Há quase um ano, a família Veloso vem concebendo, reformulando e apresentando um projeto que leva o nome do patriarca e seus filhos: Caetano Moreno Zeca Tom Veloso. Agora, um desses shows virou CD e DVD e foi batizado de Ofertório.
O nome é o mesmo da música que Caetano escreveu para a festa de 90 anos de sua mãe, Dona Canô. Segundo os artistas, a faixa representa a união familiar e o desejo de homenagear gerações passadas.
Para falar mais sobre o projeto, Caetano e Zeca estiveram na sede do YouTube em São Paulo, fizeram um pocket show e conversaram com a imprensa em seguida. O TMDQA! esteve lá e traz, abaixo, os melhores momentos desse bate papo.
Pai e filho falaram sobre a convivência durante a turnê, o fator sentimental, os ensinamentos durante o processo e também as influências para a composição do show (que vai de Kanye West ao funk carioca). Leia abaixo, junto com uma galeria de fotos exclusivas.
Coletiva com Caetano e Zeca Veloso
De onde surgiu a ideia de reunir a família em um único espetáculo?
Caetano: Moreno vem trabalhando com musica há anos. Ele é formado em física, mas foi cada vez mais chegando pra música, agora há quase duas décadas. O Tom já tinha entrado na banda Dônica com os colegas dele, que são ultra capazes. O Zeca tinha trabalhado um pouco com música eletrônica, gostava de ser DJ, mas depois tinha parado e ficava em casa fazendo canções no violão ou no piano. E eu pensei ‘poxa, mas se todos estão fazendo música, eu quero fazer um show com eles’. Eu já tinha feito um show com o Moreno, na verdade o negócio foi esse. Foi no Sesc São Paulo, uma série chamada “Pais e Filhos”. E eu achei uma maravilha, foi uma experiência sensacional. Mas pra esse projeto a gente teve que adiar algumas vezes. Primeiro porque Moreno tinha compromissos, Tom estava começando com a Dônica… e depois porque Zeca não queria (risos). Mas eventualmente ele topou. E foi uma delícia. E também é um truque, porque os filhos crescem e vão ficando mais distantes da gente. Eu também quis fazer esse show pra ter eles perto de mim mesmo adultos.
Como é o lado emocional disso? Vê-los com você no palco resgata de alguma forma a sua juventude?
Caetano: Também! Esse é um dos componentes emocionais dessa experiência. Agora houve também emoções difíceis. Muitas musicas são inéditas, como “Todo Homem”, do Zeca. E a gente não sabia como as pessoas iam reagir, principalmente do jeito que a gente fazia. Porque não somos uma banda profissional. Todo mundo toca o suficiente pra fazer um negocio que é só nosso. Eu estreei com muita tensão, fiquei nervoso à beça. Mas a reação foi mais parecida com o que eu sinto de bom.
Zeca: Comigo foi parecido. É uma alegria enorme estar no palco com eles, mas foi bastante trabalhoso pra entregar o show na estreia. Até uma semana antes era uma coisa, depois mudamos. Eu, depois do meu pai, talvez, fui o que ficou mais nervoso. Tom e Moreno acho que estavam sempre confiantes…
Caetano: Tom sempre parece que não está nada nervoso. Tem até um pedaço que não entrou na edição do DVD em que ele aparece bocejando enquanto a gente está cantando uma outra coisa (risos). Então parece um relaxamento total. Mas quando a gente conversa ele diz que é o que fica mais nervoso. A gente não nota.
Zeca: Eu fico mais nervoso porque eu não estava preparado. Nunca fui um músico profissional. Acho que agora, depois de 30 shows, eu já estou tocando mais seguro.
Caetano: Você fazia tudo direitinho e continua fazendo, só que mais relaxadamente. Nos últimos dias perto da estreia, foi o Zeca quem tomou a responsabilidade de orientar as mudanças que a gente precisava fazer no repertório. Ele foi nosso guia nesse momento. Deu dicas que definiram a forma que o show ficou.
Zeca: Mais ou menos… (risos)
Eu queria que vocês esboçassem o processo criativo pro show, a questão da direção visual também, que é incrível. Quero saber também o que vocês ouviam durante esse tempo, que artistas podem ter influenciado essa montagem.
