Conversamos com o Cólera, medalhão do punk brasileiro que superou trauma para lançar um novo disco

Acorde! Acorde! Acorde! é o primeiro de inéditas do Cólera em 14 anos e primeiro sem o ex-vocalista Redson, falecido em 2011.

Cólera
(foto: Divulgação)

Uma das bandas mais importantes do punk brasileiro está de volta à ativa e com músicas novas. O Cólera, banda com quase 40 anos de carreira, está lançando o disco Acorde! Acorde! Acorde!, primeiro de inéditas em 14 anos e primeiro sem o ex-vocalista Redson, falecido em 2011.

Na época da morte, a banda já estava no processo de composição pra esse disco. Agora, em 2018, os integrantes remanescentes decidiram enfrentar o luto, superar o trauma e voltar à ativa. Muitas músicas já estavam prontas, bastou apenas agregar a experiência e energia de Wendell, novo vocalista que, curiosamente, era roadie da banda.

Com músicas fortes que lembram os melhores momentos da banda, nos anos 80, e até uma audaciosa ópera rock, o trabalho novo é mostra de que o Brasil ainda precisa da mensagem que só o punk sabe passar. E o TMDQA! conversou sobre todos esses assuntos com Val, baixista e backing vocal do Cólera.

Confira abaixo a entrevista. O áudio original estará no Podcast Tenho Mais Discos Que Amigos do dia 26/4, que fará justamente um panorama do movimento punk no mundo todo. Aguarde!

Entrevista com Val, da banda Cólera

TMDQA!: Parabéns pelo Acorde! Acorde! Acorde!. É o primeiro de inéditas em 14 anos, mas eu quero saber dos últimos 2 ou 3 anos desse processo. Como foi pra você entrar em estúdio com ideias novas e desenvolvê-las com os caras que você conhece tão bem, mas também com o Wendell, novo vocalista?

Cólera: Pra nós foi super natural. Nós já estamos no processo de produção desse disco há muitos anos. Ele já estava 80% concluído com o Redson. Após o falecimento dele, em 2011, demos uma parada e só retomamos em 2014. Então o processo já estava bem encaminhado. Dos 20% restantes, o Wendell terminou as letras. Ele foi muito importante com as ideias, foi uma coisa que funcionou bem. Era exatamente o que a gente procurava.

TMDQA!: Esse disco tem composições ousadas, incluindo uma ópera-rock, que vocês chamaram de “Ópera do Caos”. Ela conta a história de um ditador e como a música pode ser uma arma contra um sistema opressor. Como foi chegar a esse conceito?

Cólera: A ópera deu um pouco mais de trabalho porque as ideias estavam na cabeça do Redson. Pra nós, foi o que deu mais trabalho de produzir, retomar esse projeto. A letra da música principal, por exemplo, “Caos”, não estava concluída. Era só o esqueleto mesmo. Então foi complicado, mas conseguimos. Foi bastante trabalho, mas eu achei o resultado muito bom.

TMDQA!: Eu gostaria de falar um pouco da morte do Redson, em 2011. Naquela época ele já planejava lançar material novo, tanto que algumas das canções do disco foram compostas por ele, além de vocês terem usado demos na voz dele como faixas-bônus. O Redson demonstrava uma preocupação de levar uma mensagem adiante?

Cólera: Sim. O Cólera sempre foi uma banda que procurou, com sua música, levar uma mensagem adiante. Então todos os trabalhos novos têm uma nova mensagem. E o Redson tinha essa ideia. Então nós, sem ele ou com ele, continuamos com essa ideia de levar uma nova mensagem a cada álbum. Esse disco ainda tem muitas das ideias dele, mas nós já estamos planejando alguma coisa pro futuro também, pra que esse continue sendo o nosso slogan principal.

TMDQA!: Eu quero fazer um retrospecto da carreira de vocês, mas aproveitando que você falou de futuro… Quais são os objetivos da banda daqui pra frente? E já que você falou de músicas novas, como vai ser o processo de composição sem o Redson?

