Entrevistas

MPB, psicodelia, redes sociais e um disco fluído: leia nosso papo com a Contando Bicicletas

Misturando rock progressivo com MPB, a Contando Bicicletas conversou conosco sobre seu álbum de estreia "Se Quer Aventuras".

Contando Bicicletas
Foto: Pedro Arantes

Provavelmente você já deve ter lido da equipe do TMDQA! que a música brasileira vive um momento incrível. Com a facilitação crescente da produção musical, vemos cada vez mais novos bandas e artistas fazendo trabalhos com qualidade cada vez maior, ao ponto de conseguirem confrontar o mainstream.

Uma dessas bandas com potencial de mostrar a força da música independente em um futuro próximo é a Contando Bicicletas. Trata-se de um grupo carioca que entrega uma sonoridade incrível ao misturar elementos de MPB com rock progressivo e psicodélico.

Formada por Luiz Felipe Fonseca (vocal principal, violão e guitarra), Mateus Da Silva (guitarra e voz), Vitor Carneiro (baixo) e Felipe Ribas (bateria), a banda tem em seu currículo o seu álbum de estreia Se Quer Aventuras, lançado em 2018.

O álbum é uma prova de que a cena independente está unida em prol de resultados cada vez melhores. Isso porque a produção do disco foi assinada por Hugo Noguchi (Ventre) e Pedro Tambellini (Mara Rúbia), nomes conhecidos do underground carioca.

 

“É muito legal ver as pessoas comentando sobre”

Recentemente, batemos um papo com os integrantes da banda por telefone. Bem humorados e bem dispostos, a Contando Bicicletas nos falou sobre a produção de seu primeiro álbum, sobre o uso das redes sociais para a sua divulgação e sobre suas influências.

Confira abaixo:

Contando Bicicletas
Foto: Emilia Alcofarado

TMDQA!: Primeiramente, queríamos saber de vocês de onde surgiu o nome  Contando Bicicletas?

Mateus Da Silva: Tem história? Pensei que fosse um nome qualquer (risos).

Luiz Felipe Fonseca: Na verdade, a gente secretamente possui um outro nome. A gente falou que “Contando Bicicletas” era apenas uma brincadeira, e antes de tudo a gente combina de continuar fingindo que é esse o nome real. Na verdade, o nome de verdade só o Mateus sabe. Ele decidiu e não contou para ninguém. Então, oficialmente, existe um outro nome, mas não é oficial porque ele não sai para nenhum lugar.

TMDQA!: O nome é tão secreto assim ao ponto de não poder ser revelado?

Mateus: O nome é muito bom.

Felipe Ribas: O nome é tão bom que não sou bom o suficiente para citá-lo. É esse o nível.

Luiz: São sons que o ser humano não consegue reproduzir.

TMDQA!: De onde vocês se conheceram? O que uniu vocês como uma banda?

Mateus: Todos nós, menos o Vitor, estudávamos no Centro Musical Antônio Adolfo. De vez em quando, tocávamos juntos. O Luiz já conhecia o Vitor porque eles estudaram juntos.

Luiz: A gente tinha uma banda nos tempos de colégio, então já nos conhecíamos bem. Aí,
quando começamos a tocar músicas autorais nós três, eu pensei que fosse natural chama-lo. Eu conheci os Mateus e o Ribas chamando eles para tocar uma música minha em um dos shows do Centro Musical, aí alguém que eu tinha chamado para tocar essa música, propôs que eu também tocasse uma música dele. Eu cheguei no ensaio da outra banda e eram exatamente os mesmos integrantes do grupo que eu tinha formado (risos). Foi assim que a nossa relação começou.

TMDQA!: A sonoridade de vocês mistura elementos da MPB com a música psicodélica. Como vocês conciliam esse som? Quais foram as principais influências para vocês?

Luiz: Para mim, essas duas coisas não são separadas. Acho que a música brasileira sempre usou bastante da psicodelia, desde os anos 60 e 70. Os festivais da época traziam, ao mesmo tempo, Chico Buarque e Os Mutantes. Acho que a cena da época sempre casou bem a MPB e a psicodelia. A própria Tropicália é um reflexo disso. Eu acho que Os Mutantes é uma grande referência. Todos nós ouvimos bastante.

