Desde 2010, Gabriel Guerra integra, ao todo e em partes, alguns dos mais interessantes projetos musicais do Rio de Janeiro. À frente do Dorgas, do Séculos Apaixonados, do Crusader de Deus ou dos lançamentos do selo do qual ele é co-fundador, o 40% Foda/Maneiríssimo, Guerra foi do noise punk ao deep house em incontáveis projetos com identidades sempre muito bem definidas, mas extremamente diferentes entre si.
A ligação entre todos esses projetos, além do criador comum, talvez seja uma espécie de ironia distópica, um deboche carinhoso às instituições do universo pop. Inspirado pelo espírito livre do jazz, Guerra sempre pareceu caçar o pop na direção contrária dele, desafiando tendências ao mesmo tempo em que parecia tentar antecipá-las.
Nesta terça (25), Guerra lança Wagner, uma espécie de primeiro álbum solo. Não é nem o primeiro álbum que produz sozinho nem o primeiro lançamento que assina como Guerrinha, mas é o primeiro em que ele parece encontrar um som que diz ter buscado sem sucesso nas tentativas anteriores, tanto sozinho quanto como parte de duos, trios e bandas em geral.
“Eu tive muitos projetos, mas em nenhum deles eu me sentia 100% identificado com o som”, explica em entrevista ao Faixa Título. “Eu adoro as coisas que eu fiz, mas eu queria fazer algo com um carinho… exclusivo. Até o que eu tinha feito com o nome Guerrinha antes eu fiz abrindo concessões, e no Wagner eu fui ‘fascista’, delimitei muito o que eu queria pra conseguir achar o som do disco”.
Da capa escura ao som, Wagner é um disco noturno, com 8 faixas de um jazz noir cercado de silêncios, totalmente produzido, segundo Guerra, durante longas noites solitárias ao longo dos últimos meses, interrompidas abruptamente ao menor sinal de luz solar. Com oito faixas e apenas 18 minutos de duração (o primeiro EP como Guerrinha, Rua Sorocaba, de 2013, tem quase três vezes isso), o disco não chega a ser melancólico, mas parece girar em outro tempo, ecoando a música que formou Guerra sem que ele tivesse escolha: o lounge jazz que a mãe dele ouvia em casa quando ele era criança.
“Minha mãe trabalhava com audiovisual nos anos 90, e depois trabalhou no Instituto Moreira Salles. Nessa época a arte era uma coisa muito chique, sofisticada, nariz empinado. E esse meio tinha muito desse jazz de lounge, jazz de madame. Era uma coisa muito comum. Eu ficava ouvindo música lounge todo dia, e bem ou mal aquilo me afetou de alguma forma”, brinca. “O Wagner não é um disco de lounge, porque ele é mais dark, mas é um disco calmo. Eu queria fazer uma coisa muito calma e sem medo de soar lounge, porque no fundo eu fui criado nisso”.
O álbum destoa obviamente do frenesi eletrônico de Boulderball (2017), disco que ele lançou no ano passado sob o pseudônimo Repetentes 2008, mas às vezes ecoa a neopsicodelia derretida do Dorgas e algumas baladas do Séculos Apaixonados, projeto que segue suspenso após o lançamento de O Ministério da Colocação (2016), excelente segundo disco do quinteto. Segundo Guerra, a ideia é que o Séculos siga em frente sem fazer shows, e tem até um disco inédito ainda sem data para sair.
“O Séculos ainda rola, a gente inclusive terminou o próximo disco. Mas a gente perdeu o tesão de tocar ao vivo, começou a ficar impossível juntar todo mundo na mesma sala. Eu tenho meus trabalhos, a Letrux [projeto de Letícia Novaes co-produzido pelo tecladista do Séculos, Arthur Braganti] bombou, o Lucas [de Paiva, parceiro de Guerra no Séculos e no 40%] toca com a Alice Caymmi, o [baixista] Felipe [Velloso] toca com a Mahmundi… Aí não rolava briga porque nenhum de nós tem a capacidade de brigar, mas rolava uns estresses”.
A solução, afinal, foi seguir só. “Eu sempre produzi sozinho. A única fase em que eu não produzi sozinho foi na época do Dorgas, e bem… Essa foi a razão pela qual eu passei a produzir sozinho [risos]”.
Wagner está disponível em streaming e download grátis via Bandcamp, no link abaixo: