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Essa quinta temporada não é tão Black Mirror, meu

"Black Mirror", apesar de tentar manter a essência da série, não consegue preservar a complexidade nesta curta quinta temporada.

Ashley O, episódio de Black Mirror com Miley Cyrus
Foto: Netflix

A quinta temporada de Black Mirror estreou trazendo consigo muita expectativa. O status adquirido nos últimos anos elevou a produção da Netflix ao patamar mais alto da TV mundial, o que é excelente por um lado – ganhou Emmy e tudo – mas pode ser complicado – o padrão de qualidade é muito alto para se manter por muito tempo e contando tantas histórias diferentes.

E foi exatamente o que aconteceu. Apesar de tentar criar reflexões sobre como os avanços tecnológicos se tornam mais perigosos conforme o nosso cotidiano vai ficando mais dependente deles, as discussões não foram tão profundas quanto o esperado. Faltou aquele “isso é tão Black Mirror, meu!”.

Brodeiragem?

O primeiro episódio, Striking Vipers, talvez seja o que mais chegou perto de deixar uma pulga atrás da orelha do espectador. São criadas boas discussões sobre temas bastante atuais: inteligência artificial, homossexualidade, monogamia e fluidez dos relacionamentos, por exemplo. Apenas o final que é um pouco insosso, considerando o desenvolvimento que o próprio episódio conduziu.

A discussão surge ao colocar personagens homens, heterossexuais e amigos de longa data para protagonizar um romance virtual, no qual um deles joga com uma personagem feminina. Um dos jogadores só sente prazer quando assume o corpo de mulher, o outro continua se relacionando com o sexo oposto, mas sabendo que um homem está controlando aquele corpo. Onde começa a homossexualidade? Ou ela sequer existe nesse caso?

Mais importante do que isso: se você é casado e faz um personagem de videogame transar com outro em um ambiente virtual, não está traindo seu cônjuge, certo? E se você estiver sentindo fisicamente o mesmo que o personagem, vira traição?

Striking Vipers, episódio de Black Mirror
Foto: Netflix

A atuação de Anthony Mackie e Abdul-Mateen II ajuda bastante na identificação com os personagens. Além disso, como é bom ver um elenco negro protagonizar um blockbuster sem que o fato de eles serem negros sequer seja mencionado. Sem dúvida, a normalização das escolhas de atores como Mackie, Abdul-Mateen e Nicole Beharie (que interpreta Theo) tem bastante significado na indústria.

Ah! Striking Vipers foi gravado em São Paulo. Conseguiu identificar enquanto assistia?

Carona e balinha de estranhos

Já o segundo episódio, Smithereens, é o que mais se aproxima da nossa realidade e pode facilmente se passar em 2019. O excelente Andrew Scott vive Chris, motorista de transporte executivo que planeja um sequestro para conseguir falar pessoalmente com um magnata da indústria da tecnologia.

Apesar de atual e com boas atuações, faltou um degrau para a entrega de algo realmente novo. Seja o debate sobre o papel das redes sociais no nosso dia a dia, o risco ao entrar em carros de desconhecidos ao pedir um Uber/99/etc, ou a falta de controle dos indivíduos em um mundo dominado por corporações, não há nada verdadeiramente novo em Smithereens. O final é aberto demais até para os padrões Black Mirror, mas esta foi a única maneira encontrada para que o espectador continuasse pensando na história depois que ela “acabou”.

Andrew Scott em Black Mirror
Foto: Netflix

Ashley O ou Hannah Montana?

O terceiro e último episódio, Rachel, Jack and Ashley Too, foi protagonizado por Miley Cyrus. A estrela foi bastante exigida por ter que dar vida a pelo menos três versões da jovem Ashley O: à frente das câmeras, com um semblante sempre feliz, sorridente e cantando músicas com mensagens positivas; por trás das câmeras, onde era depressiva, introspectiva e revoltada com o controle da tia – e empresária – sobre sua vida; e dando voz à boneca Ashley Too, um robô que “pegava emprestada” a personalidade da artista.

Qualquer semelhança com a própria Miley na vida real não é mera coincidência. Talvez por isso o desempenho da atriz tenha sido tão bom.

O elemento “Black Mirror” deveria ser o robô Ashley Too, mas tudo ficou muito longe da nossa realidade. Quando o foco de Black Mirror é em pessoas “normais”, a identificação do público vem de forma mais natural. Nesse caso, Ashley O era uma superstar, algo que quase ninguém no mundo também é. A crítica ao showbusiness até ficou clara, mas tudo muito distante dos espectadores comuns.

Os episódios não são necessariamente ruins, apenas não estão à altura daquela Black Mirror que a gente conhece. Pelo menos, dá para tirar algumas coisas legais dessa temporada, como a versão alternativa de “Head Like a Hole”, do Nine Inch Nails.

Os produtores Charlie Brooker e Annabel Jones fizeram uma adaptação da música, dando uma cara totalmente teen, e tiveram total apoio de Trent Reznor, frontman da banda. Confira o trailer do episódio:

Black Mirror já está disponível no catálogo da Netflix, assim como suas quatro temporadas anteriores e o filme interativo Bandersnatch.