Com suas singularidades, Karol Conka e Xênia França explicam a importância da diversidade na música brasileira

Karol Conka e Xênia França se apresentarão na mesma noite no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Venha conferir o papo que batemos com elas.

Karol Conka e Xenia França
Fotos: Bruno Trinidade / Elisa de Paula

A internet chegou e, com ela, infinitas possibilidades! Mais artistas passaram a ter acesso às modernas ferramentas de produção e divulgação musical. Mais artistas surgiram. Mais pessoas conseguiram mostrar suas vozes (literalmente).

São tempos em que você não precisa da aprovação de várias pessoas para jogar seu trabalho no mundo. E não apenas o artista: o indivíduo, no geral, tem agora uma liberdade que talvez não tenha experimentado no “mundo lá fora”.

Publicidade
Publicidade

Historicamente, a internet é algo muito recente. Ela chegou e teve seu “boom” do nada, em questão de 20/30 anos. Trata-se de um terreno muito rico, mas ainda pouco explorado. De repente, todos — dadas as devidas proporções — têm a possibilidade de estar no mesmo espaço. Ricos e pobres, jovens e idosos, homens e mulheres… As possibilidades inauguradas pela internet acabam contrastando com a verticalidade social que marcou a história da humanidade até então.

Isso marcou, especialmente, a última década da nossa música. Apesar de um mainstream industrialmente consolidado, vimos surgir também artistas incríveis com os mais diferentes discursos.

Uma dessas artistas, que levanta suas bandeiras e retrata sua vivência de uma forma muito artística, é a curitibana Karol Conka. Se, historicamente, os privilégios foram sempre concedidos aos homens brancos, Karol surge na figura contracultural da mulher negra. Com letras afiadas, ela conquista uma crescente fama como uma das maiores artistas pop da atualidade, graças a seus empoderados discursos que a ajudaram a conquistar uma legião de fãs.

Outro nome que mostra esse poder do discurso pessoal é Xênia França. Baiana, Xênia tomou da MPB, do jazz de sonoridades eletrônicas e africanas para fazer seu nome. Seu ótimo álbum homônimo, um dos melhores de 2017, é um grito da resistência de um negro na atual sociedade em que vivemos.

Xênia e Karol se apresentarão no Circo Voador, no Rio de Janeiro, no próximo dia 26 (sexta). Conversamos com ambas as cantoras sobre suas expectativas, e sobre a importância da horizontalização da cultura musical do Brasil.

Confira abaixo:

Karol Conka. Foto: Reprodução / Youtube
Foto: Stephanie Hahne

A mulher na música contemporânea

Agora é a mulher, em primeira pessoa, dizendo o que ela quer e como ela quer se expressar.

A importância de cantoras mulheres na indústria se mostra cada vez maior. Este ano, por exemplo, elas ficaram responsáveis pela grande maioria dos topos das mais consagradas paradas norte-americanas. Mas como está a situação aqui no Brasil?

Ambas as cantoras acreditam que a participação feminina na indústria teve um avanço significativo. Xênia vê nisso um reflexo de um pensamento que está sendo cada vez mais desenvolvido no mundo.

Xênia França: É nítido que, de uns 5 anos para cá, tem crescido consideravelmente o número de artistas mulheres se expressando. Acho que isso tem a ver com o que vem acontecendo na nossa sociedade, especialmente no Ocidente… Há uma autonomia maior da figura da mulher, e não seria diferente quando se trata de expressão artística. (…) Agora é a mulher, em primeira pessoa, dizendo o que ela quer e como ela quer se expressar. 

Karol tem a mesma opinião, mas enfatiza que as diferenças ainda são gritantes, especialmente quando se trata do que está “fora dos holofotes”.

Karol Conka: Ainda precisamos de mais avanço. Temos muita dificuldade de encontrar mulheres nos bastidores. Temos mulheres no topo das paradas de sucesso, mas ainda é um ambiente dominado por homens. É muito difícil de se encontrar produtoras, até mesmo instrumentistas mulheres. Não se encontra isso com facilidade. O espaço a mulher já tem, mas ainda falta o reconhecimento dessas artistas.

Contribuições para o cenário

Eu uso a minha arte para levar a solução para as pessoas.

Perguntamos para as duas cantoras sobre como se sentem ao enriquecer o cenário musical brasileiro com seus respectivos discursos. Tanto Karol quanto Xênia colocam, tanto em termos líricos quanto estéticos, suas vivências em suas músicas.

A subjetividade em ambas é justamente o que conseguem nos dar para tornar a cena mais plural. Com isso, elas buscam esclarecer para o ouvinte que existem infinitos pontos de vista.

