Novas músicas, voz, violão e política: conversamos com o Selvagens À Procura de Lei

"Gosto de bandas que quebram a expectativa, que mudam": confiram a nossa entrevista exclusiva com Gabriel Aragão, do Selvagens À Procura de Lei.

Selvagens À Procura de Lei
Foto: Dário Matos

Arriscar e tentar coisas novas pode ser muito bom!

O Selvagens À Procura de Lei é formado pelos músicos Gabriel Aragão, Rafael Martins (ambos dividindo guitarras e vocais principais), Caio Evangelista (baixo) e Nicholas Magalhães (bateria). Com três álbuns lançados até hoje, o grupo cearense é um dos grandes nomes do novo rock nacional e está disposto a tentar fugir de sua zona de conforto. Depois de misturar indie com post-punk em seus dois primeiros álbuns de estúdio, o grupo se arriscou a buscar uma sonoridade mais pop em 2016, no seu terceiro álbum Praieiro. Agora, dois anos depois, o grupo volta com novos lançamentos experimentando novos desafios.

O primeiro lançamento da nova era do SAPDL foi uma versão acústica de uma música lançada originalmente no álbum de estreia Aprendendo a Mentir. Com a participação de Roberta Campos, o grupo disponibilizou uma nova versão da faixa “Jamoga“.

Isso abriu a mente dos integrantes em dois sentidos: gravações no formato voz e violão e participações, já que nenhuma das faixas anteriores da banda teve participação de algum artistas. Mais recentemente, o grupo disponibilizou a inédita composição do guitarrista Rafael Martins,Solidão Me Levou“, deixando novamente o peso de lado em favor de um arranjo acústico.

Mas essas não são as únicas novidades que estão por vir. Com o apoio do produtor musical Paul Ralphes, o grupo fez seu primeiro registro de uma apresentação ao vivo, e pretende disponibilizá-lo aos poucos nas plataformas digitais. Fora isso, 2018 ainda contemplará mais uma inédita, prevista para ser lançada em Dezembro. E em 2019 tem álbum novo vindo!

Conversamos com o vocalista Gabriel Aragão sobre o futuro do grupo, sobre tentar novos estilos e sobre músicas de protesto. Leia abaixo nossa entrevista:

 

TMDQA!: De onde surgiu a ideia de repaginar “Jamoga” como uma faixa acústica?

Gabriel Aragão: Na verdade, eu já estava brincando com ela no violão. Quando gravamos a versão do primeiro disco, ela tinha um tom muito agudo. Mas aí desenvolvemos melhor essa versão voz e violão e gostamos bastante. No DVD ficou assim. Só que quisemos gravar uma versão em estúdio dela. Indo gravar essa versão de estúdio, a gente pensou no quão maneiro poderia ficar com a participação de uma voz feminina. Aí pensamos na Roberta Campos. Ela veio e nos conhecemos durante a gravação. Foi muito “vibe”. A Roberta é uma profissional incrível. Em três takes, ela já tinha acabado a parte dela da gravação. Então, foi impressionante. A participação dela mudou “Jamoga” pra sempre. E é a primeira vez que temos participação de algum artista em uma música do Selvagens. Foi uma experiência muito legal.

TMDQA!: Vocês pretendem levar isso para frente nos próximos lançamentos? Pretendem lançar singles com participação de outros artistas?

Gabriel: Este ano foi cheio de “primeiras vezes” para a banda: primeiro registro de show ao vivo, primeira participação… A experiência com a nova versão de “Jamoga” foi muito legal. Acho que seria muito interessante lançarmos uma inédita com participação de alguém. A gente tem uma música inédita para ser lançada em Dezembro. Não sei exatamente como ela vai ficar ainda, mas talvez tenha alguma participação. Estamos vendo isso… Não é uma certeza, mas é uma porta que se abriu, e que vamos sempre considerar a partir de agora.

TMDQA!: Com que outro artista você se imagina gravando uma música no momento?

Gabriel: Eu tenho muita vontade de gravar uma música com as nossas amigas do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira. A gente já tocou com elas em vários festivais. Já teve um abrindo show do outro. Tenho muita vontade de lançar algo com elas porque sempre nos demos muito bem. Fora isso, elas têm uma coisa “rock ‘n roll” muito foda. Seria muito legal.

No final do ano, lançaremos uma canção que fala sobre muitos temas, representando essa coisa louca que o Brasil vive atualmente, essa polarização política… Fala sobre aceitação, sobre ser quem você é. Gostaria muito de uma participação nessa música, para reforçar o discurso.

