Gustavo Bertoni nos guia, faixa a faixa, pelo seu novo disco de estúdio

"Where Light Pours In" é o novo disco solo de Gustavo Bertoni e o músico da Scalene nos falou sobre as suas influências em um faixa a faixa.

Gustavo Bertoni - Where Light Pours In

Gustavo Bertoni, músico conhecido como vocalista e guitarrista da Scalene, está lançando um novo disco solo.

Where Light Pours In é o nome do segundo álbum do brasiliense no formato e através dele Gustavo mostra as suas influências do folk e composições em Inglês que bebem de diversas fontes desde outros artistas solo até vocalistas de bandas de post-hardcore lá de fora que também seguiram esse caminho.

Publicidade
Publicidade

Nós do Tenho Mais Discos Que Amigos! pedimos para que o próprio autor da obra a explicasse e ele o fez através de um faixa a faixa que te levará a uma viagem pelas dez canções do álbum.

Divirta-se!

01 – “Bluebird”

Essa música realmente começou brincando com os acordes de “Blackbird”, dos Beatles, e quando eu saí daquela crescidinha do baixo e fui pra um ré menor ao invés do sol maior lá no fim do braço eu gostei muito da sonoridade daquilo, da sensação e comecei a compor a música a partir daí.

Nos versos eu fui pra outra coisa pra não remeter tanto assim a “Blackbird” mas eu fiz questão de chamá-la de “Bluebird” para fazer uma citação clara ao clássico dos Beatles, que é uma referência desse álbum e sempre foi desde moleque.

Achei que fazia sentido começar o disco com ela, tanto por já apresentar essa conexão das minhas influências atuais com as primeiras coisas que despertaram meu interesse por música, quanto pela letra que eu acho uma boa introdução e a sensação final dessa música. O fim dela sempre me trouxe muita paz, não sei exatamente por quê.

Eu pensei que seria massa iniciar o disco com ela pra dar uma assentada nas emoções, na frequência de quem vai ouvir, pra ela preparar e se abrir para o que vem na sequência.

 

2 – “Where Light Pours In”

É uma música que chama atenção porque é o nome do álbum e inicialmente eu nem pensei em escrevê-la com o nome do disco ou que ela fosse música de trabalho.

Quando eu escrevi a frase que diz “I’m searching for the path where light pours in” eu meio que gostei muito da forma como aquilo soou, foi uma das primeiras que eu escrevi então foi bem importante pro conceito do álbum e pra eu começar a entender sobre o que eu queria falar.

Ela é bem “Roots Rock”, que inclusive é um gênero que eu fui descobrir depois do disco pronto, procurando playlist no Spotify quando encontrei uma chamada “Roots Rising”. Tem esse gênero, “Roots Rock”, que é um gênero de Rock com influência do Folk, do Blues e do Country.

Eu pensei, “como é que eu não conhecia isso aí?”, já que é meio que exatamente o que eu procuro fazer nesse projeto.

Há aqui também uma influência de swing, que é uma parada dos anos 50 e 60 que eu acho muito legal e tentei incorporar.

 

A letra é bem confessional falando sobre papéis que eu assumi durante a vida desde, sei lá, ser MVP no basquete, ser Don Juan ou aquele moleque novo que a galera começa a chamar de prodígio, na minha opinião de forma bem exagerada. E eu sou uma pessoa que tem uma expectativa muito alta de mim mesmo, uma exigência muito grande.

Conforme eu fui ficando mais velho e conquistando coisas isso chegou a ficar em um ponto muito extremo, e eu comecei a falar “não, peraí, deixa eu entender onde a luz entra, deixa eu me reconectar com a minha essência, deixa eu sentar pra conversar com o meu ego que foi muito alimentado nos últimos anos.”

Isso me trouxe vários ensinamentos legais, várias coisas bacanas de conquistas e tudo mais, mas ao mesmo tempo me colocou sempre nesse lugar de “performar” com uma certa expectativa dos outros e de mim mesmo.

Comecei a, nesse disco, explorar essas coisas e conversar comigo mesmo pra entender quais dessas coisas me fazem bem e quais não me fazem bem.

 

3 – “Vain”

A terceira música, “Vain”, tem um quê de blues e uma melodia que eu fiz inicialmente no piano, com uma coisa meio decrescente, meio jazz. Começou no piano e depois eu joguei pra voz.

Ela tem essa pegada de roots rock também, e essa coisa de blues e jazz bem presente. Com essas três músicas eu começo a apresentar o disco de uma forma talvez familiar para as pessoas, baseado no meu primeiro trabalho.

Liricamente falando foi uma letra interessante porque eu comecei ela e já veio essa frase, “You are vain”. E eu pensei então, “sobre o que eu to falando? Quem eu quero chamar de vaidoso? Pra vaidade de quem eu quero chamar a atenção?”

Eu tentei direcionar essa música pra pessoas que eu conheço, pessoas do mercado e tal, mas até que eu cheguei em um ponto e perguntei para mim mesmo, “quem você está enganando? Você tá falando de você mesmo.”

E é aquela velha história, muitas vezes a gente se incomoda com as coisas dos outros porque de alguma forma elas falam da gente.

