Entrevistas

"É um momento muito f*da para estar fazendo música": conversamos com Drik Barbosa

Conversamos com Drik Barbosa, atração do Favela Sounds, sobre a música feita na periferia e sobre a importância da busca de representatividade na música.

Drik Barbosa
Foto: Luciana Faria

O mundo está mudando e parte grande disso se deve às maiores possibilidades de diálogo fornecidas pelo mundo virtual.

Ferramentas digitais estão enriquecendo a cultura mundial com cada vez mais vozes que antes não conseguiam ser ouvidas. É claro que, na prática, ainda não vivemos a desejada horizontalização da sociedade, onde todos conseguem falar e ser ouvidos. No entanto, vemos que existem pessoas se esforçando para levar sua mensagem adiante.

Publicidade
Publicidade

No campo musical, a música de periferia tem se mostrado uma poderosa ação contra uma cultura centralizada nos hábitos e interesses do centro. Com isso, estamos contemplando a ascensão de artistas da periferia com uma força nunca vista antes. E isto é algo incrível de se contemplar!

Uma dessas artistas é a cantora Drik Barbosa. Sendo mulher e negra, Drik (pronuncia-se “Drica”) é uma das vozes de um grande movimento que busca dar representatividade aos talentos da periferia brasileira. Este ano ela lançou Espelho, o seu primeiro EP, pela gravadora Laboratório Fantasma. No lançamento, que mistura hip-hop e R&B, a cantora fala sobre sua realidade e sobre suas vivências. É uma espécie de cartão de visita de seu trabalho, como comprova um trecho da faixa-título:

Saí de lá pra vir pra cá sem saber nada
Aprendi a nadar pra não me afogar nas mágoas
Cê consegue entender, faço da gota, rio
Chego e faço chover, meu copo não é vazio

Espelho conta com 5 faixas e as participações de Rincon Sapiência e de Stefanie. Drik também faz parte do grupo Rimas & Melodias, formado em 2015 com outros nomes femininos de peso para o hip-hop nacional, como Alt Niss e Tássia Reis. Ela também participou recentemente da faixa “Trincheira #ElasSim”, em parceria com o grupo Slam das Minas.

A ascensão de Drik como artista coincide com um momento em que, diante de tantas opções de música “facilmente” acessíveis, o ouvinte está começando a entender que pode escolher o que vai ouvir. Logo, esse ouvinte busca ser representado nas letras de alguma forma.

Drik está entre as atrações musicais da terceira edição do festival Favela Sounds, nos próximos dias 23 e 24 (sexta e sábado) em Brasília (DF). O evento, além de conter muita música, também tem o objetivo de aprofundar o debate sobre a periferia.

Conversamos com ela por telefone recentemente, em um papo fluido que foi desde o seu EP até questões raciais.

TMDQA!: É bizarro comparar a cena musical de 20 anos atrás com a de hoje. O que toca por aí atualmente parece ter muito mais representatividade. Parece que o discurso passou a ser dado para mais pessoas, que agora têm voz para se expressar. Hoje, mais do que nunca, eu vejo que as pessoas precisam encontrar representatividade nas músicas, precisam se reconhecer no discurso. Quando sua carreira começou, você imaginou a importância que seu discurso teria para tantas pessoas?

Drik Barbosa: Na verdade, não. Eu comecei a fazer rap porque eu também me senti representada e inspirada por outras mulheres e outros caras que passavam a mensagem que eu estava precisando ouvir. Mas eu não tinha a noção de que eu também poderia cooperar com isso através da minha música. No primeiro momento, eu não tinha essa noção. Eu era adolescente. Tinha uns 14 ou 15 anos, no pico da confusão mental da busca em saber quem eu sou e qual deveria ser a minha postura perante a sociedade. Demorou alguns anos porque eu estava nesse processo de me entender, como mulher negra e também como artista. Até eu entender que eu precisava falar bem mais sobre a questão racial, que é algo que eu vivencio no dia-a-dia e que eu precisava colocar aquilo de fato na minha música. Aí eu já tinha 21 anos. O rap é algo muito íntimo. A gente realmente coloca na música o que a gente pensa, a nossa verdade. Vai um pouco além do mero entretenimento. Então, a música vai refletindo o que a gente passa mesmo, sabe? Cada vez mais, eu vou me encontrando nessas questões. Vou falando mais sobre, porque eu comecei a entender que as pessoas realmente se identificam com isso, estão se encontrando nisso.

TMDQA!: Este ano você lançou Espelho, o seu primeiro EP. O nome dado a ele gera uma reflexão muito interessante. Ele pode ser enxergado como o seu cartão de visitas, um reflexo de quem você é, tanto musicalmente quanto como pessoa. E eu sinto que o resultado, além de foda, ficou bem sincero. Como se deu o processo de composição disso tudo?

