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Resenha: Vampire Weekend atinge o auge e explora limites do indie em novo disco

Vampire Weekend retorna com seu novo disco, Father of the Bride, trazendo a mais completa e precisa tradução de todas as suas diversas influências até hoje.

Vampire Weekend - Father of the Bride

O Vampire Weekend sempre foi uma banda um pouco diferente das demais da sua cena. Como se fossem (e de fato são) conscientes sobre sua posição privilegiada – os integrantes eram alunos da Universidade de Columbia, uma das mais respeitadas e caras dos EUA – desde o início os garotos pareciam entender que, ainda que o punk não pertencesse a eles, o conhecimento do gênero e essa autoconsciência seriam fatores para quebrar os paradigmas em que o rock estava (e talvez ainda esteja) inserido.

No meio disso tudo e durante toda a sua já estabelecida carreira, a banda se caracterizou por misturas improváveis e que beiravam o desconforto. Neste último dia 3 de Maio, o Vampire Weekend lançou Father of the Bride, sucessor do vencedor de Grammy Modern Vampires of the City. Os artistas parecem estar mais recheados de influência do que nunca e abrem o disco com “Hold You Now”, que já mostra uma das principais novidades: parcerias.

Danielle Haim (vocalista e guitarrista do Haim) aparece nessa e em duas outras canções – “Married in a Gold Rush” e “We Belong Together”. Além disso, a faixa de abertura também dita o ritmo de boa parte do disco. É como se o Vampire Weekend tivesse reunido suas influências de toda a carreira e pensado em como encaixá-las dentro de uma perspectiva country, o que acabou fazendo o novo material soar como uma trilha sonora de um filme dirigido por Wes Anderson ou similares.

“Hold You Now” deixa essa intenção muito clara ao samplear trechos de “God Yu Tekem Laef Blong Mi”, do genial compositor de trilhas sonoras Hans Zimmer, entre os duetos vocais simples e belos do vocalista Ezra Koenig com Haim. A perspectiva de trilha sonora é bem presente também em “Harmony Hall”, primeiro single do álbum e que traduz de forma precisa a vibe que o grupo busca com as novas composições – melodias felizes, dançantes, mas com um quê de tristeza (especialmente nas letras).

Saída de Rostam Batmanglij

Uma das principais preocupações dos fãs era quanto à saída de Rostam Batmanglij. O multi-instrumentista não era apenas parte integral da banda na execução das músicas, mas havia sido também o produtor em todos os discos até então. No entanto, a boa relação entre Batmanglij e Koenig permitiu que eles continuassem trabalhando juntos de alguma forma e o seu toque de produção e composição ainda aparece em “Harmony Hall” e “We Belong Together” (que soa como uma música caipira do interior brasileiro).

Por outro lado, a saída de Batmanglij permitiu aos caras explorar novos sons, novas técnicas de produção e composição e até mesmo as técnicas e influências antigas sem o seu viés. Uma das principais visualizações disso é em “Sunflower” – a parceria com Steve Lacy (The Internet) evidencia a sonoridade mais R&B/funk que a banda busca nessa canção de forma bem diferente do que no passado, dessa vez soando quase como um indie prog. No player abaixo você pode conferir o clipe dessa música, que teve direção de Jonah Hill (sim, o famoso ator!).

Em “Flower Moon”, a outra parceria com Lacy, o grupo ainda mostra o uso de vocais com auto-tune (também bastante influenciado pela cultura recente do R&B e hip hop) somado ao instrumental dançante que remete ao surf rock. “2021” é ainda mais uma faixa que traz essas influências, traduzidas na forma de samples e no uso de beats eletrônicos, e “Spring Snow” conta com a mão do produtor BloodPop (Justin Bieber, Madonna) que ajuda a trazer elementos do pop moderno à canção.

Álbum duplo

Father of the Bride é um álbum duplo e extremamente completo. O disco chegou a ser comparado ao White Album (dos Beatles), o que até a própria banda concorda ter sido um leve exagero não apenas pela proporção do clássico trabalho mas também pela diferente direção sonora.

Uma das principais características que traz coesão ao novo trabalho dos americanos no meio de tanta diversidade de influências são as letras, com temas que seguem a mesma linha e com uma simplicidade lírica influenciada pelo trabalho da cantora country Kacey Musgraves (que apareceu por aqui em um dueto com Hayley Williams).

Além disso, as letras trazem também um grande contraste. Em “This Life”, melodias e ritmos alegres são sobrepostos por frases como “You’ve been cheating on, cheating on me/I’ve been cheating on, cheating on you” (“Você tem traído, traído a mim/Eu tenho traído, traído a você”). Outro exemplo disso é “How Long?”, que além de tudo ainda mostra claros elementos do estilo de produção de nomes como Kanye West.

Em “Big Blue”, entretanto, a melodia com forte influência do roots e dos estilos musicais clássicos americanos conversa diretamente com a letra. Algo similar ocorre em “Unbearably White”, uma canção “colorida” cujo tema lírico trata de um relacionamento em pedaços que flutua tanto quanto a sonoridade instrumental.

O ápice do disco vem com “Sympathy”. A faixa mais elaborada do trabalho traz um violão flamenco, com a inserção de alguns acordes que remetem à bossa nova, samples de corais que trazem uma sonoridade fantasmagórica e elementos eletrônicos que soam meio New Order somados a fortes influências do jazz (como o uso de um baixo acústico ao invés do convencional elétrico). Ironicamente, Ezra Koenig disse que essa é a faixa “mais metal que o Vampire Weekend fará”.

Vampire Weekend

De forma geral, o Vampire Weekend mostrou que a sua evolução constante chegou a um ponto ótimo. É impossível dizer se a banda irá continuar nesse ponto nos trabalhos subsequentes, mas o fato é que o momento dos americanos é excelente e talvez represente o auge de suas carreiras.

A maior prova disso é que o novo álbum se tornou o terceiro trabalho da banda a atingir o topo das paradas. Até a semana que se encerrou em 9 de Maio, foram 138,000 cópias vendas equivalentes (que incluem streams) das quais 119,000 se referem a vendas efetivas do disco. Ambos são os maiores números para um disco de rock em 2019.

Father of the Bride é um trabalho belo, completo, cheio de reviravoltas instrumentais e líricas e que já foi aclamadíssimo por críticos do mundo todo. A cereja do bolo é a última faixa, “Jerusalem, New York, Berlin”, que traz um certo tom de melancolia característico de quando percebemos que uma obra-prima chegou ao fim.