"Tudo está baseado no visual": entrevistamos Igor Pinto sobre o projeto Kanagawa

Igor Pinto, a mente responsável pelo projeto Kanagawa, conversou conosco sobre sua trajetória como músico. Leia a entrevista exclusiva.

Kanagawa passeia entre indie e experimental em single de estreia
Foto: Rodrigo Soares / Divulgação

A união entre imagem e som ganha cada vez mais força nos dias atuais. Se a ideia do som é criar uma imagem na cabeça do ouvinte, a identidade visual de canções, de álbuns e de um artista precisa ser algo muito bem pensado. Parece algo óbvio, mas muitos ainda não entenderam essa gradativa importância.

Em contrapartida, se a questão imagética pesa tanto hoje em dia, existem artistas que agregam ainda mais valor a seu trabalho graças ao trabalho visual. São videoclipes, capas de singles e discos… Trata-se, no geral, de uma identidade visual que contribui ainda mais para o entendimento da música. Um desses artistas é o carioca Igor Pinto, mais conhecido como Kanagawa.

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Há alguns meses foi lançado o EP de estreia do projeto, intitulado Haunted Lovers. O álbum traz como faixa principalThe Great Wave“, canção inspirada na xilogravura “The Great Wave of Kanagawa“, feita por Katsushika Hokusai em 1830. A questão imagética para o EP é algo que ficou muito bem estruturado no resultado final.

Batemos um papo com Igor, em que conversamos sobre seu interessantíssimo projeto, suas influências e sua trajetória musical.

TMDQA!: De onde veio o nome Kanagawa? O que significa e por que escolheu esse nome para o projeto?

Igor Pinto: Eu sempre tive uma fixação muito grande por uma xilogravura japonesa chamada “A Grande Onda de Kanagawa”, de um artista chamado Katsushika Hokusai. Era um estilo de pintura diferente para a época. Kanagawa é uma cidade no Japão, tanto que, teoricamente, conseguimos ver o Monte Fuji ao fundo da imagem. Eu tinha essa imagem no meu quarto, como um artefato de decoração, e eu gostava muito de tê-la lá. Por eu ter composto todas as músicas no meu quarto, na maioria das vezes durante a madrugada, achei que o nome representaria bem aquele meu mundo. Representaria meu universo. Além disso, eu nunca curti muito a ideia de ter nome próprio no nome do projeto. A Onda já fazia parte do meu conceito; era a parte mais simbólica e relevante desse processo todo.

TMDQA!: Você mistura a arte da sua música com a uma outra vertente artística, a da pintura, da imagem. Como foi, para você, conciliar isto?

Igor: Isso é uma “pira” muito grande. A imagem e o som andam muito juntos. Acho que é algo de semiótica, sabe? Às vezes você ouve uma música e imagina uma cena. É bacana pintar um cenário, como em filmes, em que a trilha sonora muitas vezes ajuda a dar o clima de uma determinada cena. É uma preocupação muito grande que eu tenho: fazer essa junção dar certo.

TMDQA!: Sim! Hoje em dia, para se lançar como artista musical, é cada vez mais importante a preocupação com a imagem. Não só vestimenta, mas divulgação no geral…

Igor: E se você parar para analisar, tudo está baseado no visual. Hoje, a gente vive praticamente na frente de uma tela. Acho até que a imagem puxa mais a atenção do que a própria música. É como se a imagem fosse uma entrada, enquanto a música o prato principal.

TMDQA!: Isso fica evidente até no próprio nome do projeto. A ideia é associar diretamente à xilogravura do Hokusai, certo?

Igor: Sim. Nada contra quem usa o próprio nome para nomear um projeto, mas acho interessante quando você ouve uma expressão e logo sua cabeça já associa a uma imagem. Para falar a verdade, eu fico até receoso em ouvir “Ah, o Igor Pinto, do Kanagawa” (risos).

TMDQA!: Como você se imagina sendo reconhecido?

Igor: Eu não penso muito nisso. Meu nome, na verdade, nem é um bom nome artístico. Mas não consigo me imaginar lendo meu próprio nome para remeter a alguma coisa que não seja eu mesmo. Eu queria ser o Alok. Ele nasceu já com um baita nome artístico (risos).