Aí eu comecei a escrever essa música na segunda pessoa só que de uma forma que em algum momento as pessoas vão sacar que eu to falando sobre mim mesmo. Sou eu criticando a minha vaidade como artista, como pessoa. Todos nós temos uma certa vaidade em diferentes áreas e no mundo artístico ela é muito alimentadas. São muitos elogios o tempo inteiro, uma pose, uma expectativa para atuar dessa ou aquela forma.

Eu comecei a criticar a minha própria vaidade e pra você ver como é o ego, durante a música eu comecei a achar legal que eu estava conseguindo enxergar a minha vaidade e que eu como artista ia criticar a mim mesmo. Isso já era de novo a minha vaidade e o meu ego falando, “ah que legal cara, você é um artista que conseguiu olhar pra você mesmo, vai escrever sobre isso e trazer reflexão pras pessoas.”

Por isso que eu falo na música, “mesmo quando você está escrevendo uma música, é vaidoso.” Até quando eu estou falando sobre a vaidade, percebendo minha vaidade, ela ainda está atuando sobre mim, sacou? Isso explora várias coisas, rola um lance do diálogo de você com você mesmo.

Lá na parte C eu crio um cenário meio caótico, meio confuso, meio que surtando e eu até falo que a única beleza que tem nisso tudo, a beleza real sobre essas coisas que eu to falando é essa de eu estar surtando, porque isso sim é sincero, honesto e desprovido de vaidade.

 

4 – “Apathy Dance”

Essa eu acho que é a música mais antiga dessas que eu compus. Eu acho que ela já estava começando a existir lá em 2015 e ficou meio engavetada. É uma música que eu escrevi sobre uma pessoa que estava na minha vida naquela época e a letra ficou bem completa.

No finalzinho do processo de fechar o repertório pro disco eu estava ensaiando com o Samyr e o Tomás, que foi tocar baixo esse dia no ensaio e dar pitacos, me ajudar, aí a gente ficou batendo cabeça com uma música que não vingou e eu lembrei que tinha essa e precisava de uma substituta.

Quando eu mostrei pro Samyr, que não tinha escutado ainda, e pro Tomás, que só tinha escutado eu tocando em casa, ele falou que ela tinha que estar no disco. Aí eu revisitei ela, terminei a letra, e o resultado foi uma das músicas mais legais do álbum pra muita gente. Eu achei que faltava uma música com esse tipo de energia.

Ela tem uma coisa meio de um folk bem tradicional e meio lúdico. O violão me lembra Os Saltimbancos. Acho que ela tem essa coisa lúdica e é interessante que eu estou falando pra pessoa com quem eu estava que eu só queria uma dança com a apatia dela, que era uma pessoa que não enxergava o próprio potencial e eu tentava mostrar o potencial para essa pessoa mas ela estava muito presa no mundo das aparências e com essa coisa da vida dupla; na vida digital era uma pessoa e na real era outra.

A ideia do lúdico é dar uma animada nessa pessoa e o engraçado é que a linha de baixo parece “O Jumento não é / Jumento não é / O grande malandro da praça”, uma música dos Saltimbancos, e de repente eu peguei justamente daí que é uma coisa que eu ouvia quando era moleque.

5 – “Be Here Now”

Foi o primeiro single e acho que a liricamente a música resume bem o disco. Inclusive foi um dos motivos por eu ter começado com ela, porque eu acho que ela tem um aspecto meio conclusivo de todos os dilemas e dúvidas tratadas no álbum. Acho que ela tem uma coisa conclusiva na parada de estar presente no momento e encontrar uma leveza dentro de você mesmo.

Tem esse lance de “somente existir”, sabe, sem tentar encontrar as respostas pra tudo e realmente agarrar cada segundo das experiências, que é uma coisa que eu quero trabalhar cada vez mais.

Eu comecei a escrever essa música depois de uma conversa na praia com a Luiza [Pereira, namorada de Gustavo], depois do Reveillon do ano passado. Logicamente a gente estava meio alto e começamos a conversar sobre essa parada que eu acho que a natureza muitas vezes traz: a sensação de imensidão e você sendo um ponto muito pequeno no meio disso. Acho que isso muitas vezes dá uma realinhada nos pensamentos.

É um folk bem tradicional juntando as influências de Simon & Garfunkel e Beatles com as coisas mais modernas tipo Sufjan Stevens e Moses Sumney.

No final dela tem um arranjo de cordas muito foda do Edu Canavezes, da banda Meu Amigo Tigre. O Samyr que sugeriu dele fazer o arranjo e o moleque mandou bem pra caralho. É um trio de viola, violino e violoncelo que a gente gravou, deu uma dobrada e aí acabou soando maior que um trio e ficou muito foda.

 

6 – “In The Long Run”

É uma música que eu demorei pra gostar por causa do refrão que me remetia a algumas coisas, sei lá, anos 2000, músicas de Pop/Punk que eu gostava quando era adolescente mas nunca mais tinham aparecido como influência e eu achei estranho elas terem aparecido nessa música seguidas de um verso meio Alabama Shakes, uma coisa sessentista.

