Há artistas que passam por esse mundo e deixam sua marca para sempre.
Na música, na pintura, no cinema, no teatro ou em qualquer outro ramo que envolva a interação com os lados mais pessoais das pessoas que recebem seu trabalho, a capacidade de mexer com emoções e deixar as vidas das pessoas mais leve é algo que quando é feito com sinceridade e talento, nos marca para sempre.
Com Chris Cornell isso aconteceu, e não foi só uma vez. Em diversas frentes diferentes e usando a sua voz como base, o músico passou a vida inteira emocionando as pessoas das mais distintas formas, seja no Soundgarden, na carreira solo, no Audioslave, nas covers nada prováveis ou na profundidade das suas letras.
Fazer o óbvio nunca foi o lance de Cornell, e muito provavelmente ele se destacou entre tantos de sua geração, deixando marcas que não se apagarão jamais.
Hoje, dia 18 de Maio de 2018, completa-se um ano desde que perdemos cedo demais a figura icônica de Chris, que faleceu em Detroit após um show do Soundgarden em 2017.
Em sua homenagem, iremos relembrar as tantas fases incríveis de sua carreira, e recomendamos que você já aperte o play na playlist oficial do TMDQA! logo abaixo para usar as suas primeiras músicas como trilha sonora.
Juventude conturbada
Chris Cornell nasceu em 20 de Julho de 1964, e era o filho do meio em um total de seis crianças.
Colocado para estudar em escolas católicas, foi em uma delas que ele fez sua primeira apresentação, cantando “One Tin Soldier”, música contra as guerras escrita em 1969.
Quando estava na sétima série, seus pais decidiram tirá-lo, assim como uma de suas irmãs, da escola católica onde eles estudavam pois eles faziam muitas perguntas a respeito do que acontecia (ou não acontecia) por ali. Anos depois, em 1994, o próprio disse em uma entrevista que o modelo da religião foi desenhado para que ninguém faça perguntas, e como há “dezenas de inconsistências”, era normal que ele começasse a questioná-las, “causando problemas”.
Aos 12 anos de idade ele teve contato com álcool, drogas e remédios controlados, sendo que os remédios o acompanhariam por boa parte da vida e seriam, inclusive, peça chave no seu suicídio em 2017.
Soundgarden
No início dos anos 80, Chris Cornell esteve em uma banda chamada The Shemps, ao lado do baixista Hiro Yamamoto, que acabou saindo do grupo antes da entrada do guitarrista Kim Thayil.
Os três permaneceram em contato após o fim do grupo e em 1984 formaram uma nova banda chamada Soundgarden, sendo que Chris tocava bateria e cantava ao mesmo tempo na formação inicial.
Para permitir que ele se concentrasse no que fazia de melhor, o grupo convocou um baterista chamado Scott Sundquist, e as três primeiras canções do Soundgarden apareceram em uma coletânea de 1986 chamada Deep Six, que ainda tinha bandas como Green River, Malfunkshun e The Melvins.
Entre mudanças na sua formação e o estabelecimento de uma base com Chris, Kim, Ben Shepherd e Matt Cameron, a banda foi uma das que fizeram parte do famigerado selo Sub Pop, de Seattle, lançando por lá os EPs Screaming Life e Fopp, e em 1988 eles se mudaram para a também independente SST, mesmo tendo muitas ofertas de gravadoras grandes batendo à sua porta.
Foi pelo selo de bandas como Black Flag, Meat Puppets e Husker Du que o Soundgarden lançou seu primeiro álbum, Ultramega OK, e inclusive recebeu uma indicação ao Grammy na categoria “Melhor Performance de Metal” pelo disco.
As ofertas continuaram chegando e então a banda tornou-se uma das pioneiras do grunge ao assinar com uma major label, indo para a gravadora A&M, por onde lançou todos os seus outros discos dos anos 80 e 90.
Vieram então Louder Than Love (1989), Badmotorfinger (1991), Superunknown (1994) e Down On The Upside (1996), e clássicos como “Black Hole Sun”, “Rusty Cage”, “Fell On Black Days”, “Outshined” e mais.
Temple Of The Dog
Em 1990 foi Chris Cornell quem formou o supergrupo Temple Of The Dog, tendo membros do Pearl Jam ao seu lado com o intuito de homenagear Andrew Wood, vocalista das bandas Malfunkshun e Mother Love Bone, que havia falecido.
Um ano antes do Pearl Jam lançar seu icônico disco de estreia, Chris já via o potencial da banda para se apresentar ao seu lado, e juntos eles produziram o mega hit “Hunger Strike”, com direito a um dueto incrível de Cornell com Eddie Vedder.
Eddie Vedder
A carreira de Eddie Vedder, inclusive, tem influência fundamental de Chris Cornell.
Indo de San Diego para Seattle, o tímido vocalista era uma pessoa “de fora” da cena, e ele mesmo já admitiu que foi o líder do Soundgarden quem deu a sua “bênção”, dizendo que ele era bem vindo ali e deveria mostrar seu talento ao mundo.