TMDQA!: A inspiração na cultura japonesa para o seu projeto, de alguma forma, influenciou na sonoridade?

Igor: Eu penso muito nisso e, dentro de tudo, é o meu maior medo. Eu acho que não. Eu acho que pelo o que eu vejo nas músicas, a questão estética está bem atrelada nesse quesito. As fotos de divulgação que tiramos foram meio inspiradas em algumas fotos de Hong Kong. O próprio videoclipe e a capa do single têm essas influências. Tentamos usar “A Onda” de uma forma não tão óbvia, com as ondas quebrando. Por outro lado, a questão sonora é algo que eu não consegui atrelar à cultura japonesa. Não é muito o meu estilo, não me sentiria confortável para trazer isso para o meu universo. Além de esbarrar em quesitos de apropriação cultural, tem a questão pessoal também, porque isso não seria a minha verdade. Seria esquisito forçar essa barra por causa de um nome, uma marca…

TMDQA!: A sua sonoridade remete ao stoner, com um pouquinho de indie. Como você criou esse conceito musical? Quais foram suas influências?

Igor: Eu trabalho nessas músicas há muito tempo. Elas são embriões que ficaram engavetados durante um tempo. Eu acho que quando revisitei elas depois, eu passei a escutar cada um com ouvidos diferentes. Quando eu escuto, eu consigo reparar diversas influências de músicas e artistas dos quais fui gostando ao longo da minha vida.
Cada um tem o seu “padrinho musical”, baseados em artistas que eu escutava no momento. As quatro são muito distintas, mas têm a mesma linguagem. “The Great Wave”, por exemplo, tem muita inspiração em Broken Bells. Eu estava escutando muito esse tipo de rock alternativo com um brilho de sintetizador, trazendo uma sonoridade mais tranquila, com um timbre mais contemporâneo na guitarra, mais trêmulo.

Eu consigo encaixar cada música em “caixinhas diferentes”. Eu pego a voz de uma das canções e associo muito com Arctic Monkeys, por exemplo, que eu já gostei bastante. Eu consigo olhar a questão do stoner e associar ao Queens Of The Stone Age, que eu gostava muito na época. Vejo coisas lá de trás também, mais dos anos 90, como o grunge. Parece que tudo isso foi resultado de impulsos que eu tive ao longo da minha vida musical. Foi uma reflexão que eu tive depois desse tempo afastado das faixas.

TMDQA!: Se pudesse citar nomes que influenciam no projeto, como um todo, quais seriam? Que qualifiquem sua sonoridade, ou até mesmo que ditem influências no quesito das letras.

Igor: Nesse momento em que eu estava compondo, eu estava escutando muito Jeff Buckley. Eu acho que foi a principal motivação. Eu nunca tinha parado para escutar as músicas dele até 2014. Quando escutei “Grace“, fiquei meio chocado. Pensei “esse cara estava nos anos 90, estava fazendo músicas que hoje em dia fariam muito sentido”. Isso fora a questão da estrutura das música dele. O pop e o rock têm aquilo esquematizado de “verso/refrão/verso/refrão/ponte/refrão final”. Ele tinha um verso diferente, depois ía para um refrão que não parecia um refrão, que entregada para um verso diferente do primeiro… Eu achei isso muito fora do padrão. Fora isso, Radiohead sempre foi uma grande influência para mim. Mas, mais do que isso, tem estrelinhas a cada música. Eu consigo ver um pouquinho de Broken Bells, Queens, Bon Iver

TMDQA!: Você já teve outros projetos de banda que acabaram não indo para frente. Como você enxerga esses projetos anteriores hoje, em termos de sucesso e de aprendizado para você como músico?

Igor: Eu tive duas outras bandas antes. Ambas duraram um bom tempo, tivemos músicas autorais… Cada uma me ensinou diversas lições. Na primeira, por exemplo, nós tínhamos visões muito diferentes. Eu queria trazer uma coisa muito diferente do que o resto queria. Além disso, éramos inexperientes. Eu sabia o que queria fazer, mas não sabia como. Acabou que eles seguiram o caminho deles, e seguem até hoje. O nome dessa banda é Rito, são da Ilha do Governador [bairro no Rio de Janeiro]. Eles seguem em uma região mais pesada que nunca foi muito a minha cara. Serviu como ensinamento porque me mostrou como é lidar com outros membros de uma mesma banda, e como é se encaixar, tentar se adaptar. Mesmo assim, a gente é amigo hoje em dia. Chegamos à conclusão de que a melhor coisa que fizemos foi romper a banda, porque assim cada um seguiu o seu caminho.