Eu demorei pra gostar mas acabei gostando da ideia e aproveitei essa coisa de ter me remetido à adolescência pra falar sobre a trajetória do Scalene e o processo que é você ter uma banda, uma empresa com os seus amigos de infância há quase dez anos e como é maravilhoso e a gente construiu raízes fortes pra caralho e fez coisas iradas.

Mas ao mesmo tempo quando você trabalha com amigos de infância, isso pode te afastar deles de alguma forma. Quando eles viram mais colegas de trabalho do que amigos e as conversas são mais de trabalho do que qualquer outra coisa, pode haver um certo distanciamento na relação. Eu acho que isso é algo que deve ser sempre preservado e sempre cuidado.

Fala um pouco disso e da trajetória e a certeza de que quando a gente estiver velho e olhar pra trás pra ver o que fez vai ter muito orgulho.

 

7 – “Great Green Grass”

Esse disco acabou ficando meio Lado A e Lado B. Acho que o Lado A tem músicas mais familiares, mais folk, indie rock e roots rock e o Lado B, em “In The Long Run”, ele começa a dar uma brisada.

Em “Great Green Grass” rolou uma vibe psicodélica, também ali nos Anos 60 com coisas que eu estou escutando agora. Fica bem clara a influência de Beatles na fase mais psicodélica deles e acho que pode ter um pouco da influência de Temples também.

A letra é meio que uma utopia onde todo mundo se conhece como “velhos amigos”. Uma noção surreal de que todo mundo se conhece de muito tempo. Imagina se todo mundo se conhecesse desde sempre; seu vizinho, seu porteiro, o contratante do seu show, o público.

Eu pinto essa situação utópica e falo sobre a noção de que quando você está se sentindo assim como o tempo fica relativo e você consegue meio que “entortar” ou parar o tempo, por exemplo quando você tem a sensação de que está tudo perfeito, a gente está com os nossos amigos, está curtindo e está se sentindo vivo debaixo do Sol. É meio que essa pintura psicodélica solar.

 

8 – “Snake Charmer”

Em “Snake Charmer” eu achei que era o momento de explorar influências do blues que estavam meio adormecidas, sabe. O Samyr mandou muito bem nos grooves e tem uns synths que acabam surgindo como novos elementos no disco.

Liricamente ela é bem confessional, fala sobre culpa e arrependimento de trair ou ser desleal e fazer o que você não gostaria de fazer, basicamente. Sobre querer mudar esse comportamento. Bem confessional e me expondo bastante; letra mais clara, impossível.

 

9 – “Wanderlust”

Acho que é a única música romântica do disco e fala sobre o amor não idealizado, sobre como o amor nutre mas muitas vezes ele tira também.

Fala sobre a “não necessidade” de viajar e mudar de cidade, fugir de casa pra sentir o seu lar. Foi uma música que eu fiz depois de ter me mudado com a Luiza e eu realmente senti que tinha um novo lar, e com a coisa de ficar viajando sempre com a banda e voltando pra casa, foi uma ótima sensação, tanto no sentido físico quanto emocional da coisa.

E também fala um pouco sobre “des-idealizar” o amor, porque muitas vezes principalmente nos primeiros relacionamentos da vida a gente tem essa coisa idealizada e romântica que tem que ser isso, tem que ser aquilo, e é uma percepção muito mais realista pra isso tudo.

 

10 – “Unsheltered”

Pra finalizar, essa é uma música que foi se construindo, em questão de arranjo, durante todo o processo. A gente a gravou já imaginando que ela teria cordas, mas os arranjos se construíram muito dentro do estúdio, então foi daquelas das mais surpreendentes para nós mesmos, sabe?

Tem muitas músicas que você compõe e já meio que imagina como vai soar e essa, como foi construída em estúdio, foi muito surpreendente também e acho que isso acaba sendo transmitido pro ouvinte porque a construção dela é meio inesperada mesmo.

Arranjo também do Edu, que ficou um absurdo, e aí aparecem influências de nomes como Jeff Buckley e essa galera bem cantor-compositor também mas permite às vezes um arranjo mais grandioso.

Achei legal que ficou grandioso e catártico mas não ficou “épico”. A intenção era não soar muito pretensioso ou ambicioso, sabe, mas sim muito carregado de emoção e acho que a gente conseguiu isso.

É uma letra bem pessoal também que fala sobre meu comportamento desde moleque; inclusive a minha avó achava que eu era autista. Ela era médica e falava que eu tinha que ser levado a um psiquiatra porque eu tinha esse comportamento observador, de ficar na minha, e às vezes ter que realmente “moldar” a realidade pra realmente viver.

Ela fala sobre isso e o refrão eu nem sei exatamente por que liguei uma coisa com a outra, o lance desse comportamento e de “perder o teto”. A sensação de que às vezes você vive umas paradas e nunca meio que volta pra onde você estava. Talvez eu tenha vivido coisas na infância que eu nem lembro e que me deram essa sensação e me fizeram ficar com esse comportamento meio recluso e de alguma forma isso ficou comigo a ponto de querer falar de novo sobre isso aos 24 anos.

Sair da versão mobile