Julho de 2009: com textos que comecei a escrever ainda em um blog dentro de outro portal, resolvi começar, por hobby, um site onde poderia abordar ao mesmo tempo dois grandes pontos relacionados à música que eu via o tempo todo na minha vida.
O primeiro deles era como as pessoas costumavam dizer que “não existe mais música boa”, e que “nada presta”, sendo que eu estava consumindo novos artistas como nunca tinha feito anteriormente.
O segundo era para afastar os demônios pessoais e encontrar um norte em uma vida voltada à rotina e ao trabalho, resultando em ansiedade, depressão e tantas outras questões com as quais a humanidade infelizmente passou a sofrer com mais frequência na era da Internet.
Falar de música, então, foi a válvula de escape que anos depois tornou-se o trabalho oficial.
Menos de um ano depois, mais precisamente em 08 de Junho de 2010, a banda punk Against Me! lançaria o seu quinto disco de estúdio, o segundo produzido pela lenda Butch Vig, e entraria para a minha vida com um dos seus álbuns menos reconhecidos, o ótimo White Crosses.
O Against Me! foi um projeto fundado por Tom Gabel que consegue manter coesão em uma carreira repleta de diversas fases, começando como o folk/punk/anarquista que se transformou em Punk Rock dos bons e nessa época vinha flertando com o mainstream, já que estava em uma grande gravadora desde que lançou New Wave, o álbum anterior.
Curiosamente eu estava pegando a banda em uma “descendente”, já que a gravadora não se interessou em divulgar decentemente o material e mal fez trabalhos de promoção de White Crosses, mas dali pra frente o grupo só cresceu em vários aspectos.
Gabel se assumiu como mulher transgênero, agora Laura Jane Grace, e lançou em 2014 o sensacional Transgender Dysphoria Blues, onde fala claramente sobre o tema com canções incríveis e letras das mais profundas, tanto que parou no topo da nossa lista de melhores discos internacionais daquele ano.
Tudo isso a transformou em uma figura carismática na comunidade do Punk, LGBTQ+, uma referência trans e pessoa idolatrada pela forma como coloca em palavras e acordes as experiências de vida pela qual passou e ainda passa.
Nos últimos dias, ela veio ao Brasil para uma turnê onde além de tocar com o Against Me!, também lançou a versão em português da biografia Tranny e ainda vai trazer o show do seu novo projeto paralelo com o Devouring Mothers.
E eu sei que a introdução foi longa, porém mais que necessária para falar do objeto específico dessa resenha, que foi o show no Carioca Club em São Paulo.
Against Me! em São Paulo
Eu já tive a oportunidade de ver alguns shows do Against Me! lá fora, mas sempre em festivais ou abrindo para outras bandas, e nada se compara a estar entre amigos e na sua terra para aproveitar as músicas de um show solo de um artista que você admira tanto.
Nessa oportunidade também deu pra perceber que havia muita gente ao meu redor cujas vidas foram impactadas de diversas formas pelas músicas da banda.
A maior prova disso foi a quantidade imensa de pessoas que subiram ao palco e não apenas pularam de volta em êxtase como fizeram questão de deixar claro seu amor pela vocalista e guitarrista Laura Jane Grace.
Beijos, abraços, reverências e até pessoas que se ajoelharam à sua frente eram frequentes durante as pedradas que a banda entoava em sequência, e ficou claro que além das canções de Laura terem impactado tantas vidas, suas lutas diárias no meio Punk e depois como transgênero fizeram com que as pessoas se identificassem com as dificuldades que também enfrentam frequentemente e precisam superar, muitas vezes com o Against Me! tocando nos fones de ouvido.
Foi incrível ver que havia fãs de todas as fases da banda reunidos ali. Desde aqueles que vibraram com as canções ásperas do início de carreira até os que cantaram a plenos pulmões as músicas da fase major com canções de White Crosses e New Wave passando pelos que se empolgaram mais com Transgender Dypshoria Blues, o público de São Paulo não deixava a bola jogada pela banda cair um segundo, e isso era refletido nas expressões de felicidade dos integrantes no palco. Todos eles, em algum momento, abriram grandes sorrisos ao cantarem junto com a plateia e perceberem quantos aplausos vinham recebendo.
Outro ponto que arrancou boas risadas dos músicos foi quando as pessoas que subiam ao palco começaram a pegar palhetas do pedestal de Laura Jane Grace como recordação antes de pular de volta ao público.
Bastou que um fã fizesse isso para que vários repetissem a ação na sequência e não importava quantas vezes o roadie recarregasse o estoque, ele ia acabando à medida que as pessoas iam subindo. O plot twist, porém, veio quando alguém subiu no palco e repôs o arsenal do pedestal de Laura com uma palheta própria, atitude que foi seguida por outras pessoas ao longo das próximas músicas e como você pode ver na foto abaixo, colocou um sorrisão no rosto do guitarrista James Bowman.
O show do Against Me! em São Paulo passou como um verdadeiro meteoro e fez todo mundo sair de si com músicas como “White Crosses”, “Cliché Guevara”, “True Trans Soul Rebel”, “Black Me Out”, a explosiva “I Was Teenage Anarchist”, entre tantas outras.
Laura ainda encontrou espaço para as baladas como “Borne on the FM Waves of the Heart”, que na versão de estúdio tem as irmãs Tegan And Sara, e fez a alegria desse que aqui escreve com “Ache With Me”, canção que simboliza momentos de dor e angústia que só são superados quando alguém te dá a mão e tem trechos como:
Você compartilha o mesmo senso de derrota?
Você entendeu todas as coisas que nunca será?
Ideais se transformam em ressentimento, mentes abertas se fecham com cinismo
Eu não tenho nenhum julgamento para você, venha sentir sua dor comigo
O show ainda teve algumas pérolas de início de carreira e a cover de “The Best Ever Death Metal Band in Denton”, do Mountain Goats, que Laura Jane Grace disse ser a sua música favorita de todos os tempos, então gostaria de compartilhá-la.
Outro ponto a ser notado foi um discurso que a cantora levou anotado em um papel que estava no bolso, já que não queria esquecê-lo, falando sobre como é preciso lutar contra o fascismo e atitudes que queiram transformar o mundo em um lugar pior, principalmente para as minorias. Sem deixar a fala chegar ao final, a plateia começou a gritar “Ele Não” em peso, fazendo referência ao movimento que se originou com mulheres brasileiras como uma sinalização contra o candidato à presidência Jair Bolsonaro.
Foi um show para lavar a alma e se (re)encontrar na música, essa arte tão fundamental para o ser humano e que o acompanha nos mais diversos momentos de sua vida, mesmo que em tempos sombrios como os que estamos vivendo existam pessoas tentando colocar tudo isso de lado quando eu realmente acredito que se todos fôssemos mais conectados uns aos outros como fomos nesse dia através de um lugar comum, o mundo seria um lugar bem melhor.
A tarde ainda contou com a abertura de Water Rats, Weedra e Mau Sangue. Veja diversas fotos dos shows após o vídeo.