Drik: Então (risos)… Eu estava em uma das confusões mentais da vida. Fazia participações em alguns shows e mais… Até que rolou de eu participar do Laboratório Fantasma, mas eu precisava de material. Eu não tinha um CD, um EP, nada até então. Era o momento então para eu ter algo mais concreto, para as pessoas conhecerem meu trabalho. Como o primeiro trabalho de fato, eu queria realmente mostrar quem eu sou. Queria que as pessoas sentissem essa sinceridade. A questão do espelho também diz respeito à ideia de me encarar de frente também, sem regras ou padrões. É fazer as pessoas também se enxergarem nesse mesmo espelho.

Querendo ou não, a gente sabe que não somos tratados de igual para igual na sociedade. Então, infelizmente, não somos todos iguais. Cada um tem suas diferenças, mas a gente se enxerga em muita coisa também. Afinal, somos todos humanos. A ideia era essa, então tinha que ser algo muito profundo. Tinha música, como “Inconsequente“, que eu tinha há dois anos. Têm músicas que eu fui escrevendo aos poucos, como foi o caso de “Espelho“. O processo foi bem corrido. Tudo aconteceu em menos de três meses, inclusive a parte instrumental. Para se ter noção da correria, eu escrevi “Camélia” no estúdio, no meio do processo de gravação. Foi algo bem especial para mim, porque foi bem profundo. Eu queria falar mais umas mil coisas, mas tivemos que dar uma enxugada, porque era um EP e tal. Eu acho que as pessoas estão sentindo a sinceridade de fato.

TMDQA!: Desde que você começou sua carreira, como você mencionou no início do nosso papo, você teve certas influências que foram muito importantes. Quais foram as principais influências para o lançamento?

Drik: Eu gosto de música de todos os tipos. Minha família é nordestina, mas eu sou da black music. Eu tenho influência de um pouco de cada gênero musical. Mas, para o rap e o R&B, estilos que ficam mais evidentes no EP, a Lauryn Hill foi uma das minhas maiores inspirações. Tem também a Beyoncé, que eu amo. Ela me inspira muito, mesmo que nossos sons não sejam muito parecidos. Ela traz essa questão da profundidade das letras.

Já falando em artistas nacionais, eu sempre fui muito fã do Emicida, do Kamau, do Rashid, do Marcello Gugu… A Stefanie foi a maior referência que tive como mulher e MC. Quando ouvi ela, eu estava prestes a fazer 16 anos, e isso me ajudou a definir que queria seguir no rap mesmo. “Quero rimar que nem ela!”, dizia.

TMDQA!: Você e Stefanie, além da parceria no Rimas & Melodias, ainda gravaram juntas no seu EP. Como foi isso?

Drik: Foi uma doideira. Quando eu ouvi ela pela primeira vez, eu pensei: “Se um dia eu tiver um disco, vou chamar ela para fazer parte!” E isso porque a gente nem se conhecia pessoalmente. Mas aí a vida tratou de juntar a gente. Hoje, somos quase irmãs.

TMDQA!: A periferia sempre esteve presente, mas o espaço dado a ela na música nunca foi tão grande quanto hoje. E parece que também existe um público gradativo que se reconhece no discurso desse tipo de música. Nos tempos conturbados em que vivemos, é mais importante do que nunca se posicionar e mostrar a sua voz. A que você acha que se deve isso?

Drik: A gente, como negritude e periferia, ainda não tem uma aprovação do público geral, da indústria. A gente está metendo a cara mesmo. Na internet, parece que estamos tendo uma aprovação dessa geração mais online. A gente está se unindo mais pelas causas, mas também não é tão fácil assim. Na quebrada, tudo é mais tenso. Você demora para ter um computador e ter acesso às paradas. Às vezes você tem esse pensamento, de querer fazer algo para mudar o panorama, mas sozinho você não consegue. O legal da internet é que ela uniu as pessoas nessas questões. Até como forma de denúncia. Casos de racismo são filmados e colocados na internet, como forma de fazer as pessoas se ligarem. Todos esses meios têm ajudado as pessoas que são de fora da periferia a entenderem o que acontece. A gente sabe que não é só o que é passado na TV. Não é só ódio e violência. E, se tem violência, é porque o buraco é mais embaixo, existe um porquê para essa violência existir. É uma bola de neve gigante. Foi muito importante para a periferia a questão da comunicação, de conseguirmos entrar em contato com as pessoas “de fora” da nossa realidade.

