Festival Pira Rural: cultura na arte, na terra e no respeito ao próximo

O TMQDA! cobriu o Festival Pira Rural, um evento que acontece há 10 anos em Ibarama (RS), reunindo muita música, cultura rural e consciência ambiental.

Foto: Andressa Colbalchini
Foto: Andressa Colbalchini

Entre os dias 19 e 21 de abril, a pequenina cidade de Ibarama (RS) foi mais uma vez o ponto de encontro de um evento gigantescamente maior que a sua geografia.

O Festival Pira Rural, que há 10 edições acontece no interior do Rio Grande do Sul, foi pela primeira vez acompanhado de perto pelo Tenho Mais Discos Que Amigos! e agora podemos falar para vocês um pouco sobre essa experiência.

Além de celebrar a música de diversos gêneros que é feita principalmente no sul da América Latina, o Pira Rural tem um compromisso muito interessante com o ambiente o rodeia: a mata, a vivência no campo e também as pessoas que fazem ele acontecer. Tanto os colaboradores quanto visitantes, todos são tratados com muito respeito e acolhimento.

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Tudo começou às 16h da sexta-feira, quando todos aprontaram as suas barracas e se dirigiram para a cascatinha, que de pequena tem apenas o nome.

A bela cachoeira é o principal marco do local onde o festival acontece e é nele que a organização faz sua apresentação ao público, dando as boas-vindas e a abertura ao Pira Rural.

E é ali mesmo, na beira do rio e em meio da natureza, que a primeira banda se apresenta. O gipsy-blues de Márcio Füller e Bando começou as atividades musicais com o seu show, e ao finalizá-lo deu a frente para a procissão que levou o público até o palco principal, chamado Ricas Abóboras.

A primeira banda a tocar nesse palco é a Pariparoba, a “banda da casa” formada por membros da organização do festival que agradou o povo que começava a se reunir.

Na sequência, o show solo do paulista Ricardo Vignini que, acompanhado de suas diversas violas, deu uma belíssima continuidade para ao festival e antecedeu o show também acústico da Cuscobayo.

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Uma das maiores mostras da diversidade musical do Pira Rural foi o show da Òséètúrá Africa’njazz, uma banda formada em Porto Alegre (RS) e liderada por um nigeriano, na qual misturam-se ritmos do oeste da África com jazz, muito suingue e pitadas de rock and roll em uma verdadeira “brincadeira de ritmos” como os próprios membros disseram. Uma banda que está fazendo falta nos streamings!

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Subvertendo o subversivo, a sempre ótima Machete Bomb fez um show explosivo no palco Ricas Abóboras, com muita contestação e energia que agitou o já grande público que respondia positivamente à mensagem da banda.

A agitação continuou de forma instrumental com o show da Trabalhos Espaciais Manuais, uma banda que, contando com um trio de metais, faz uma mistura animadíssima e muito bem trabalhada de funk, reggae, jazz e soul.

Dando uma acalmada, mas mantendo a energia positiva, o Butiá Dub trouxe seu reggae para o penúltimo show da noite, que terminou com toda a lisergia da banda Quarto Ácido.

2º dia

O primeiro show do sábado começou cedo. Às 13h30, o público já era considerável quando Zuli sobe aos palcos com seus teclados e sintetizadores acompanhado apenas de uma cozinha com baixo e bateria. A formação simples da banda não deixou de desenvolver uma apresentação magnífica do álbum Apesar Desse Mundo, apresentação essa que surpreendentemente foi apenas a segunda da carreira da banda.

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Apesar de um pequeno atraso, o show da banda Três Marias (que na verdade se apresentam em cinco) contou com um público já maior e entusiasmado. Participativo do começo ao fim, o batuque das meninas é constantemente somado às palmas das pessoas, preenchido ainda com o baixo e o cavaquinho.

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O mais emocionante e significativo show do Pira Rural foi com certeza o de Dante Ramon Ledesma. O argentino – quase brasileiro! – e sua música nativista encantaram um público que parecia muito próximo do reconhecido artista.

O folclore e o orgulho da cultura latino-americana, gaúcha, indígena e rural faziam parte dos discursos de Dante nos intervalos das canções, que bradava contra o imperialismo e a música de massa, pré-fabricada.

Homenageando movimentos sociais, amor e o respeito, o artista encantou todo o público acumulado em frente ao palco.

De certa forma mantendo a cultura gaúcha em pauta, a banda Tum Toin Foin trouxe sua mistura de gaitas, música popular e rock and roll para o fim da tarde do Pira Rural.

Começando a noite, As Tubas faz um belíssimo show que, apesar de ser baseado em uma música suave, é pautado por um discurso pesado que mistura poesia com ativismo feminista.

Depois do clima concentrado de conscientização proposto pelas meninas, o ambiente se modifica com um verdadeiro baile de cumbia da banda La Digna Rabia que ainda contava com um quê de reggae e guitarras cheias de efeitos.

A partir de então, começa uma série mais pesada e rock and roll do Pira Rural com o show do Quarto Sensorial antecipando Rinoceronte, Bardos da Pangeia e Pata de Elefante em um show com muita presença, tanto no palco quanto no público.

A Rinoceronte mantém a proposta “bate-cabeça” adicionando suas letras ao som muito bem executado pelo trio, enquanto os Bardos da Pangeia trabalham sua proposta festiva e irônica que muito combinou com o clima da noite. E para finalizá-la, o instrumental interessantíssimo da já consagrada Pata de Elefante.

3º dia

Na tarde do terceiro e último dia, mostrando que essas últimas duas atrações não estavam ali apenas para cumprir tabela, Paola Kirst faz um ótimo show para um público levemente reduzido, mas muito atento.

Acompanhada do grupo Kiai e também de uma intérprete de libras, a cantora mostra uma mistura de música popular brasileira com um jazz nervoso que reproduziu as canções de seu álbum de estreia, Costuras Que Me Bordam Marcam na Pele.

Chegando ao fim, ficamos com o som groove da Lusco Fusco, tocando energicamente para um público já bem reduzido, mas ainda bem animado com o seu show.

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Podemos concluir que o festival demonstrou que é possível montar um belo de um line-up priorizando artistas locais e do legítimo underground, e que, em questão estética, nada deixa a desejar para os grandes nomes.

Uma bela característica que pode ser observada é que todas as bandas recebem um público atento, curioso e participativo, independente do horário, muito cedo ou muito tarde, de pé ou sentado, sempre tem gente em frente ao palco.

Afinal, o grande diferencial do Pira é o realmente o público. Não que as bandas que toquem sejam fracas – elas são sensacionais! – mas elas só estão aqui por causa do público. Nenhum artista está à toa no line-up, ele está porque conversa diretamente com o que essas pessoas buscam.

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Somando com todas essas atrações musicais, o festival ainda abrange a cultura local tanto nas tradições de arte como de plantio e respeito à natureza, trazendo oficinas de acordeom universal, pintura corporal, bioconstrução, agroflorestal e até o passo a passo da produção da erva-mate, entre várias outras.

Mais do que um festival de música, o Pira Rural nos faz perceber que muito acima de qualquer conservadorismo que a cultura gaúcha costuma estar relacionada, essas práticas são em sua essência agregadoras e libertárias, pois pregam uma unidade entre o povo brasileiro e de seus países vizinhos através de uma série de costumes e de muito respeito.