Leo Fazio mostra o lado negro da música brasileira em seu primeiro disco; ouça

Dono de uma voz ímpar, Leo Fazio apresenta seu primeiro álbum solo, "Sangue Pisado & A Música do Século XXI", com muita originalidade e instinto garimpeiro.

Leo Fazio Sangue Pisado
Foto: Divulgação

Para fazer um grande álbum não basta ser um grande músico, coisa que com certeza Leo Fazio é. Mas para construir o seu primeiro trabalho solo, o jovem cantor paulista foi além e entregou-se a uma busca dentro de si e dentro também da música brasileira para encontrar a sua essência como artista.

Dono de voz extremamente ímpar, tão diferenciada que pode até gerar estranheza, Fazio já tinha chamado atenção em seu EP Três por 1 Real, lançado no ano passado e ainda antes, na banda Molodoys. Porém, é em Sangue Pisado & A Música do Século XXI que descobrimos que temos aí um grande nome em nossa música para ser observado.

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Saindo de seu conforto em São Paulo, Leo Fazio foi até Juiz de Fora/MG para buscar inspirações para esse disco.

Talvez em Minas ele tenha se inspirado em Milton Nascimento e no Clube da Esquina, as suas influências nostálgicas podem ter trazido um pouco da tropicália de Caetano, Gil e Mutantes. Mas foi em um verdadeiro trabalho de garimpo que ele se deu com Jocy de Oliveira, peça importantíssima para esse álbum.

E aqui vale o adendo: aos 23 anos, Jocy já era uma pianista celebrada e solista da Orquestra Sinfônica Brasileira. Em 1959, ano em que João Gilberto e Chega de Saudade inauguram a bossa nova como a mais nova música popular brasileira, Jocy já apresenta um trabalho ambíguo a esse novo gênero: A Música do Século XX.

O seu único trabalho dentro da música popular, visto que a artista dedicou toda sua carreira, antes e depois disso, para a música erudita e experimental, esse álbum se utiliza de várias características das canções de João Gilberto mas com um porém: as letras não falavam de amor e solidão, mas sim de questões menos sutis, como suicídio, roubo, incêndio, mortes e crimes, algo que nunca foi relacionado com a bossa nova em toda a sua história.

Essa ambiguidade que Jocy tem com a música popular brasileira pode ser vista também no mais novo trabalho de Leo Fazio. Que além de fazer referência ao disco da cantora no próprio título de seu álbum, também realiza uma releitura de “Sofia Suicidou-se”, canção presente em A Música do Século XX, trazendo a sua linguagem para os dias de hoje.

A partir dessas buscas e descobertas, Sangue Pisado & A Música do Século XXI se mostra sombrio, amargurado e muito original.

Além de sua versão da canção de Jocy, nesse álbum Fazio nos apresenta outras ótimas canções, como: “Cobra-coral”, single desse trabalho, a literal “Porra”, a dylanesca “Balada do Anjo de Barro”, um flerte maior com o popular em “Serenata” e a derradeira instrumental “Do Katendê”, uma homenagem ao mestre capoeirista Moa do Katendê, assassinado durante o período eleitoral, em outubro de 2018.

Podemos dizer que temos em Sangue Pisado & A Música do Século XXI uma obra de não tão fácil ingestão e entendimento, mas de uma autenticidade inquestionável em composição, arranjo e letras. Um verdadeiro garimpo na música brasileira e no que há de mais íntimo da subjetividade sombria de um grande artista.

 

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