Existem pessoas que podem falar sobre isso melhor do que eu. Eu sou da quebrada, mas moro em um bairro mais acessível, que tem metrô próximo, shopping… Mas existem pessoas que não têm isso. É bom deixar isso claro. Cada lugar é um lugar, então eu não consigo falar sobre todas as realidades periféricas. A arte serviu para muitas pessoas passarem a correr atrás e entender que existem vários espaços que ainda não estamos ocupando e que são nossos. É uma questão de reivindicar os nossos direitos. A geração atual está entendendo isso, e é legal que existam várias pessoas ouvindo o que temos a dizer, mas ainda é pouco. Precisamos alcançar mais lugares.

TMDQA!: Além da questão da periferia, você faz parte de um movimento atualmente muito forte da mulher na música. Você mesma citou isso quando falou de suas influências. Nos últimos anos, tivemos Karol Conká e outros nomes femininos que ganharam maior visibilidade nacional. Você é um desses nomes, que está sendo responsável por dar uma nova face ao hip-hop e ao R&B nacional. O próprio Rimas & Melodias tem muito disso, de ser inovador ao contar só com mulheres. Como você se sente sendo parte de um movimento grandioso e glorioso na música brasileira?

Drik: É muito gratificante! Eu consigo ver isso quando, depois de um show, meninas vêm falar comigo e falam, por exemplo, que minha música ajudou elas a tomarem coragem para fazer tal curso ou para largar o ex-namorado abusivo. A gente sente esse efeito na vida real das pessoas, indo além da repercussão na internet. Eu fico muito feliz com isso. É um momento muito importante. Eu tenho uma irmã de 9 anos, e quero melhorar as coisas não só para ela, mas para todas as crianças. Especialmente as pretas, que sabemos que possuem um lugar de fala muito menor. Como mulher, sinto que estamos entendendo que fomos oprimidas demais ao longo da história, mas que podemos mudar isso. Estamos vivendo um momento muito foda para isso. Para mim, vai além da música: pega no dia-a-dia também. Trocar ideia com a família, dentro de casa, com os homens da minha família e falar “olha, não é bem assim”… Infelizmente, o machismo é algo cultural e não só homens, mas as mulheres também precisam se conscientizar sobre isso. Elas precisam entender para saberem se impor quando preciso. As crianças de hoje acabam crescendo com essa mentalidade machista. É um momento muito foda para se estar vivendo, para se estar fazendo música e para contribuir para que isso mude.

TMDQA!: Como é ser escalada para representar a voz da periferia para a capital do país, no Favela Sounds?

Drik: Fiquei feliz demais. Amo Brasília. A primeira vez que viajei de avião para cantar foi para lá, e fui muito bem recebida! Eu to muito feliz de voltar para a capital para cantar o EP Espelho pela primeira vez. Eu estou muito ansiosa!

Esses eventos são importantes para caramba, por causa justamente daquilo que estávamos falando: para propagar a mensagem. É muito foda quando você está em cima do palco cantando e as pessoas estão prestando atenção. Você sente que elas estão se identificando com aquilo, sabe? O propósito é este: a pessoa voltar para casa pensando naquela mensagem. A ideia é fazer com que a mensagem mude o dia da pessoa de alguma forma.

TMDQA!: Iniciativas como o Favela Sounds, que ainda proporciona oficinas e papos sobre a vida na periferia das grandes cidades, estão ficando mais comuns. Acha que isso pode representar uma tomada de consciência no ideário social brasileiro? Qual é a importância, na sua opinião, de movimentos assim?

Drik: Total! É a questão da ocupação de espaços. É chegar nas pessoas que precisam ouvir sobre a nossa realidade para começarem a nos respeitar. Existe a identificação de quem compartilha da mesma realidade, mas é importante mostrar isso de forma clara para as pessoas que não conhecem essa vivência. Elas precisam entender a diferença. Esses eventos são importantíssimos para essa conscientização social.

TMDQA!: É uma questão de empatia, de procurar entender o que se passa com o outro.

Drik: Todas essas manifestações, além da música, são muito importantes. Espero que existam cada vez mais iniciativas como o Favela Sounds no Brasil inteiro, para que as pessoas possam se conscientizar.

TMDQA!: Você acabou de lançar um EP que está sendo bem avaliado e elogiado por várias pessoas. Quais são os próximos passos para a sua carreira? Já tem algo planejado?

Drik: Vai ter o álbum solo! O álbum sairia este ano, mas resolvemos lançar o EP antes, para as pessoas me conhecerem, conhecerem a minha mensagem. Agora vamos começar a trabalhar de fato no álbum. Já temos participações incríveis. Vou fazer isso junto da Natura Musical e do Laboratório Fantasma. Acredito que vai ser lançado ainda no primeiro semestre de 2019.

TMDQA!: Muito obrigado pelo papo. Desejamos todo o sucesso do mundo para você!

Drik: Muito obrigada, você!

Sair da versão mobile