“Eu não sei explicar… Eu gosto da rapaziada. Eu ando com a rapaziada!” disse Jards Macalé na sua entrevista para a Estação Roquenrou no Canal Brasil em janeiro desse ano.
E esse é ele: atual e jovem, ao mesmo tempo que histórico!
E nada é mais Jards Macalé do que o seu último álbum, Besta Fera, lançado na sexta-feira (08), o primeiro do artista em 20 anos. Nessas 12 canções estão alguns dos registros mais dignos e contemporâneos de um dos maiores compositores da música brasileira.
Durante as frases ditas no álbum, vamos do passado ao presente por diversas vezes enquanto Macalé pinta esse autorretrato sem muito padrão ou ordem, afinal, esse nunca foi o forte dele. E é natural nos depararmos também com a história recente do Brasil nesses versos, pois essa é diretamente ligada com a de Jards.
Em Besta Fera, Jards fala sobre si, sobre como se sente, como vê a situação de seu país e como lida com a nova geração de músicos do Brasil: por sinal, muito bem, seja nas parcerias com Tim Bernardes, Juçara Marçal e Romulo Fróes dividindo vocais ou na produção do excelente Kiko Dinucci, que também é violonista do álbum.
Acompanhado ainda de Thomas Harres, Guilherme Held, Pedro Dantas, Thiago França, Ava Rocha e Thai Halfed (que também fez produção executiva), Besta Fera é a prova que Jards Macalé está muito antenado com o que é a nova música brasileira e ainda assim, deixando claro o que é a sua arte.
Faixa a faixa
O álbum começa sombrio com “Vampiro de Copacabana”, um samba torto que já mostra a que Besta Fera se propõe. Uma mistura fantástica das sonoridades tão particulares tanto de Jards quanto de Kiko Dinucci e Romulo Fróes.
Recuperando escritos dos anos 70, a faixa-título “Besta Fera” é uma redescoberta que passou pelos arranjos de Kiko e Thiago França. A canção mostra um Macalé intimista com sua relação com o Brasil e como ele se coloca coexistindo com a história desse país.
A primeira canção a ser revelada do novo trabalho, o single “Trevas” é uma das mais modernas canções da música brasileira. Aqui, assim como Elza em Mulher do Fim do Mundo, Jards mostra que apesar da longa carreira, pode contribuir muito com novas interpretações da nossa música.
Com letra e participação de Tim Bernardes, “Buraco da Consolação” traz dois grandes músicos de diferentes gerações da nossa música reverenciando uma terceira: Lupicínio Rodrigues, bem como aponta os bastidores da canção.
Mais um resgate de seus velhos escritos, “Pacto de Sangue” foi rearranjada pelo próprio Jards ao melhor estilo samba sombrio que o álbum propõe.
Besta Fera volta a ficar mais calmo e profundo em “Obstáculos”, onde Macalé musicou um poema recebido por um amigo que cumpria pena penitenciária. Uma letra profunda sobre as dificuldades da vida.
Com letra de Romulo Fróes, “Meu Amor, Meu Cansaço” é música do próprio Jards em uma sonoridade que quase homenageia João Donato, como ele mesmo assume.
A única letra e música inteiramente composta por Jards Macalé é “Tempo e Contra Tempo”, onde o artista debate a contradição da passagem do tempo.
Dessa vez, a homenagem foi para Dorival Caymmi, a belíssima “Peixe” tem a participação de Juçara Marçal (Metá Metá) e letra de Rodrigo Campos.
Em outra participação nos vocais, “Longo Caminho do Sol” é acompanhada de Romulo Fróes em uma canção que mostra bem a mistura de samba paulista e carioca que a produção do álbum acaba tendo por conta dos artistas envolvidos.
Editando um poema enviado por Ava Rocha, Jards musicou “Limites”, uma canção com um poder de absorção melancólico em sua levada. Uma das música mais curiosas do álbum, mas algo a se esperar de Jards Macalé.
Finalizando de forma definitiva, “Valor” traz Macalé acompanhado apenas de violões em uma das melhores letras desse trabalho, onde o artista se usa de metalinguagem para analisar o seu próprio valor em relação ao mundo da música e a sua vida e história.
Homenageando artistas do nosso passado, mas em colaboração com artistas do nosso presente e futuro, Jards Macalé nos brinda esse 2019 com Besta Fera, o autorretrato de Jards, que ao mesmo tempo retrata muitas gerações da música brasileira em uma única obra.
Ou como disse o próprio Kiko: “Brasil Exu moleque.”