o Lars, ele é um baterista com personalidade.
TMDQA: Aqui no Brasil a gente fala que o baixista e o baterista são a “cozinha” da banda, são a fundação, o que mantém a banda de pé.
Ben: Hahaha eu gostei disso, é exatamente isso. “A cozinha”, curti!
TMDQA: Pra terminar, tenho que perguntar isso: você tem mais discos que amigos? Quais são os discos que você está ouvindo mais atualmente?
Ben: Mais discos que amigos? Eu vou dizer que tenho o mesmo número de amigos e discos, está bem balanceado. Tenho muitos amigos e tenho muitos discos. Um que estou ouvindo agora e que conheci recentemente é o disco de uma banda chamada Violent Soho, chamado Waco. É meio grunge, meio punk. Tem a energia do punk e as progressões do grunge, e a voz do vocalista parece o estilo gritado e rouco do Kurt Cobain, vale a pena conferir.
TMDQA: Alguma mensagem que você quer deixar para os fãs brasileiros que não conseguiram vir para os shows e para os que estão aqui hoje?
Ben: Muito obrigado por terem vindo aos shows, senão nós estaríamos tocando para salas vazias. Obrigado por falarem sobre a banda por tanto tempo, por fazerem nós virmos ao Brasil finalmente. Se as pessoas não ficassem pedindo “come to Brazil! Come to Brazil! Come to Brazil!” nós não estaríamos aqui hoje. E pra quem não veio, nós voltaremos com certeza, tente comprar os ingressos mais cedo da próxima vez para não ficarem sem.
TMDQA: É isso, muito obrigado!
Ben: Muito obrigado por tudo, pessoal. Se divirtam hoje.
Após o show em São Paulo, o Neck Deep seguiu para mais 2 compromissos no Brasil antes do fim de sua primeira turnê sul americana. A banda tocou em Curitiba no Basement Cultural nesse domingo (8 de Abril) e faz um show em Porto Alegre na Agulha na segunda-feira (9 de Abril).