TMDQA!: Além do DVD e o lançamento desses novos singles planejados, como estão os preparativos para o novo álbum?

Gabriel: Na verdade, as músicas que estamos lançando ainda não dizem respeito a um disco novo. Lançamos “Jamoga” e “Solidão Me Levou”, ambas músicas que mostram uma vertente acústica da banda que nunca mostramos antes. Agora estamos lançando aos poucos as músicas do DVD. Dez faixas vão ser lançadas ao longo de Novembro, e temos o novo single para Dezembro. Talvez essa última tenha mais uma pegada de disco novo, porque tem mais a ver com as músicas novas que estamos fazendo. Já temos muito material para um disco novo. Vai ser algo muito diferente de Praieiro. Vai dar a mesma sensação nos ouvites, de fazê-los se perguntar o que aconteceu. Eu gosto de provocar isso no público. Gosto de bandas que quebram a expectativa, que mudam, como o que o Arctic Monkeys fez recentemente. Eles mudaram muito, e acho isso corajoso e enriquecedor.

TMDQA!: É legal, com isso, ver a versatilidade de um artista, ver que ele tem talento em diversos estilos. Eu senti um pouco disso em “Jamoga”: vocês mostraram que também sabem fazer belas gravações acústicas. Isso me lembrou o Espiral de Ilusão, do Criolo, que pegou algumas pessoas de surpresa.

Gabriel: O Criolo é demais! Ele já vinha demonstrando o talento para o samba em faixas como “Linha de Frente“, do Nó Na Orelha. Com o disco mais recente, só oficializou esse talento. Eu acho que ficar se repetindo restringe muito uma banda. Ou até mesmo repetir os outros, também pode ser prejudicial. Por exemplo, lembro que quando o Los Hermanos tinha anunciado que ia dar um tempo, muita coisa que veio nos próximos anos foi uma galera tentando assumir o posto da banda. Tentaram insistir naquilo de fazer um rock com influência da música brasileira, mas chegou um momento em que passou a soar forçado. Ficou sem personalidade. É melhor se reinventar, como o Caetano Veloso faz. O estilo dele se adapta ou até mesmo muda de álbum para álbum.

TMDQA!: O Selvagens começou em 2009, completando 10 anos de estrada em 2019. Vocês planejam algo para comemorar a primeira década? Talvez uma reedição de algum álbum…

Gabriel: Não pensei nisso ainda não! Na verdade, pensar nisso faz com que eu me sinta velho (risos). Mas a gente tem conversado sobre fazer uma coisa que já fazem com certa frequência no mercado atualmente, que é lançar álbuns no formato LP, vinil mesmo. A gente nunca lançou um, então seria uma forma legal de comemorar. Poderia ser o Aprendendo a Mentir, que foi o nosso primeiro álbum. Na época, o lançamento foi muito simples. Não tínhamos uma grande produção, então lançamos um CDzinho, com capa e contracapa, e acabou. Agora, a gente poderia fazer um encarte com uma arte legal, umas fotos nossas da época… Eu faria esse tipo de coisa para comemorar, para recomeçar. Além do mais, em 2019 lançamos um disco novo também! Pode ser legal disponibilizar material nosso do início do grupo e agora. Mas precisamos dar uma estudada sobre isso antes, porque não temos muita noção sobre produção de vinis.

Selvagens À Procura de Lei
Foto: Murilo Amancio

TMDQA!: O segundo disco de vocês, homônimo, foi lançado pela Universal Music. No entanto, tanto o primeiro quanto o Praieiro foram lançados de forma independente. Como você, que viveu ambos os tipos de publicação, apontaria as diferenças entre ser lançado de forma independente e por uma gravadora, tanto em termos de visibilidade quanto de satisfação?

Gabriel: A gente faz parte de uma geração de transição. Quando começamos a banda, ainda usávamos MySpace (risos). Não existia muito isso de gravadora. As gravadoras não morreram, elas estão se reerguendo agora, mas na época em que a gente entrou na Universal, as coisas estavam meio confusas. 2013 foi o ano do fim da MTV e o início do Spotify no Brasil. As gravadoras não sabiam muito bem o que fazer por causa das mudanças que o mercado estava vivendo na época. Mas foi uma experiência ótima! Não temos nada a reclamar; eles foram ótimos com a gente. Divulgaram muito “Brasileiro“, e foi com essa música que muita gente conheceu o Selvagens. Na verdade, a gente nem queria que essa música fosse single. Quase que ela não entra no disco, mas resolvemos colocá-la no final das gravações. Eles escolheram para ser o primeiro single.

