Vamos a um fato: grande parte das músicas, especialmente as de maior apelo comercial, falam sobre amor. Mostram o sentimento em suas mais diversas formas, desde declarações românticas até desilusões amorosas.
Para ilustrar isso, vale lembrar que a Billboard fez em 2018 uma lista com os 600 maiores hits da história. A palavra “love” aparece no título de 57 dessas músicas. Ou seja, 9,5% dos maiores hits da música recente citam o termo no título, como Rihanna em “We Found Love” e “How Deep Is Your Love”, dos Bee Gees. Isso, é claro, sem contar músicas que não têm a palavra no título, mas que abertamente narram um aspecto de algum relacionamento. Aí temos “Shape Of You”, do Ed Sheeran, e “I Want To Hold Your Hand”, dos Beatles.
Enfim, durante décadas, um consenso de amor idealizado foi muito aceito pela indústria musical e, mais importante, por seu público. Mas eis que chega Ariana Grande e resolve quebrar essa lógica com “thank you, next“. A faixa, empoderada e bem atual, quebra com a ideia romântica que todos temos do amor, ao reforçar a necessidade do amor próprio. E a recepção positiva da música, por parte de um público que se identificou com sua mensagem, é a prova disso.
Caiu na graça do povo
A canção foi a primeira desde “Hello“, de Adele, a estrear no topo da Billboard Hot 100, uma das mais respeitadas paradas do mundo da música. Mas por quê?
Assim como o hit de Adele, “thank you, next” fala sobre términos. No entanto, Ariana vê isso de uma forma mais colorida (o clipe da Adele é em preto-e-branco, mas não apenas por isso). A jovem sensação do pop fala de empoderamento e aprendizado no hit que se tornou um dos melhores de 2018.
A música fala com um público amplo, mesmo sendo claramente baseada na vida pessoal de Ariana. Ela lista Big Sean, Ricky Alvarez e Mac Miller, todos eles ex-namorados, como pessoas importantes na sua vida. Isso pode gerar fácil identificação com qualquer pessoa que tenha vivido diferentes relacionamentos, por mais curtos que tenham sido. A mensagem que a música traz é o reconhecimento de que cada uma das pessoas tornaram Ariana uma pessoa mais forte e completa. Da mesma forma, os relacionamentos passados de qualquer leitor deste site também serviriam como aprendizado, de alguma maneira.
Não deu outra! Além do evidente sucesso comercial, a expressão do título (traduzida como “obrigado, próximo”) já é lugar comum na cultura pop. No fundo, não se trata de nenhuma brincadeira, mas sim de um reflexo da sociedade atual, onde a efemeridade se faz presente em quase todas as estâncias da nossa vida.
Bauman e a modernidade líquida
O filósofo polonês Zygmunt Bauman teorizou os tempos atuais, chamando os dias em que vivemos de modernidade líquida. A liquidez do termo diz respeito ao fato de que a sociedade e a cultura nos dias de hoje são adaptáveis, ou seja, os conceitos podem ser quebrados facilmente. Cada um tem seus próprios ideais e se cria a partir de sua própria verdade. O ser humano tornou-se mais mutável do que nunca e não quer mais ser uma coisa só. Ele escolhe suas vivências, e são justamente elas que vão definir sua personalidade e suas ideologias.
“Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar” é uma das mais famosas frases ditas por Bauman. As relações em um geral se tornaram mais flexíveis. Exemplos disso estão no nosso dia-a-dia, em que tudo é substituído rapidamente. É um volume cada vez maior de conteúdo e de informações, que fazem com que determinado elemento perca sua grandiosidade, seu valor. Não diferente de tudo isso, estão os hábitos humanos e, dentre eles, os ideais de relacionamento.
Estamos vivendo isso. A mais fácil criação de elos promovida pela internet enfraqueceu instituições sociais antes consolidadas, como a família. Você mesmo cria a sua própria rede de interesses e amizades, onde se sente mais confortável. Simultaneamente, aplicativos de paquera têm justamente a ideia de te trazer uma variedade de pessoas interessantes para conhecer.
Ariana Grande não necessariamente vende a ideia de que relacionamentos são descartáveis. Ela exemplifica, através de suas próprias vivências, o amor próprio e a importância de superar términos. É ter a noção, ao começar algo, que nos dias de hoje poucas coisas são eternas ou sequer duradouras.
Próximo álbum, por favor!
Houve uma época, na recente história da música, em que os cada vez mais elaborados processos de mixagem, afim de deixar as músicas mais bonitas e com sonoridade mais moderna, faziam com que o período entre o lançamento de dois álbuns fosse cada vez maior.
A gente aguardou ansiosamente o gap de cinco anos entre os lançamentos de Stadium Arcadium e I’m With You, do Red Hot Chili Peppers. Depois, esperamos mais cinco para contemplarmos The Getaway. Nesses intervalos, pouco se falava da banda. No mesmo período de cinco anos, outros grupos fizeram mais de um lançamento. O The Black Keys, por exemplo, viveu seu melhor momento na época entre 2006 e 2011, lançando 3 álbuns nesses cinco anos.
Parece que, hoje, ficar um ano sem lançar álbum, ou pelo menos uma música nova, é uma estratégia perigosa. A ideia é ficar sempre na cabeça (ouvidos) do povo e nunca sair das notícias para continuar relevante. Desaparecer pode ser danoso para a carreira de um artista atualmente. Quanto mais conteúdo, maiores as chances de você se destacar.
Ariana Grande pareceu entender bem o recado. Lançou Sweetener no segundo semestre do ano passado, e já tem previsões de lançar o próximo álbum. Qual o resultado disso? A cantora anda sendo classificada por aí como a grande aposta do pop mundial.
Mas não é só ela. Vale lembrar também de Kendrick Lamar, que lançou o excelente DAWN em 2017 e foi um dos principais responsáveis pela épica trilha sonora do filme Pantera Negra no ano seguinte. Isso sem citar Anitta, uma das maiores artistas pop da atual música brasileira, lançando um single após o outro sem parar.
Ah, e o nome do álbum de Ariana? Curiosamente, seu novo trabalho terá o mesmo título do que seu hit atual: Thank You, Next. Saindo um pouco do campo dos relacionamentos, é como se a efemeridade das coisas tivesse tomado forma também na indústria fonográfica. É como se disséssemos “Obrigado, o Sweetener ficou ótimo, mas já queremos mais material!”.
Quanto mais, melhor!
Não estamos dizendo que quanto mais pessoas você namorar, melhor você será. Mas que a característica de ser adaptável, em diversos sentidos, é importante nos dias de hoje.
Na modernidade líquida, acumular a maior quantidade de conhecimento de áreas variadas é um diferencial na hora de se conseguir um emprego. Quanto maior for a sua rede de amigos nas redes sociais, maior são as suas relações e o seu networking. Quanto mais conteúdo consumir em uma plataforma de streaming da vida, mais assunto vai ter para falar com os amigos.
Se você é artista, quanto mais conteúdo divulgar, melhor. Não precisa ser um álbum por ano, é claro. Mas é importante estar sempre em contato com os fãs e não se deixar ser esquecido. Quanto mais músicas, melhor. Aliás, ter um repertório amplo dá ao artista mais credibilidade, já que torna o seu show menos previsível.
A modernidade líquida de Bauman encontrou em Ariana Grande um aliado! Mas e você? O que acha disso tudo? Estaria Ariana seguindo uma tendência, ou a concordância com o filósofo fica apenas no quesito relacionamentos?