Karol: Eu sinto esse tipo de atividade como uma missão. Eu realmente gosto de contribuir com alguma coisa sem ficar uma responsabilidade grande quando a gente escolhe esse tipo de caminho. Eu me sinto muito bem em perceber que não estou sozinha, que existem mais pessoas que pensam como eu e que querem ver um mundo melhor. Eu uso a minha arte para levar a solução para as pessoas, para servir de alívio. Eu gosto também de me conectar com um artista que tenha o mesmo propósito, que é a evolução diária.

Xênia: Existe uma grande energia, suprimida após tantos séculos, que nos faz pensar na existência como única opção. A minha contribuição é colocar esse meu direito de existir em prática. É colocar minha cultura, minha vida… É uma espécie de “manifesto de existência”. É a minha auto-afirmação, é colocar minha voz para jogo, matando um dragão por dia. Não é fácil ser uma artista negra no Brasil. Eu tento mostrar para outras pessoas que é possível abrir portais inimagináveis, que até para mim são inimagináveis. Assim, conseguimos enxergar novas possibilidades no horizonte. Queremos mostrar que é possível!

E, só por existir, elas conseguem trazer essa tal solução. É um passo fundamental para entender o que é subjetividade, do que se trata a vivência de cada um. Ao contar, em suas letras, suas próprias experiências, elas esclarecem muitas dúvidas. É a solução para quem se reconhece no tal discurso. É a ajuda que os artistas atuais podem dar para fornecer material para que seus ouvintes consigam “colonizar” seus próprios pensamentos, sem imposições ou pressões sociais.

O papel da música em tempos confusos

O som é um fenômeno da natureza. Não pede licença e nos atravessa.

Conversamos também sobre a contribuição da música para a sociedade. Em tempos difíceis (como já conversamos no Podcast TMDQA!), a arte ajuda a fornecer um novo olhar, um olhar de esperança. No geral, fornece solução, como crava Karol.

Karol: Eu acho que temos que manter o foco na solução. A música pode trazer tanto sentimento de vitória quanto de derrota, dependendo do que a lírica carrega. Eu posso falar pela minha música que o que eu faço para contribuir é usar as minhas experiências e meu aprendizado com a vida para fazer as pessoas enxergarem a vida de uma maneira mais leve, apesar de ela ser pesada. Acho que a música é mágica. Quando ela toca, ela realmente toca nas pessoas. Eu acredito muito na lei da atração: se você ouve algo que traz solução, você pode passar isso adiante. Aliás, é melhor gritar que tem uma solução do que gritar que tem um problema.

Já Xenia França foca no poder educador que a música tem, e se mostra satisfeita com o rumo que a música nacional está tomando aos poucos.

Xênia: Há muito a se aprender. Eu mesma estou aprendendo muito, e estou disposta a evoluir. A música, nesse sentido, acaba sendo uma ferramenta muito forte. O som é um fenômeno da natureza. Não pede licença e nos atravessa. Traz mensagem, educa, diverte… É uma dádiva para mim poder trabalhar com isso, e viver na mesma época que artistas que estão comprometidos com esse novo olhar, o olhar de quem não existia até outro dia. São várias vozes, e esse pensamento horizontal precisa existir. (…) Determinadas vozes estão se tornando agentes desse tempo que estamos vivendo agora. Tudo está acontecendo da maneira que teria que acontecer. 

O que o público quer escutar?

Já recebi mensagens de pessoas dizendo que minhas músicas salvaram suas vidas.

Ter poder de fala na era da internet talvez seja algo teoricamente horizontalizado, mas não são todos que conseguem conquistar seguidores a partir de seu discurso.

O ouvinte hoje é mais exigente, especialmente quando ele pode montar sua própria trilha sonora em serviços de streaming. Mais do que simplesmente ouvir uma música, ele deseja se sentir representado nela. Ele quer se sentir reconhecido em um discurso para encontrar uma razão para continuar ouvindo tal música ou artista.

Karol sente o tamanho dessa responsabilidade.

Karol: Eu fico feliz em saber que existem pessoas que entendem o que eu estou querendo dizer. Sinto que é uma responsabilidade muito grande. Já recebi mensagens de pessoas dizendo que minhas músicas salvaram suas vidas. Vivemos em um mundo depressivo. É muito importante para mim saber que essas pessoas procuram alguma luz no fim do túnel, e me sinto feliz em saber que eu posso dar essa ajuda. E, para continuar sendo referência para essas pessoas, eu tento me cercar de gente admirável, de amigos reais. Eu crio uma bolha imaginável que impede que qualquer negatividade me invada. 

Para Xênia, isso não tem a ver apenas com os aplicativos de música. A representatividade musical que o ouvinte almeja é, na verdade, um desejo da juventude em fugir dos padrões.