TMDQA!: De uns tempos para cá, a MPB teve seu conceito alterado aos poucos, diante de vários novos movimentos na nossa música. Como é pegar a sonoridade psicodélica da nossa música dos meados dos anos 60/70 e trazer isso para os dias atuais?

Mateus: Acho que veio naturalmente.

Ribas: A gente ouve música atual e ouve música antiga. Cada um de nós tem um background musical quase absolutamente diferente, com apenas algumas interseções. Todas as nossas composições vêm de influências muito misturadas. Eu teria que parar para pensar sobre de onde exatamente veio cada influência em uma canção nossa.

Luiz: Tem muita banda boa surgida nos últimos anos. Estamos vivendo um momento muito bom para a música independente brasileira. Acho que muita gente anda falando sobre isso, sobre bandas que fizeram isso acontecer. Tem Baleia, O Terno, Boogarins… Tentamos trazer um pouco dessas bandas, sabe? Trazer esse novo universo da música brasileira atual.

TMDQA!: Uma coisa muito legal que eu vejo em vocês é o contato que vocês têm com seus fãs pelo Twitter. Diferentemente do Facebook, que talvez seja uma plataforma mais tradicional de divulgação, o Twitter é uma plataforma mais horizontal, quebrando barreiras. Por sinal, vocês no Twitter são muito divertidos, com postagens engraçadas. É possível que alguns de seus ouvintes tenham tido o primeiro contato com vocês através de postagens retuitadas da banda. Como, para vocês, se dá essa questão da divulgação por meio de redes sociais? Já que existem outras plataformas também, sendo tudo muito recente e sem regras consolidadas, como vocês pensam sobre a linguagem de cada uma?

Luiz: O Twitter, para mim, é algo completamente diferente. Não precisamos pensar muito. Só jogamos lá. Já no Facebook, precisamos rever o texto e ficar um tempo conversando sobre a formatação, a foto a ser usada… Tem também a questão do alcance de cada rede. Facebook requer um planejamento maior. Em termos de visibilidade, sentimos mais retorno pelo Twitter e até pelo Instagram. Pelos stories do Instagram, onde sequer conseguimos colocar links, a gente consegue mais ouvintes do que o Facebook hoje em dia.

Eu sempre gostei muito de bandas no Twitter. Eu acompanhava muito a Baleia e outras bandas norte-americanas, como a The World Is a Beautiful Place (& I Am No Longer Afraid to Die) e a Foxing, que têm uns post hilários no Twitter. Tem uns tweets que acabaram ficando na minha cabeça, como uma vez em que, às 4 da manhã, a Baleia twittou: “Isso são horas?”. Eu achava isso excelente. São publicações “besteira” que geram repercussão pelo humor, sem falar que você se sente mais próxima à banda de alguma forma. Eu investi muito no Twitter. É muito legal ver pessoas comentando sobre.

Ribas: Você falou sobre a banda ser engraçada, mas eu acho que vai além disso. Eu acho que o fato de ter uma conta espontânea e verdadeiramente natural e autêntica também atrai. A gente consegue identificar o lado “humano” daquele texto. A gente é o que é na vida real, e colocamos lá porque o contato é direto, tanto da sua cabeça para o texto quanto da publicação para outras contas.

Luiz: É muito legal que essa interação também serve como forma de divulgação. Se eu vejo alguém falando algo legal sobre a gente, eu posso retuitar. As outras pessoas vão olhar isso e reparar que existem outras pessoas falando sobre nós. É algo meio “mente coletiva”. Conforme você vê mais pessoas falando bem de um artista, você fica com uma noção da repercussão que aquele artista tem. Assim, ganhamos fãs que se sentem próximos e isso é muito importante.

Mateus: Lá é onde mais vemos as pessoas comentando coisas como “ah, ouvi essa banda
durante o fim de semana e recomendo”. É uma interatividade espontânea. A gente consegue ter uma noção da repercussão, de certa forma, com curtidas de desconhecidos no Spotify e no Facebook, por exemplo.

