Entrevistas

"Quem banca nossa vida é o público LGBT": Letrux emociona e encerra um ciclo no Lollapalooza Brasil

Cantora Letrux conversou com o TMDQA! logo após sair do palco, e falou sobre disco novo e a pressão de ser a "rainha acessível" do momento.

(foto: Aline Krupkoski)
(foto: Aline Krupkoski)

Talentosa, sincera e catártica como sempre, Letrux tomou conta do período da tarde do domingo, último dia do Lollapalooza Brasil 2019. Muita gente estava lá pra cantar, dançar, dar risada e se identificar com os “insights” sempre precisos da cantora.

Em entrevista ao TMDQA! logo após o show, ela ressaltou o fato de grande parte desse público ser LGBTQI, celebrando o poder crescente desse grupo. Também falou sobre o encerramento natural do ciclo de Em Noite de Climão, disco de 2017 que rendeu tantos frutos à sua carreira.

Simpática como poucos, Letrux demonstrou na entrevista porque é considerada a “rainha acessível” do momento, falando abertamente sobre seus traumas, processo de composição e a situação política atual do Brasil.

Acompanhe abaixo a transcrição completa! O papo também estará, em áudio, no próximo episódio do Podcast Tenho Mais Discos Que Amigos. Siga-nos no Spotify pra acompanhar.

TMDQA! entrevista Letrux

(foto: Aline Krupkoski)

TMDQA!: Obrigado por receber a gente! Primeiro, gostaríamos de saber como é esse momento pós-palco. Seu show é sempre muito enérgico, tem muita troca com o público. Seus fãs são animadíssimos! Como você está se sentindo agora?

Letrux: Toda vez que faço shows, eu fico muito feliz com o meu público. Eu ia odiar não gostar dos meus fãs, sabe? Às vezes eu vejo uma galera curtindo e penso “que louco, né?”. Eu preciso ter essa conexão real. Às vezes fecho os olhos nos shows, mas normalmente sou uma cantora que canta de olhos abertos. Tem gente que até fica “cê tá louca?”, eu digo “não, eu só tô vivendo aquilo”. O meu tecladista outro dia disse como é impressionante que quem banca a nossa vida, o nosso cachê, é o público LGBT. Se eu estou aqui viajando, se estou aqui comendo essa comida japonesa, é porque tem um público LGBT que pede o nosso show. Claro, tem o contratante. Mas quem está pedindo o nosso show – e por isso o contratante fica atento – são as pessoas LGBTQI. Caraca, isso é muito forte. Foi um show foda, eu acho que a banda está muito entrosada. A gente tem feito sei lá quantos shows, acabamos de voltar de Portugal. Mas aqui no Lollapalooza eu tava muito sangue no olho, tipo “vamos fazer o show de nossas vidas”. E geralmente em festival, como eu me baseio muito nessa minha troca com o público, eu sempre falo uma besteira, faço uns monólogos, adiciono comentários, declamo poemas…

TMDQA!: Isso é planejado ou vai no momento?

Letrux: De alguma maneira, quando a gente faz show em teatro, aí eu decoro o monólogo, decoro poesia. Hoje não tinha, era tipo assim: “essa é a canção”. Mas esse disco [Em Noite de Climão], de alguma maneira, as pessoas gostaram tanto e eu sou tão grata a isso, que foi uma celebração do disco em si, sacou? Eu não precisava falar muito. Era uma ode ao que esse disco trouxa à minha vida, às nossas vidas, e foi uma celebração!

TMDQA!: Queria te perguntar justamente sobre o disco, porque parece, pelo caminho natural das coisas, que está chegando ao fim do ciclo do Em Noite de Climão.

Letrux: Sim, de alguma maneira sim. Ainda tem muitos lugares no Brasil para gente tocar, mas estamos chegando ao fim de um ciclo. A gente vai gravar o segundo disco ainda em 2019, mas apenas no final do ano.

TMDQA!: Você vai fazendo turnê e escrevendo ao mesmo tempo?