Cólera: O Cólera sempre trabalhou em grupo. Todas as músicas são compostas por todos, mesmo na época do Redson. Nossas alterações sempre foram aceitas. E isso vai permanecer sempre, assim como já foi nos arranjos e na conclusão desse disco. Tanto que as composições são registradas no nome de todos. Alguém chega com uma ideia central, mas em cima daquilo a gente vai trabalhando e adequando. E assim deve prosseguir.

TMDQA!: Agora voltando um pouco… O primeiro disco do Cólera saiu em 1985, ano da redemocratização, mas a banda foi formada em 79, quando ainda estávamos na ditadura. Hoje, em 2018, temos um governo altamente corrupto, que não tem a confiança do brasileiro e que acabou de autorizar uma intervenção militar em uma das maiores cidades do país. Você enxerga semelhanças?

Cólera: Sim, infelizmente. As coisas por aqui não mudam nunca. Não só a mensagem do Cólera, como a do Ratos de Porão, Garotos Podres, Inocentes e todas essas bandas… no Brasil, nada adianta. Então nossas mensagens são válidas vai saber até quando. Eu imagino que tenham validade pra sempre. É só você pegar todas as músicas que foram produzidas em 83, por exemplo. Falávamos de corrupção, governos ruins… Tudo isso serve pra hoje.

TMDQA!: Você imagina daqui a 40 anos as suas músicas novas sendo cantadas pelos mesmos motivos?

Cólera: Tomara que não, né?! Eu gostaria muito que essas mensagens fossem ultrapassadas. Questões como desmatamento, corrupção, violência gratuita e tudo que consta nas nossas músicas. Eu queria que fosse coisa do passado. Mas, infelizmente, as perspectivas pro país não mudam.

TMDQA!: Pra você, o punk, no mundo todo, ainda é um movimento de contracultura? Você acha que os jovens ainda pensam em pegar uma guitarra e fazer músicas agressivas sobre suas convicções?

Cólera: Eu acho que sim. Infelizmente, a gente sente que não só o punk, mas o rock de uma forma geral, caíram numa decadência. O público valoriza muito pouco as bandas novas. Isso é uma coisa que acaba dificultando pra que elas apareçam e se fortaleçam. A Cólera já tocou em shows que tinham 4 ou 5 bandas e o público ficava do lado de fora enquanto as bandas novas tocavam. Só quando a gente ia tocar que as pessoas se juntavam e cantavam junto. Eu acho que isso é uma decadência. É muito importante que as pessoas ouçam e valorizem as mensagens novas. Tem muita banda boa cantando letras fortes, de protesto. E ainda bem que tem. Essas bandas estão na luta pra não deixar a peteca cair no rock nacional.

TMDQA!: E é bom saber que uma banda com quase 40 anos de história ainda olha pro novo. Até porque vocês já foram adolescentes um dia, né?

Cólera: Lógico, isso é fundamental! Que a gente possa levar nossa mensagem, mas também ouvir as outras. Tem shows que não tem quase ninguém mas eu vou pra dentro curtir o som de outras bandas. Até chamo a galera pra dentro. Precisa disso, senão o negócio vai acabar. Com 40 anos de banda, a chama vai diminuindo por causa da idade. A gente não consegue mais fazer tantos eventos. Infelizmente, já estamos selecionando.

TMDQA!: Mas quem quiser ver o Cólera ao vivo mostrando as músicas do Acorde! Acorde! Acorde!, tem shows marcados?

Cólera: Temos agora no dia 13 (de abril) no Sesc Jundiaí. Dia 15 estaremos em São José dos Campos. Depois, só em maio, também em São Paulo. Depois vamos dar uma parada porque nasce o filho do Wendell. Depois de junho vamos fazer uma turnêzinha no Rio Grande do Sul e aí sim retomar a agenda de shows.

TMDQA!: Dá pra acompanhar a agenda nas redes sociais?

Cólera: Com certeza! Em facebook.com/coleraoficial tem todas as informações sempre.

TMDQA!: Obrigado pela atenção!

Cólera: Eu que agradeço!