O outro grupo se chama Radio Voodoo. Foi a coisa mais leve e ao mesmo tempo pesada que eu já tive na vida. A gente era muito amigo. É muito maneiro quando você toca com alguém com quem você tenha intimidade também para trocar uma ideia sobre qualquer coisa. Muito do Kanagawa é devido a essa banda.
Eu entro no quarto para fazer as coisas, foi porque eu queria muito aprender sobre gravação. Para poder chegar com bolo pronto, para vender alguma ideia. Quando se trata de algo mais experimental, acho que vale mais a pena você ter algo pronto antes. Mostrar que pode funcionar. Isso me incentivou a testar algo novo, em outra língua, ou explorar mais a gravação.
O Kanagawa, no início, era um projeto folk. Era só voz e violão. Quando comecei a baixar programas de gravação e entrar mais nesse mundo, eu comecei a inserir alguns novos elementos. Quando percebi, já não era mais a mesma coisa do início. O sintetizador em “The Great Wave” era, a princício, um acordeão. Hoje em dia, não me imaginaria sendo um cantor folk.

TMDQA!: Porque optou por fazer as músicas em inglês?

Igor: Eu acho que foi mais uma questão de testar alguma coisa nova. Nas duas outras bandas que tive, tínhamos músicas próprias, e ambos os projetos eram em português. Então, eu acho que, por esse motivo, decidi testar uma outra forma de expressão. Também é muito atrelado ao fato de que na época em que comecei a compor em inglês, eu ainda tinha banda. Eu queria fazer algo que me dissociasse do que eu estava fazendo no momento. Isso ficou claro para mim não só em termos de idioma, mas também de tipo de composição, de sonoridade… É engraçado que eu nunca mais consegui compor nada em português. Abriu um canal novo para mim. Por enquanto, me sinto muito bem explorando esse lado.

Além disso, hoje em dia existe um movimento muito grande no Brasil pela música em inglês. Muitas bandas fortes por aí hoje cantam em inglês. Uma grande inspiração para mim foi a Two Places At Once, pois ele são bem próximos a mim. O som deles, em inglês, me ajudou muito a querer compor algo diferente. Eu acho que isso vai gerando uma reação em cadeia. Quanto melhor e em maior quantidade forem as músicas brasileiras em inglês, mais isso vai incentivar novos artistas a seguir este caminho. Entra muito na questão de brasilidade, e aí já vira um papo muito fechado. Você pode continuar sendo brasileiro de qualquer maneira, sabe? Quando falar que compor em inglês não poder ser algo brasileiro, você está na verdade restringindo o que é a música brasileira. A nossa música é muito complexa para ser definida com “paredes”.

TMDQA!: Isso esbarra na questão antropofágica, no discurso de “a gente é brasileiro e vamos incorporar tudo ao nosso alcance para caracerizar a nossa cultura”. Você buscar influências na arte japonesa e até em Queens Of The Stone Age é de certa forma, algo antropofágico.

Igor: Sim! O brasileiro é muito antropofágico. Eu acho que não precisa seguir o estereótipo que atribuem ao brasileiro para ser efetivamente brasileiro.

TMDQA!: O que inspirou a letra de “The Great Wave”?

Igor: Essa foi a primeira música que compus. Para mim, ela possui um simbolismo muito grande. Ela é inspirada em uma situação X, mas ela se aplica a muitas coisas da vida. Na minha visão, a música é sobre você fechar os olhos para coisas inevitáveis, eminentes a acontecer, coisas que não estão fluindo. Você acaba, talvez por uma questão de otimismo, ou mesmo por uma vontade de fazer algo dar certo, você acaba passando por cima de uma primeira intuição. Ela vem disso: dessa sensação de olhar para frente e falar “Eu sabia disso!”. Eu achava que isso ia acontecer, e ela vem muito desse sentimento. É uma música que, tal como as outras do álbum, são mais pessoais e não sei se é algo que possui uma identificação com outras pessoas. Mas a ideia inicial foi essa mesmo, fazer coisas que eu considerasse universais.