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Vedder relatou em algumas ocasiões que esse fato foi decisivo para que ele seguisse em frente com confiança para mostrar suas composições e seu vozeirão aos colegas de banda, à cena de Seattle e, eventualmente ao rock mundial.
Sonoridade pioneira
Apesar do Soundgarden ser catalogado como uma banda grunge, rotular a banda dessa forma está longe de ser uma representação fiel do que o grupo representou.
Enquanto diversas bandas do gênero beberam na fonte do Punk para criarem suas canções, a banda de Chris Cornell fez algo diferente e incorporou elemento do Heavy Metal não apenas ao que viria a ser conhecido como grunge, como também a influências claras de rock and roll clássico e já consolidado.
Uma das descrições recorrentes ao grupo, principalmente após canções como “Black Hole Sun”, era a de que eles soavam como um encontro de Black Sabbath com Beatles, algo que ninguém havia imaginado até então.
Carreira solo
Em 1997 o Soundgarden entrou em hiato e então Chris Cornell decidiu partir para uma carreira solo, por onde acabou lançando cinco discos no total.
Aqui ele não teve pudor em abordar os mais diversos estilos que o influenciavam, e o disco de estreia Euphoria Morning foi muito bem recebido pela crítica, apesar de não ter um impacto positivo nas vendas.
Tendo como principais parceiros Alain Johannes e Natasha Shneider, ele gravou 12 canções sendo que “Wave Goodbye” era uma homenagem a Jeff Buckley, que se afogou e faleceu em 1997.
Nem tudo foram acertos, porém, e em 2009 ele lançou seu terceiro disco solo, Scream, com produção do badalado Timbaland.
Pisando em territórios bem distantes do que ele fazia de melhor, Chris Cornell se aventurou pelo pop e até pela música eletrônica, no que ficou conhecido como o ponto mais estranho de sua carreira.
Tudo foi resolvido rapidamente, porém, quando em 2011 ele lançou um disco ao vivo chamado Songbook, onde apresentou músicas do Soundgarden, Audioslave e covers de Led Zeppelin e John Lennon.
Audioslave
Falando nisso, ainda não abordamos outro ponto alto da carreira de Chris Cornell.
Entre seu primeiro disco solo e o segundo, Carry On (2007), o músico foi vocalista do supergrupo Audioslave.
A base da banda era formada por três membros do Rage Against The Machine, Tom Morello, Brad Wilk e Tim Commerford, que haviam se separado do vocalista Zack De La Rocha e encerrado as atividades da banda.
O que a princípio parecia uma união improvável acabou dando muito certo e o peso do instrumental do trio aliado aos vocais marcantes de Cornell acabou criando uma das bandas mais importantes dos anos 2000, que foi das baladas até as pedradas e criou clássicos como “Cochise” e “Like A Stone”.
Como um meteoro que passou rapidamente e encantou quem o viu de perto, o grupo lançou três discos de estúdio, Audioslave (2002), Out of Exile (2005) e Revelations (2006), antes de acabar.
As composições
Para acompanhar uma das vozes mais inconfundíveis do Rock, Chris Cornell tinha uma habilidade ímpar com a caneta, e suas composições, principalmente com o Soundgarden, eram bastante contundentes.
São de sua autoria os singles mais bem sucedidos da banda, e a forma como Chris aliava sua interpretação às palavras que colocava no papel deram vida aos álbuns da banda, que foi reconhecida como uma das mais inventivas dos anos 90.
As covers
Além das músicas próprias, as covers de Chris Cornell também eram escolhidas a dedo, e mostravam como ele passeava pelos mais diversos gêneros musicais sem medo.
Em seus shows eram comuns covers de nomes como John Lennon, Bob Dylan, Michael Jackson, The Police e U2.
Inventivo, ele costumava tocar “One”, da banda de Bono, com as letras de “One”, do Metallica.
https://www.youtube.com/watch?v=Ts9ohAPdgXU
Além disso, uma das suas versões mais marcantes era para o hit “Nothing Compares 2 U”, escrito por Prince e imortalizado por Sinéad O’ Connor, um verdadeiro hino que ganha vida ao ser executado por alguém com uma voz tão incrível.
Despedida
Em 18 de Maio de 2018 acordamos todos com a terrível notícia de que Chris Cornell havia falecido.
O músico se enforcou em um quarto de hotel de Detroit após um show do Soundgarden, e a viúva Vicky Cornell disse várias vezes que sua decisão foi impactada pelo uso de remédios controlados acima do normal, já que ele vinha os tomando nos últimos dias para conseguir dormir.
Vicky tornou-se inclusive uma representante das mais fortes na luta contra os opioides nos Estados Unidos e tem dito que o país não precisa perder tanta gente quanto perde diariamente por conta dos remédios.
É sempre terrível perder alguém tão talentoso como Chris Cornell, e o caso dele é um daqueles que ainda parecem que não são verdadeiros, já que sua presença ainda é tão forte cada vez que ouvimos um som ou assistimos a um vídeo.
Desejamos que a família tenha cada vez mais força para superar sua ausência e que o músico descanse em paz, com a certeza de que sua obra foi, é e ainda será fundamental para a vida de tantas pessoas ao redor do planeta.
Obrigado, Chris Cornell.