Zeca: Eu sempre falo do Djavan. Mas, hoje em dia, ouço muitas coisas variadas, principalmente o pop, coisa que toca no rádio. Tipo funk, sertanejo, o R&B americano… isso tem uma vitalidade. Eles estão sempre se reinventando, enquanto outras áreas mais respeitadas da música se mantém conservadoras. Isso me entusiasma mais, até porque eles sempre procuram ter um impacto, serem instigantes. E eu penso isso do nosso trabalho também. Foi importante pra eu pensar essas mudanças no show.
Caetano: O Zeca me mostrava muitas coisas, por exemplo James Blake. Ele me atualiza com coisas de Kanye West, que faz muita coisa de caráter experimental. Kanye West falando é chato pra caramba… (risos). Eu vi na televisão ele tocando num festival e falando por 3 horas. Pior do que eu! E ele fala besteira, eu não falo tanta besteira assim. Mas ele é bom musicalmente e inventivamente.
O que você (Caetano) vê no Zeca que você se orgulha e sente que ele puxou de você? E Zeca, que características você sente que herdou do seu pai?
Caetano: Muita coisa nos meus filhos me dão orgulho. Vejo muitas coisas que reconheço como características minhas e que admiro. Também vejo algumas que são minhas e não gosto. Mas isso não predomina no show, só o que a gente pode ser de melhor. Por exemplo, o Zeca sempre me pareceu, de genética, que tinha puxado mais a mãe dele. Mas aí eu fui ver aquele filme “Uma Noite em 67”, e quando eu apareci em cena, pensei ‘meu deus, é o Zeca!’ (risos). Mas eu me orgulharia muito de o Zeca dar valor ao meu esforço de honestidade. E ele é até mais exigente do que eu nesse sentido.
Zeca: É difícil dizer o que eu herdei… mas consigo dizer o que eu admiro nele, como pai e como pessoa: honestidade, lealdade, caráter. De qualquer forma, não tem como não herdar porque ele, sob muitos aspectos, é minha maior referência. Não exatamente pra onde eu quero ir, mas como se fosse um centro de gravidade, pra onde eu posso ir como artista e como pessoa. Ele tem uma sensibilidade e um talento sobrenatural pra criar.
O funk tem tomado um alcance mundial, já está entre as 50 músicas mais tocadas em pelo menos 13 países. E vocês tem “Alexandrino” no show de vocês. Como foi a decisão de colocar essa música? E sobre o contexto social do funk, que no Brasil ainda há muita gente reticente com o estilo…
Caetano: A história do funk carioca já é velha e sempre enfrentou resistência e preconceito, inclusive na imprensa. Havia críticos respeitados que desqualificavam totalmente. Tem um livro do Hermano Vianna que já é antigo e conta a história da formação do funk carioca. E hoje o funk é predominantemente paulista, e ganhou espaços de silêncio, características experimentais… e a presença mundial também já é antiga, o Diplo já usa essas batidas há muito tempo. Eu gosto imensamente, até mais que o Zeca. Mesmo no Tropicalismo, o Gil gostava de pensar nos Beatles, e eu pensava mais em Roberto Carlos. Eu gostava mais da imitação brasileira do pop de língua inglesa. Era mais forte pra mim do que o pop de língua inglesa diretamente. Por exemplo, eu adoro Rihanna, mas tenho muito mais interesse em Ludmilla e Anitta.
Uma curiosidade: família é igual em todo canto do Brasil. Então, na rotina, como é o convívio de vocês durante a turnê? Vocês brigam quando um discorda?
Caetano: A gente nunca briga, graças a Deus. Tem um grande dito de um autor russo que é ‘todas as famílias felizes são iguais, mas as famílias infelizes são cada uma infeliz de uma maneira’. Então a nossa ambição é ser uma família feliz e original.
O que você tenta passar pros seus filhos, levando em conta sua experiência, tanto pro momento do show quanto pra hora de compor?
Caetano: Se eu puder fazer alguma coisa pra eles não ficarem nervosos, eu faço, mas às vezes eu próprio fico nervoso. E em termos de ensinar e dar dicas, eu tenho mais ouvido do que dito. Eles me têm dito coisas, reclamado da minha imprecisão na manutenção da regularidade do tempo, me colocado no trilho. Eu não sou muito professoral, nem nos ensaios nem no show. Isso também vem do meu pai. É mais importante dar o exemplo. Eu vou fazendo coisas que devem servir de exemplo. Se eles quiserem atentar pra mim, beleza.