Texto por João Victor Pereira
Fotos: Luana Tayze – Cobertura oficial MADA
O Festival MADA chegou à vigésima edição muito longe em estrutura da tenda improvisada no bairro da Ribeira, em Natal, onde em 1998 o festival começou a fazer sua história. Na Arena das Dunas, casa do evento nos últimos anos, o público encontrou conforto, som de qualidade, espaço de sobra e uma organização que se diferencia da maioria dos eventos de música que acontecem na capital potiguar.
Entre as falhas notáveis apenas a ausência de indicação sobre os nomes dos palcos e uma melhor sinalização para encontrar o Palco Arena MADA, espaço alternativo um pouco distante da área dos principais shows. Dentro e fora dos palcos, o clima político que o país atravessa teve protagonismo e não foram poucas às vezes que mensagens contrárias ao candidato Jair Bolsonaro foram ouvidas.
Sempre se destacando por apresentar novos nomes da música brasileira e grandes shows, o MADA trouxe no line-up do seu primeiro dia artistas que marcaram o festival e algumas novidades interessantes, que devem ganhar projeção no cenário alternativo nacional.
A largada no palco principal ficou por conta de Duda Beat que traz suas raízes pernambucanas, como brega e sofrência, embaladas por um pop dançante. Uma mistura que não deixou ninguém indiferente no ainda pequeno público que acompanhava seu show.
Carismática, assim como toda a banda que a acompanha, seduziu o público que parecia começar a se desarmar e se divertir, esquecendo um pouco o cenário político tão desfavorável. Ao final do show, Duda exalou positividade ao agradecer o Nordeste pelo resultado eleitoral do último domingo. Ela pediu para que o público LGBT que acompanha seu trabalho não se deixe conduzir pelo medo. Um dos pontos altos da apresentação foi a versão de “Se não Valorizar” de Aviões do Forró, cantada para um público bem familiarizado com essa música, versão de um outro hit: “Umbrella”, da cantora Rihanna.
A combinação eficiente de pagode baiano, axé, rock e música eletrônica do ÀTTØØXXÁ fez todo mundo dançar, espantando de vez qualquer apatia do público. Nada parecia intocável, ainda bem, para o grupo que mesclou referências de grandes nomes da música negra, como Nina Simone, com batidas eletrônicas, criadas na experimentação da rica cultura periférica da capital baiana.
Nesse liquidificador não ficou de fora o hit do carnaval desse ano, “Elas Gostam (na popa da bunda)” e ainda um incrível solo de “Seven Nation Army”, do White Stripes, tocado em parceria com Rafael Brasil, guitarrista da Far From Alaska.
Os pernambucanos voltaram ao palco com Lirinha e seu Cordel do Fogo Encantado e Jorge Du Peixe com a Nação Zumbi, duas bandas que já se apresentaram em diversas edições do MADA. Marcada por suas tradicionais poesias e com uma linda apresentação da canção “A Matadeira”, Lirinha ressaltou a necessidade da resistência em tempos tão hostis, lembrando a história de Canudos. O público reagiu empolgado à mistura dos ritmos pernambucanos do Cordel, e passos de coco de roda eram vistos por todo festival.
Mas foi com Nação Zumbi que um discurso antifascista se tonou mais explícito. A apresentação do grupo iniciou com vídeo exaltando a resistência do Nordeste e mostrando o candidato Jair Bolsonaro oferecendo capim para seus opositores. O #Elenão era transmitido no telão de LED e os gritos do público eram intensos no repúdio ao candidato do PSL. Também foi perceptível que parte menor dos presentes decidiram levantar o dedo do meio quando Jorge Du Peixe se pronunciava contra Bolsonaro. Em um segundo momento, outro vídeo de Bolsonaro foi exibido com falas do candidato contra direitos trabalhistas. Como era de se esperar o show de Nação deixou o público em êxtase, principalmente quando os principais hits do Da Lama ao Caos foram tocados.
Segundo Dia
Já no segundo dia do Festival MADA, o palco principal foi aberto pela banda Alphorria, potiguares que também tocaram na primeira edição em 1998. Em seguida, chegou Luísa e os Alquimistas com a psicodelia, o ragga e o pop eletrônico do seu som que não deixou ninguém parado em uma apresentação inspirada e intensa da cantora potiguar. Cantando músicas dos álbuns Cobra Coral e Vekanandra, Luísa Guedes levantou o público que começava a se aquecer para uma noite que ainda guardava bons shows por vir.
Pouco tempo depois, no palco Arena MADA, se apresentou uma das novidades mais interessantes da música potiguar dos últimos tempos. Potyguara Bardo, de maneira confiante, mostrava sua arte drag e o envolvente álbum Simulacre para um dos maiores públicos desse palco alternativo do festival. A qualidade da produção musical se destaca tanto quanto a performance de Potyguara que parecia encantar um público que, com as letras decoradas, cantava tudo. Destaque para “Plene”, apresentada pela primeira vez ao vivo, com a participação de Luísa Guedes.
Voltando ao palco principal, Larissa Luz arrancava gritos de euforia do público com uma apresentação engajada e que era um espetáculo para os que buscam uma roupagem militante para o axé baiano. Descolonizada, Larissa apresentou uma ode ao empoderamento das mulheres pretas. Como era de se esperar, muitos gritos de #Elenão foram ouvidos durante o show. A cantora potiguar Khrysthal subiu ao palco para cantar, junto com a cantora baiana, uma homenagem para Elza Soares.
Com a chegada da Francisco El Hombre ao palco, o Festival MADA teve uma surpresa logo de cara. LUTE. Cada letra da palavra escrita no corpo de um integrante da banda, todos nus, o que resultou numa ovação intensa por parte da plateia. O som impecável da banda parecia envolver o festival em um clima de calmaria e amor. O ativismo declarado fez o público se engajar do início ao fim de um dos melhores shows da noite.
A atração mais esperada chegou sem pedir licença e fez uma apresentação intensa em uma noite inspirada de Alex Kapranos. O Franz Ferdinand empolgava até quem não tinha muita familiaridade com a banda. Os principais hits do grupo foram cantados a plenos pulmões pelo público presente e eles pareceram reconhecer o envolvimento do público, tocando até um pouco mais do que o tempo previsto para o encerramento do show.
Apesar da performance incrível do Franz em Natal, a apoteose do Mada 2018 foi, sem dúvida alguma, a apresentação do BaianaSystem. Responsáveis por encerrar a noite, Russo Passapusso e sua trupe já deixaram claro, desde o início, o tom político da apresentação com a exibição de “Aqui Não”, vídeo com texto em defesa do Nordeste e contra o fascismo, interpretado pela atriz potiguar Alice Carvalho. Círculos dentro de outros círculos humanos envolviam os espectadores do show em uma gigante roda de pogo, a alegria exalava e Baiana não deixava a energia baixar com uma sequência de seus maiores hits.
Eles também não deixaram passar em branco os sete meses da morte de Marielle Franco, nem o assassinato covarde de Moa do Katendê. Jair Bolsonaro foi alvo de protestos em muitos momentos do show. Tinham ritmo, consciência e um fascinante domínio do público que, mesmo depois de uma bateria de shows, se recusava a não pular quando, já depois das 3h da manhã, ao som de “Playsom” se encerrava a apresentação da banda e a excelente edição comemorativa de 20 anos do Festival MADA.