TMDQA!: Podemos dizer que a Kanagawa é um projeto recente e que muitas pessoas ainda não tiveram a oportunidade de conhecer. O que você diria para alguém que nunca ouviu as músicas para fazê-la ir a um show seu? Como você a convenceria?

Igor: É um stand-up comedy (risos)! Mentira, mas é porque eu fico muito nervoso, então eu vejo isso como uma forma de aliviar a tensão. Preciso pensar a respeito para dar uma resposta mais concreta. A gente tenta criar um clima com a setlist. Existe uma certa estratégia na ordem das músicas, então eu diria que a gente tenta montar uma espécie de narrativa, com início, meio e fim. Como se a gente fosse contar uma história.

TMDQA!: Quais são os planos futuros da Kanagawa?

Igor: Tocar mais, ensaiar mais em conjunto. Apesar de o projeto ter começado só comigo, existem outras pessoas envolvidas nisso. É uma dificuldade conciliar tudo, porque cada pessoa que está no projeto tem um pedacinho dele para si. Cada um tem uma parcela de responsabilidade no resultado final. Se eu tivesse feito sozinho, se fosse um projeto solo como era a ideia inicial, não seria muita coisa. Vou adotar como plano futuro também a ideia de compor em conjunto, para trabalhar o nosso mecanismo de uma maneira mais coletiva.

TMDQA!: Você, ao mesmo tempo, já participou de projetos em banda e agora toca o seu projeto solo. Como você vê a diferença entre os dois estilos? Acha que agora o peso está mais em você?

Igor: Na verdade, a Kanagawa surgiu no sentido oposto do que geralmente acontece. Normalmente, as pessoas se juntam e começam a discutir ideias até chegarem a uma conclusão que agrade a todos. Já este projeto surgiu comigo sozinho, e acabou que outras pessoas gostaram e compraram a ideia.

TMDQA!: Existe algum caso de algum amigo ou colega de banda propor uma alteração em alguma composição e você responder algo como “O projeto é meu!”?

Igor: Eu levo muito as coisas para o pessoal da banda e também para meus amigos. Muitas indagações minhas eu levo até eles. Eu me vejo como compositor, mas não gosto muito da ideia de ser autoritário quanto a isso. Sem falar que isso gera um certo desconforto no grupo. Eu acho que todas as opiniões são válidas. Provavelmente todas as pessoas já perguntaram algo para alguém enquanto estava tentando fazer algo sozinhas. Ninguém faz nada sozinho. Compor, gravar… Não tem como fazer isso por conta própria sem a ajuda de uma pessoa sequer. Isso esbarra um pouco também na questão da cena independentes: não tem como fazer sozinho. É muito importante você escutar opiniões. Isso só tem a acrescentar e contribui positivamente para o resultado.

TMDQA!: Suponhamos que você foi exilado para uma ilha deserta e só pode levar três discos para escutar lá. Que álbuns você escolheria?

Igor: Três discos só? Cara, eu levaria o In Rainbows, do Radiohead, porque foi o que me fez gostar da banda. Eu sempre acabo voltando nele, por mais triste que seja. Também levaria algo que remetesse à minha infância. Acho que, para isso, levaria o Demon Days, do Gorillaz. Me lembra de um momento bom da minha vida. Como o terceiro, eu levaria algum álbum que me dê esperança de sair algum dia dessa ilha deserta (risos), mas é difícil pensar em um só! Acho que seria 22 a Million, o mais recente do Bon Iver.

TMDQA!: Alguma última reflexão?

Igor: Durante este papo, eu fiquei pensando bastante sobre amizades, sobre as pessoas que fazem a cena girar. Isso vai dos artistas menores aos maiores. É sempre um grupo que se uniu e que acaba crescendo junto, fazendo as coisas acontecerem. Queria deixar um salve para a galera que faz a Kanagawa rolar. É muito importante para mim!

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