Letrux: Eu sou caótica. Eu sou capricórnio, mas eu sou caótica. Eu queria ter a hora para sentar no piano, pegar o violão e escrever, mas às vezes tô querendo dormir e aí me vem uma frase. Outro dia veio uma frase, alguma coisa sobre “complicação”… aí eu pego o celular e escrevo. Às vezes vem a melodia, aí eu pego o gravador [começa a cantarolar]. Então eu estou sempre num processo de gestação, e eu sou uma girafa. A gestação da girafa é de 16 meses. Vai ser lento, mas peço às pessoas que curtem a gente que não façam nenhuma pressão, porque a verdade é sempre melhor quando tem tempo. A gente vai lançar um single de uma música que a gente tem tocado nos shows que se chama “Ouro Puro”. Ela ficou conhecida nos anos 80 na voz da Elba Ramalho. Vamos lançar alguns remixes também. Tem coisa para acontecer, tem clipes para rolar, vai ser um álbum com clipe de todas as músicas. No final do ano a gente vai entrar em estúdio e se conectar.

TMDQA!: Então está tudo seguindo um caminho bem tranquilo.

Letrux: Sim, um caminho tartaruga. As coisas são profundas, são feitas para serem vividas também. Complicado eu largar esse “frisson” que está rolando agora e parar para gravar. O disco ainda está rendendo e tem cidades em que ainda não fomos tocar. Então sem pressa, sem pressão, vai rolar, vai ser tudo muito lindo.

Letrux no Lollapalooza Brasil 2019
(foto: Aline Krupkoski)

TMDQA!: Estamos falando de seus fãs e eles, é claro, gostam das suas músicas, do seu trabalho… mas eles também te veem meio que como uma “diva”, aquele negócio de rainha acessível, sabe? Eu ouvi uma galera lá no show falando que queria ser você quando crescesse.

Letrux: [risos] Que amor, isso é muito bonito! Eu acho a palavra “diva” muito louca, não existe muito isso… De qualquer maneira, eu estou com 37 anos, já fiz muita análise, muito reiki, muito centro espírita, muita macumba, muita droga, muito vinho, muita educação, literatura e teatro. Eu me cuido, eu me preparo, não estou aqui de bobeira. Me foi concedido esse corpo e essa dádiva de estar viva. Tenho meus momentos zona dark, mas caraca, “life is a fucking gift” e eu aproveito. É bonito alguém falar que quer ser eu quando crescer. Mas não se enganem, nada é fácil. Muito trabalho espiritual, terapêutico e tal. Essa coisa de fada acessível eu entendo, porque eu respondo as pessoas nas redes sociais. Não consigo responder todos, mas sempre que alguém me pergunta que livro estou lendo, coisas assim, eu acho foda. Eu consigo ser acessível. Perdão a todos que não respondi, mas é foda também.

TMDQA!: Eu acho que tem a ver com o fato de você ser muito sensata, sempre com comentários pontuais, suas composições são sempre muito cruas, muito diretas, e traduzem o que as pessoas estão sentindo. Pro disco novo, que você disse que já está começando a trabalhar, ser sensata é imprescindível no Brasil de atualmente. Você se afeta muito pelo o que está rolando na política?

Letrux: Você falou a palavra-chave, que eu falava na minha análise. A analista já me falou assim: “você se afeta muito”. Eu chegava chorando porque um homem jogou lixo no chão e ela me perguntava “mas você pegou o lixo? O que é que te afeta, o homem, a má educação dele ou lixo fora do lixo?”. Então eu sou muito assim. Eu não nasci para ser “gatinha mistério”, não nasci para ser blasé. As coisas me afetam, eu sou um ser humano. Claro que sou cascuda, no sentido de que estou há 15 anos fazendo música e shows. Mas as coisas me afetam muito e acho que desde que lancei o Climão, o Brasil está num rodamoinho alucinante. Às vezes eu me sinto rodando e às vezes me sinto no centro do furacão, que é um lugar calmo. Eu sou muito voyeur e muito realizadora. Às vezes eu vivo e às vezes prefiro ficar analisando. Mas isso me inspira! E eu agradeço às pessoas por viverem suas vidas, porque sou muito afetada pelo outro. Eu nunca tinha parado pra refletir, antes, como eu seria com 37 anos. Eu fui vivendo, não planejei. O próximo disco ainda vai ser muito voyeur, sobre eu mesma rodando no furacão ou no centro do furacão. Observando o que está acontecendo com o mundo, com a famílias e com os amigos. Eu sou uma pessoa muito sensível, tudo me toca, tudo me afeta. Então acho que o disco será afetado.

TMDQA!: Fechamos com essa frase, então. [risos] Muito obrigado!

Letrux: [risos] Obrigada!