Só que para o Praieiro preferimos ficar livres para lançar o material. Deixaram a gente ser livre. A experiência do Praieiro ser um disco independente, com o Selvagens já com certa visibilidade, foi muito enriquecedora, porque tínhamos que cuidar de tudo. O artista independente precisa, além de compor, administrar a distribuição. Foi bom para entendermos questões mercadológicas. Mas o processo todo nos cansou muito. Agora que estamos lançando novidades, preferimos nos apegar a uma galera conhecida. Tem a galera do digital, da assessoria, em quem confiamos muito. Agora estamos com o Paul [Ralphes] nos produzindo. Ele nos ajudou no DVD e enriqueceu muito a nossa vida. Mas eu não deixaria de considerar lançar algum trabalho futuro através de uma gravadora. Isso porque você trabalha com pessoas com pontos de vista diferentes do seu, e isso só tende a enriquecer a produção das músicas. Estamos bem abertos.

TMDQA!: No disco homônimo, tem a faixa “Brasileiro”. Eu lembro de ela ter sido lançada justamente na época das manifestações de 2013. Parece que agora, no momento que vivemos atualmente, ela ainda se faz muito presente de alguma forma. Como você vê uma música da sua banda se tornar uma espécie de hino de descontentamento político?

Gabriel: É engraçado. Tentamos fugir dessa vertente política. Em 2014, lançamos uma música chamada “Bem-vindo Ao Brasil“, também com forte teor político. Mas a gente quis fugir de tudo isso para o lançamento de Praieiro. Nessa época de “Brasileiro”, inclusive, fomos convidados para participar da primeira edição do SuperStar, mas recusamos (risos). A gente não se sentiu à vontade de mostrar um posicionamento musical que não nos representa totalmente em um programa de grande audiência, já que a maioria conhecia a gente por causa de “Brasileiro”. Depois, Praieiro veio com tudo. Inclusive, até toparíamos participar do SuperStar nessa época, mas não fomos chamados (risos).

É estranho, como intérprete, ver que uma música que, na verdade, nunca saiu das nossas setlists, está na boca da galera de novo. O máximo de político que tem em Praieiro é “Guetos Urbanos” e “Sangue Bom“, composições minhas e do Rafael. Não deu o mesmo efeito que brasileiro.

Tem “Sr. Coronel” no segundo álbum também. Quando adolescente, eu conheci um velhinho que era conhecido por todo mundo. Diziam que ele torturava pessoas durante a ditadura. Mesmo não sabendo se era verdade ou não, isso criou um personagem na minha cabeça, e ele me inspirou a escrever a canção. Eu acho ela mais doida do que “Brasileiro”. Eu sinto que ela está mais próxima ainda da realidade.

TMDQA!: É interessante notar também em como parece que as músicas de protesto estão voltando com força. A música de protesto que conhecemos por sua repercussão é aquela da época da ditadura, de Chico Buarque, Geraldo Vandré, do rock dos anos 80… Parece que, depois de um período mais “calmo”, esse gênero voltou com tudo. Especialmente por parte da cena independente.

Gabriel: Eu lembro que na época de “Brasileiro”, não tinha quase ninguém falando sobre política. De repente, depois de 2013, as coisas deram uma acalmada no cenário musical. A galera optou por seguir mais “pop”… Já hoje em dia… Bom, não sei direito, com toda essa confusão que vivemos, alguns fatos revoltantes… Eu acho que a eleição de Bolsonaro e dos discursos ele ele carrega consigo vão acabar fortalecendo o endurecimento de uma resistência na classe artística. Não só na música, mas também veremos manifestações da galera do teatro, das artes plásticas, do cinema… Não vai ter como não comentar sobre isso.

TMDQA!: Vendo uma galera protestando sobre isso nas músicas, vejo uma tentativa de voltar com a cena jovem politizada dos anos da nossa ditadura.

Gabriel: Eu vejo muito disso no rap hoje em dia. Criolo, Emicida… Mas, na parte do rock, eu ainda vejo muito pouco. Eu vejo essa galera se posicionando nas redes sociais, mas não vejo nas músicas.

TMDQA!: Agora para finalizar e descontrair um pouco: se você tivesse que escolher apenas 3 discos para levar para uma ilha deserta e ouvir pelo resto da vida?

Gabriel: Tem que ter um disco bem longo (risos). Eu levaria o Abbey Road dos Beatles, Construção do Chico e Alucinação, do Belchior.