Luiz: Uma pessoa falando sobre a gente em uma rede social vale mais do que mil reproduções em streaming. Mostra que o pessoal está realmente prestando atenção. E quando interagem com a gente também. Uma vez, perguntamos se os nossos seguidores gostariam de ter camisas tematizadas com a Contando Bicicletas. Tivemos uma repercussão positiva e isso fez a gente pensar que pode ser um investimento que valha a pena.

TMDQA!: O Se Quer Aventuras é um disco muito bom, ao misturar várias sonoridades, sendo bem brasileiro, e ser um disco que flui naturalmente. Você consegue ouvir ele de uma vez só sem se questionar se o disco já está acabando ou não. Isso é ótimo para qualquer álbum hoje em dia, em que as pessoas apenas pegam suas favoritas e inserem em playlists ou na fila do Spotify. Como foi, para vocês, compor um material com essa característica, de contar uma história completa e fluida? Foi algo muito pensado?

Vitor Carneiro: Foi muito pensado. A gente teve isso bastante em mente enquanto juntávamos as músicas no CD. Na hora de compor as músicas, não, mas tivemos esse pensamento na horas de colocar as faixas em uma ordem. Tiveram alguns casos em que pensamos: “dá para juntar essa música com aquela no disco”.

Luiz: Chegou um ponto em que combinávamos algo como “compõe tal música em si”,
planejando a coisa toda. Rolou um ponto em que mudávamos o tom de alguma canção para conseguir encaixá-la em outra. Levamos nesse sentido, mas é claro que outros casos não foram tão pensados. Enquanto eu compunha “Cabeça nas Nuvens”, por exemplo, pensei em fazer uma determinada transição e o Ribas me aconselhou: “só taca”. E funcionou. Foi nesse espírito que o disco inteiro foi feito.

Se você der um silêncio grande demais, corremos o risco de as pessoas pararem de ouvir o álbum. Existe hoje uma briga para manter a atenção das pessoas. Tem um disco que eu e Vitor ouvíamos muito no colégio que é o do Periphery, uma banda de metal. O segundo disco deles era completamente assim com todas as músicas. Eles justificaram que isso foi proposital, justamente para prender o ouvinte.

Vitor: No final, o disco usou de várias transições, sem ficar cansativo.

Luiz: Recebemos críticas negativas também por conta disso. Teve um crítico que falou que o álbum parece uma música só com 40 minutos de duração. Para mim, isso foi um elogio (risos).

TMDQA!: Ainda sobre o Se Quer Aventuras, queria saber um pouco sobre o processo de composição. Como foi, para vocês, esse processo? Demorou muito? Foi algo planejado, já que existe um pouco de cada um no disco?

Mateus: Sempre tivemos a intenção de não dar destaque a um integrante específico.
Mateus: A grande maioria das músicas veio de bases que o Luiz já tinha, com voz e violão, que é o coração das canções. A gente foi adicionando as outras partes em torno disso. Mas a finalização da música foi bem coletiva, com todos opinando. Nenhuma música seria o que é se não fosse a participação dos quatro.

Luiz: Teve muita música que eu levei em composições voz e violão, como o Mateus disse. Teve uma música que toquei com ele antes mesmo de termos a ideia da banda. Teve o caso também que reparei um espaço entre duas músicas e falei para o Mateus compor algo. Dei o tom em que a música anterior acabava e o que a música seguinte começava, e assim surgiu “Mergulhador”, um dos meus sons favoritos no disco. Tiveram duas músicas que eu compus com o Vitor também: “Olhos” e “Atrito”. A nossa ideia daqui pra frente é trabalhar mais em conjunto ainda.

Mateus: A ideia do segundo disco é exatamente esta: a gente se unir mais ainda.

TMDQA!: Vocês têm alguma música que considerem pessoalmente favorita? Todas as músicas do álbum têm um número semelhante de reproduções no Spotify, e isso é muito importante para uma banda hoje em dia, porque é sinal de que o álbum está sendo consumido por inteiro e, logo, a narrativa do álbum também.