Xênia: Existe uma juventude que está muito interessada no que é novo, em explorar sua própria potencialidade, em criar e não ficar preso aos padrões. Isso é muito mágico e natural. A gente vive em um país continental onde ainda há muito a ser descoberto ainda. Os próprios brasileiros vão redescobrir o Brasil e suas diferentes faces.

Karol e Xênia tocando juntas no Circo Voador

Espero que as pessoas venham de mente aberta.

Karol e Xênia vão se apresentar na próxima sexta (26) no Circo Voador, uma das casas de shows mais emblemáticas da cultura brasileira.

Xenia fará o show de seu álbum de estreia, elogiadíssimo por quem teve a oportunidade de assistir. Com uma banda sensacional, uma estética bem particular e sua MPB turbinada, a cantora fará o primeiro show da noite.

Xênia: Esse show é uma experiência sensorial. Espero que as pessoas venham de mente aberta, para se conectarem com quem elas realmente são. A música é a ferramenta, é o veículo, e nossas mentes são a possibilidade de nos conectarmos a ela para nos transcendermos, para elevarmos a nossa essência para outra dimensão.

Logo depois, Karol subirá ao palco para o show de divulgação de seu mais novo disco de estúdio, intitulado Ambulante. Ela comentou sobre o que podemos esperar da apresentação.

Karol: Eu acho que o show vai ter um clima mais intimista, mas não sei se essa é a palavra certa. Quero que as pessoas tenham a sensação de estar na sala da minha casa e de sentir que aquele show é só para elas. É para o povo que curte a arte da Karol, além da personalidade. É para as pessoas que estão ali pela filosofia das apresentações. Eu estou muito empolgada.

Estilos diferentes na mesma noite (e isso é ótimo)

A diversidade que o Circo propõe é um pouco da realidade artística brasileira.

São shows, de fato, muito diferentes. Mas não há problema nisso, certo?

Muito pelo contrário! É importantíssimo para a cultura de um país continental entender que as subjetividades importam, que todos os tipos de vivências e discursos importam! E o Circo abre as portas para todos os tipos de música.

Misturar estilos tão diversos no mesmo palco não deixa de ser uma experimentação, é claro. Mas, para Karol, a intenção é justamente esta: fugir do óbvio.

Karol: Na verdade, eu acho que tudo na minha vida é meio experimental, diferente. Eu não gosto de um padrão. Eu acho que o Brasil é um país que replica muito clichê. Tenta estacionar o pensamento do público, não o incentiva a ir além, a querer mais. Eu acho legal quando, por exemplo, você vai a um festival e tem vários estilos tocando: rock, samba, rap… Isso é nutritivo para a nossa cultura. As pessoas vão ao show da Karol Conka esperando que a abertura vai ser feita por um artista com a mesma sonoridade. É legal explorarmos outros caminhos, outros sabores… Às vezes eu quero levar o meu filho a um restaurante diferente, e ele só quer arroz, feijão e farofa. Eu falo “Tudo bem, mas isso você come todo dia. Vamos ver esse outro restaurante aqui. Olhe essa parede, ouça a música que toca, sinta esse outro sabor”… As pessoas têm preguiça de explorar a cultura, de saber um pouco mais. Eu gosto de brincar com isso, de mostrar outras possibilidades.

Xênia reconhece que a diversidade nós já temos; o que falta agora é o público a reconhecer. Ela nos contou sobre a oportunidade que teve de interagir com Fantastic Negrito (em um papo transmitido pelo Twitter do TMDQA!), e do quão enriquecedor tal experiência foi para ela.

Xênia: De fato, existe um vício de as pessoas só gostarem de coisas que estão na moda, do que está sendo falado. É muito importante que a gente abra o nosso coração e a nossa mente para conhecer novas coisas. Não é deixar de gostar de algo, mas sim enriquecer seu repertório. Você vai fazer bem para você mesmo e também para o artista, que está ali, dando o melhor que pode dar, para se conectar com o máximo de gente possível.

A baiana concluiu seu pensamento lembrando que, mais do que estilos musicais diferentes, a diversidade proposta pela casa diz respeito a mais do que simplesmente música.

Xênia: Somos pessoas diferentes de lugares diferentes. Duas maneiras diferentes de ver o mundo e de se expressar artisticamente. Quem quiser ir lá para conferir, vai ter certamente a oportunidade de enriquecer. Posso dizer que estamos disponíveis para enriquecer a partir do contato com nosso público, e para enriquecer pessoas com o nosso trabalho. Queremos ouvir, trocar, transcender, aprender… A diversidade que o Circo propõe é um pouco da realidade artística brasileira. Vai ser muito enriquecedor.

Os ingressos ainda estão disponíveis. Não tem como perder essa apresentação!

Sair da versão mobile