Impossível não se apaixonar pela atmosfera sedutora e intimista que envolve o jazz. Mais que um estilo musical, o gênero se consolidou como um dos fenômenos culturais mais expressivos do século XX. Quem não sonharia em poder frequentar um daqueles famosos estúdios americanos, onde músicos se reuniam nas madrugadas da década de 40 para improvisar criações entre um sopro no sax e um gole no uísque? Pois bem. É para este clima que a série Hip Hop Machine, recém-estreada no Youtube, promete levar seus espectadores. E, o melhor: trazendo dez nomes de destaque do rap para este delicioso caldeirão.
Idealizado por Bruno Costa, sócio-fundador da Agência Milk, o projeto coloca os maiores nomes em ascensão do rap nacional ao lado de uma banda liderada por Leo Gandelman, incontestável referência brasileira no mundo do jazz. Assim surgiram releituras de canções autorais de artistas como Karol Conka, BK’ e BNegão. Ainda que distintas comercialmente, as duas vertentes musicais contam com inúmeras similaridades artísticas e o resultado da mistura foi aprovado por quem esteve presente na première realizada na última quinta (9 de Maio), no Estação NET Rio. O primeiro episódio, com a banda Haikaiss, já está disponível na plataforma de vídeos – os demais serão divulgados semanalmente, sempre às sextas-feiras.
“Este cruzamento já vem sendo testado lá fora há um tempo. A grande contribuição do jazz para a música é seu caráter de improviso, algo marcante também para o hip hop. É como se eles fossem feitos um para o outro”, conta Gandelman, responsável pela direção e produção musical do projeto, além de dividir a direção artística do Hip Hop Machine com Bruno. Para o jovem empresário, a inspiração veio depois de assistir ao documentário Quincy – A Life Beyond Measure, que abrange as seis décadas de música do icônico produtor Quincy Jones.
Do sonho até a estreia, passando pela proposta para Gandelman, o convite para os artistas e a gravação dos vídeos, passaram-se apenas seis meses. “Surgiu como algo despretensioso, mas todas as pessoas envolvidas confiaram no potencial da ideia. Sabemos que o rap é um fenômeno consolidado fora do mainstream, que agora busca maneiras de conseguir diminuir esse atraso”, explica Bruno, citando a banda Postmodern Jukebox, conhecida por versões de sucessos pop em ritmos como jazz, ragtime e swing, como principal referência. Do outro lado, impossível não aludir a nomes como John Coltrane e Charlie Parker.
Os números corroboram a declaração. Em 2017, um relatório da empresa de pesquisas Nielsen mostrou que o hip hop superou o rock como gênero mais consumido nos EUA pela primeira vez – chegando a 25% do total no país. No mesmo ano, dados do Spotify alegaram um crescimento de 74% no consumo do rap em âmbito mundial. “Como a indústria brasileira é controlada por pessoas mais antigas, este avanço aqui no Brasil ainda se mostra muito lento, ainda mais do ponto de vista de uma artista mulher”, afirma a cantora Gabz, protagonista de um dos episódios. “Mas vejo este cenário mudando gradativamente e um projeto como este ajuda a agregar valor”.
Para as gravações, pouco ou quase nenhum ensaio. Afinal, o tal improviso citado por Gandelman foi um dos ingredientes principais. “Cantar com uma banda de jazz foi muito diferente do que estou acostumado. Mas sempre estou disposto a novos desafios, principalmente quando se trata de mistura de ritmos”, confidencia um satisfeito Baco Exu do Blues, que junto com Luccas Carlos, 1Kilo, 3030 e Delacruz, fecha as participações. O resultado é uma série de vídeos em preto e branco, filmados em plano-sequência sob o olhar cuidadoso do diretor de fotografia Artur Medina, que também assina a direção de fotografia com Leo Siqueira. No futuro, os episódios serão ainda exibidos em uma montagem exclusiva para a TV fechada. É a conquista de um espaço no mainstream, sem perder a essência de resistência e exclusividade que só aqueles estúdios do início do século podiam oferecer. Ou seja: o melhor dos mundos.