Mateus: Não tem como escolher um favorito. Cada música tem seus momentos. Eu tenho
carinho por todas. A minha resposta é: o disco inteiro (risos)! É claro que tem dias em que eu prefiro tocar certas músicas ao vivo, mas depende muito do momento.

Luiz: Eu acho que de composição, é difícil de dizer. Tem uns sons no disco que eu penso
“Ah, essa aqui soou melhor. É uma música que eu gostaria de levar mais para frente”. Eu acho que “Hora”, “Gavetas” ou até mesmo “Mergulhador” são as três cujo resultado final mais me impressionou. Para mim, são referências de como a gente funciona melhor.
Ribas: Eu gosto de falar que não aguento mais “Hora” desde que a gente existe. Cada uma
dessas têm um processo específico. Enquanto “Gavetas” é uma música super robusta,
“Mergulhador” surgiu mais do nada. Eu prefiro na verdade, as músicas mais estranhas. “Ilhas de Malabar”, por exemplo, eu acho que é uma das coisas mais fodas do álbum.

Vitor: Eu estava numa fase em que “Atrito” era a minha favorita. Mas é aquilo, as músicas são como filhos: você nunca vai olhar para uma e pensar “odeio essa música”. O que eu mais gosto, no entanto, me colocando nos pés de um fã, acho que “Ilhas de Malabar”,
“Mergulhador” e “Cabeça nas Nuvens” seriam minhas favoritas.

Luiz: É como um feito. É legal ver que estamos satisfeitos com tudo que produzimos. Vitor: Não escrevemos nenhuma música “só para encher” o álbum. Existem várias entrevistas dos Beatles, por exemplo, onde eles falam que escreveram determinadas músicas só para completar o disco. A gente nunca teve essa mentalidade.

TMDQA!: Eu queria saber sobre o show de vocês. Como vocês descreveriam a apresentação ao vivo de vocês?

Mateus: A gente pensa na setlist do nosso último show e mudamos um pouco.

Vitor: Temos o lance de fazer nossos shows serem sempre diferentes do anterior, sem ficar algo meio repetido.

Luiz: Acho que a gente tem essas duas coisas: tanto aquilo do “todo mundo quer ouvir aquela música” quanto o fato que as pessoas reclamam se a gente deixar de tocar alguma música do disco. Em um show em que não tocamos “Prazer, Tempo”, um amigo nosso nos procurou para “dar bronca”. No show seguinte, acabamos começando com ela.

TMDQA!: Se vocês pudessem descrever o show da Contando Bicicletas com uma palavra só, qual palavra seria?

Vitor: Eu acho que “divertido”.

Luiz: Eu penso em outras coisas. Penso em “envolvente”, porque sinto momentos em que não apenas eu, mas o público também se perde nas músicas, de uma maneira positiva.

Mateus: Envolvente e divertido, então!

TMDQA!: Vocês fazem parte de uma consolidação de uma cena cada vez mais forte. Como foi o primeiro contato de vocês com Hugo e Pedro, que produziram o álbum?

Luiz: Foi em shows da Ventre. Falamos com eles depois dos shows. Na verdade, comecei a
conhecer o Hugo (Noguchi) melhor durante um show da Mara Rúbia, que era a banda do Pedro. Ele estava na plateia. Estávamos conversando um do lado do outro, quando perguntei “Você não é o Hugo da Ventre?”. Quando pensávamos em possíveis produtores para nosso disco, pensamos no Hugo, que na época estava começando a produzir. O Pedro também viu um show nosso e pensou em nos produzir, aí os dois se juntaram para nos ajudar nessa. Foi um sonho nosso que se tornou realidade. A ideia partiu deles mesmo.

TMDQA!: Acho que é isso, galera! Alguma consideração final?

Luiz: Queríamos agradecer pela oportunidade! E pedimos para que vocês ouçam a gente com o coração aberto, para ouvir as diversas camadas das nossas músicas.